quinta-feira, 18 de março de 2010

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27156

“E, perto ou longe, quis beijar a s'reia”
Que um dia imaginara em praia mansa,
Mas quando a tempestade já me alcança
É movediça então a clara areia.

Não pude discernir qualquer beleza
Somente a ingratidão me acompanhava,
Invés de mansidão terrível lava,
E assim se revoltando a Natureza.

Assiduamente quis outro momento
Aonde poderia ter tranqüilo,
Diverso deste mar em que desfilo
Somente uma procela em vil tormento.

Assim ao prosseguir em triste sina,
Nem mesmo uma esperança me fascina...






27157

“No afã da glória me atirei com ânsia”
E nada pude ver senão meu fim,
E quando não floresce no jardim,
A dor vai dominando toda estância.

E quase percebera alguma chama
Aonde sei agora fátuo fogo,
Perdendo há tanto tempo o antigo jogo,
Nem mesmo uma alegria se reclama.

Perfaço o meu caminho em solidão,
Tristezas entre trevas e terrores,
Diverso do que outrora ao me propores
Dizias de um momento de verão,

Inverna-se esperança no meu peito,
Jamais prosseguiria satisfeito...


27158


“De tanto fogo tinha a mente cheia”
Inertes emoções trazendo o medo,
E quando algum sorriso inda concedo,
A fúria do passado me incendeia.

Viver é ter nas mãos a sorte inglória
De perceber distante esta alegria,
O quanto a vida segue tão sombria,
Deveras lua ausente ou merencória.

Cansado de lutar, não mais consigo
Vencer as intempéries deste tempo,
E a cada passo louco contratempo
Avisa do venal, torpe perigo.

E passo o dia a dia em triste sanha,
Minha alma segue alheia, vaga e estranha...


27159


“Ardendo a fronte em bacanal vertigem”
Durante tantos anos não soubera
Vencer a solidão terrível fera,
Dos sonhos nem restando uma fuligem,

Por mais que ainda creia no futuro,
Cansaço vai tomando o dia a dia,
E a sorte a cada passo mais se adia,
Diversa do carinho que procuro.

Não pude realizar sequer um sonho
E tendo um pesadelo tão constante,
Não pude perceber tal diamante,
O mundo sob os olhos é medonho.

E vejo após a noite, esta neblina
Que tanto me atormenta e me fascina...


27160


“Pulava o sangue e me fervia a vida,”
Durante a juventude, a mocidade,
E agora que concebo a realidade
Já vejo esta esperança entristecida.

Vestígios do que fora uma alegria
Somente são escombros, nada mais,
Os dias que pensara magistrais,
Agora a vida expressa a noite fria.

Perfaço ainda em luzes um momento
E nele com certeza poderei
Pensar que ainda exista noutra grei
Um ar que não se mostre violento.

Mas sei ser ilusão, e então prossigo
Distante do que fora algum abrigo...


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“Em mim foi beijo de lasciva virgem”
O que marcou deveras minha vida,
Mas quando se fizera mais perdida,
Insólito temor em vã vertigem,

Acasos entre ocasos, casos, nada...
Sem ter um aprazível prado, eu sigo
E vendo a cada curva outro perigo,
Não posso mais cantar. E a voz calada

Expressa a realidade que persiste
Numa alma que se enfada, e não consegue
Seguir sem ter o brilho que sonegue,
Deixando o dia a dia bem mais triste.

Correndo contra o tempo sempre em vão,
Aonde poderia outro verão?


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“A mocidade no sonhar florida”
Agreste realidade me acompanha,
Da imensa cordilheira, da montanha,
O vale mais profundo em voz sofrida.

São sintomáticos meus erros, sei
E não conseguiria melhor sorte,
Sem ter ancoradouro aonde aporte
Esqueço uma alegria em torpe lei.

Acode-me somente uma lembrança
Da juventude morta há tantos anos,
E quando nos meus olhos, desenganos,
O frio tão somente inda me alcança;

Restando uma ilusão, e dela vejo
As sombras do que fora algum desejo...


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“Longe da praia que julgou tão perto”
O velho marinheiro se perdeu,
E o mundo desabando escureceu
Gerando tão somente este deserto.

Quisera a claridade que não tenho,
Seguir por mansas sendas, ter a sorte
Mudando com vigor o antigo norte,
Não posso crer sequer no que me empenho.

Esgotando esta força que inda havia,
São lassos os meus dias, dor e tédio,
Não tendo para tal qualquer remédio
Minha alma prosseguindo doentia.

Servil e sem saber como fugir,
Ausente nos meus olhos, o porvir...

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“E como o nauta sobre o mar sanhudo”
Enfrento sem temor vivas procelas,
E quando nos teus olhos me revelas
O encanto sem igual, tolo, me iludo.

A par da solidão, fiel amiga,
Tristonho coração já não persegue
O sonho que deveras não consegue
Realidade apenas desabriga.

E o pranto se esvaindo em meu olhar,
Terríveis as verdades, isto eu sinto,
O amor que tanto quis agora extinto,
Não deixa sobrar nada. E me entregar

Aos mais diversos cantos; nada vale,
Melhor então querida, que eu me cale...

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“Das arapongas no sertão deserto”
O canto que se espalha sem limites,
Ainda que deveras delimites
Meu mundo se percebe sempre incerto.

Pereço a cada dia um pouco mais
Na ausência de carinhos, vou medonho
E quando novamente ainda sonho,
Os ermos se mostrando sempre iguais.

Alento que procuro e não encontro,
Somente pela vida o desencontro
Toando repetida ladainha.

E quanto se entristece o coração
Nevascas mais terríveis mostrarão
Felicidade, enfim, nunca foi minha!




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“Minh'alma é triste como o grito agudo”
De agônico e sofrido condenado
Marcando cada dia do passado,
Deveras com futuro não me iludo.

Morrendo pouco a pouco, nada vejo
Somente este vazio que me toma,
Aonde imaginara simples soma,
A sombra desairosa de um desejo

Frustrando a caminhada pela vida
De quem se preparou para lutar,
E quando não se via mais luar,
A sorte se mostrara ensandecida.

Assim eu não consigo mais saber
Aonde se escondera o meu prazer...

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