quarta-feira, 24 de março de 2010

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19



“Então o assombro um tanto se aquieta,”
Depois de tantos ventos mais ferozes,
Ouvindo do passado antigas vozes
A sorte modifica rumo e meta.
Aonde imaginara ter talvez
Um dia mais tranqüilo, nada vejo,
Somente a sombra amarga de um desejo
Que a cada novo tempo se desfez.
Quem dera se pudesse ter nas mãos
Momentos mais felizes, quem me dera,
A vida desnudando a mesma fera
Tornando os meus caminhos tristes, vãos,
Não deixa mais sobrar nem esperança
Enquanto o tempo atroz, bem sei, se avança...

20


“Que do peito no lago perdurava,”
As águas poluídas da saudade,
O tempo pouco a pouco já degrade
Tornando uma alma livre, agora escrava.
Medonhos caminhares, noites frias,
Vestígios de um passado mais feliz,
Procuro e quando tudo já desdiz
Deveras noutras sendas tu me guias.
Mortalhas espalhadas, tanto luto,
E o corte se aprofunda e se profana,
Quem tanto imaginara em voz insana
Agora ainda tento, mas reluto.
E vendo assim meu fim se aproximando,
O quanto imaginara, desabando...


21


“Naquela noite atribulada, inquieta”
A sorte se mostrara mais venal,
No olhar a discrepância bem e mal
Deveras se perdendo em fria seta,
O quanto se deseja e nada tenho
E mostro no vazio a minha face,
Por mais que o tempo ainda, duro, passe
Mostrando a sorte em tênue desempenho,
Vagando por caminhos mais atrozes,
Espinhos costumeiros sob os pés,
Atando aos meus sonhares tais galés,
Deveras emoções traçam algozes,
E o peso do que fora sem ter tido,
Legando à fantasia amargo olvido.


22


“E como quem o anélito esgotava”
Numa ânsia incontestável, terminal,
A sorte se mostrando feita em nau
Distante deste porto, uma alma escrava.
Eviscerados sonhos, mortos dias,
E neles os demônios entre risos,
Fulguram dominando Paraísos
Enquanto às infernais sendas me guias.
Eu vejo retratado no não ser
A face de um poeta, um mero louco,
O quanto desejara, muito pouco,
Agora se mostrando em desprazer.
O corte se aprofunda, fria chaga
Somente a solidão, cruel, me afaga...

23


“Sobre as ondas, já salvo, inda medroso”
Percebera meu canto em vagos tons,
Momentos que pensara serem bons,
Aonde imaginara farto gozo,
Desvendam face escura do vazio
E traçam meu perfil, tolo idiota,
A pele se desfaz, e já se nota
O quanto em luz profana desafio.
E o vasto caminhar se torna nada,
Envergando-me enquanto ainda luto
Pudesse pelo menos ser astuto,
A sorte já veria transmudada.
Porém quando se mostra em vil desgaste
O sonho que deveras, sonegaste...

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