domingo, 28 de março de 2010

27802/03/04/05/06/07/08

27802


“E eu sinto a dor de todas essas vidas”
E delas me proponho um novo dia
Aonde do total que se recria
Ainda houvesse luzes já perdidas,
Medonhos os espectros que rondando
O sonho, se transformam em reais
E geram em terror; descomunais
Imagens do que outrora fora brando,
A morte me açodando me permite
Viver imerso em sombras temerárias
As sortes que bem sei tão procelárias
Não respeitando enfim algum limite
E o pêndulo da vida se refaz
Num êxtase terrível e tenaz.

27803



“O último solilóquio dos suicidas”
Às vésperas do fim anunciado,
O quanto deste encanto demarcado
Gerado pelas ânsias de outras vidas.
Negar a própria sorte tão brumosa
E ver em nova esfera soluções
Enquanto na verdade decompões
O gozo de um prazer sempre se glosa,
Decrépitos caminhos se percorrem
Lugares nunca vistos e temidos,
Ouvindo tão somente tais gemidos
Nem mesmo as esperanças o socorrem,
E quando o passo dado é derradeiro,
O tiro com certeza, bem certeiro..


27804

“O ferido que a hostil gleba atra escarva,”
Com tentáculos vários, espinheiros
Os cortes se aprofundam em verdadeiros
Nichos onde se exibe cada larva,
A sorte se tornando desta forma
Disforme caricata, dor intensa,
E quando noutra via se compensa
A morte insofismável, fria norma,
Caracteriza o fato mais sutil,
E traça sem defesas o final,
Audácia se mostrando tão banal
O gozo tresloucado se previu,
E o putrefeito corpo ora se expõe
E em pleno respirara já decompõe.



27805


“O homicídio nas vielas mais escuras,”
Transborda este retrato tão banal
Da fome que se espalha, o bem e o mal,
Gerando estas disformes vãs figuras,
E a carne mais barata e mais vulgar
Jogada pelas ruas, exposta e nua,
Devora-se deveras sempre crua,
Abutres dividindo o que restar
Do que pudera ser um ser pensante
E agora nada além de podre massa,
Assim ao ver estúpida carcaça
Verdade traduzida neste instante:
Amou, sofreu, pensou, mas e daí?
Resposta procurada encontro aqui.

27806


“Continua o martírio das criaturas”
E assim ao me tornar antropofágico
Negando qualquer tom terrível, trágico
Afasto dos meus olhos amarguras,
A morte é costumeira e tão banal,
Aonde se dará em qual momento?
Já não procuro mais qualquer alento
Sabendo inevitável este degrau
Que mesmo me levando a algum lugar
Ainda que não creia, permitindo
Ao sonhador deveras turvo ou lindo,
Orgástico e terrível lupanar?
Só sei que no final mero repasto,
Por vezes salvador, sempre nefasto.

27807

“Consiste essencialmente na alegria”
De ter esta certeza construída
Ao longo do que fora quase vida,
E o tempo na verdade nunca adia.
A carne apodrecida já desenha
O quanto desta sombra ainda existe,
E quando se apresenta amarga e triste
Cumprindo solitária esta resenha,
O vasto do vazio se apresenta
E nada além do gozo do não ser,
Permite qualquer forma de prazer
Por vezes tão calada ou violenta.
Escusas ruas credos infelizes,
E a cada novo tempo outros deslizes.


27808

“Que a mais alta expressão da dor estética”
Esgarça o que talvez ainda reste,
O tanto do viver árido e agreste
Não torna esta resposta tão hermética.
Somando o nada sempre com o nada,
Resulta-se na face mais exata
Do quanto cada nó já se desata
E a vida não passando de lufada.
O pêndulo necrótico refaz
Da podridão a vida que assim retorna,
Não vejo tempestade em água morna,
Tampouco sinto um ar torpe e mordaz,
Das tais vicissitudes me alimento,
E assim quando eu me for também fomento.

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