sábado, 27 de março de 2010



“Era dia de ver-te os indecisos”
Momentos entre medos, fantasias
E quando se concebe o que dizias
Os dias se mostraram imprecisos

Matizes tão diversos, mesma face,
Colorem-se meus dias dos vazios
E neles entranhados desafios
Causando neste todo algum impasse.

Imparciais caminhos, novas sendas
E nelas angustias quando mentes,
Somando nossos erros e sementes
Veredas mais diversas não desvendas

Confesso os meus enganos e talvez
Divirjo do que tanto ainda crês.

24


“Tímidos olhos doces a me olhar”
Mudando a direção do que pensara
E sendo muito além da pedra rara
Que um dia imaginara lapidar.

Cercando-me das tantas ilusões
Nas quais e pela quais inda caminho,
Porquanto se fizesse mais sozinho
Deixando para trás outras versões,

Clamando por talvez novo momento,
Não poderia ainda que não fosse
A vida tão somente um agridoce
Cenário onde às vezes me atormento,

Mas tendo nos teus olhos o reflexo
Dos meus neste mosaico mais complexo.

25


“Era dia de ver os teus sorrisos”
Entre as névoas comuns do desamor
E nesta maravilha a se compor
Percebo muito além os Paraísos.

E quando ainda escuto outros avisos
Falando do talvez, posso repor
Imerso nos anseios de um louvor
Por mais que em mim enfrente meus granizos.

Espúrias emoções, fardos constantes
E mesmo quando em fúria te agigantes
Ao fim somos idênticos não mais.

Acasos entrelaçam passos e ânsias
E neles se percebem discrepâncias
E enquanto gemelares, desiguais.


26

“Era dia de ver-te suspirar”
E ter nas mãos a sorte decidida
Ao perfazer em trevas minha vida
Querendo novamente algum luar

Vivendo sem limite a me fartar
Aguardo a cada luz a despedida,
Uma existência sendo assim urdida
Nas torpes ilusões ganhando o mar

Espalho-me na areia movediça
Gerada pelas fúrias da cobiça
E trago ainda em flor esta esperança

Vestindo esta tão trágica carcaça
Enquanto a realidade se esfumaça
Minha alma ao descaminho em ti se lança.

27

“Era dia de agrados e ternuras”
Insólitos caminhos percorridos
E neles expressando os meus olvidos
Enquanto em ti perpétuas as procuras

E quando do vazio me emolduras
Momentos entre perdas divididos
Escravizados sonhos percebidos
Gerados por angústias e canduras.

Nefastas noites somam desesperos
E deles meus terríveis destemperos
Causando dissabores entre trevas.

Só sei que mesmo tendo tais agrados
Os erros entre os erros consagrados
Traduzem o que ainda mesmo cevas...

28

“Em teus braços de moça perfumada”
Delírios e desejos decifrados
Momentos e segredos desvendados
Seguindo sem perguntas flórea estrada

Deliciosamente em ti se vê
Suaves maravilhas, tenra luz
E à intensa sedução quando me expus
A vida teve enfim o seu por que.

Navego por teus mares, forjo um sonho
E teimo contra tantos medos meus
Os dias do passado, mais ateus
E agora a redenção em ti proponho.

Teus rastros seguirei até a morte,
Pois neles adivinho agora um Norte.

29


“dias de sonhos e carícias puras”
Transcendo aos meus anseios e permito
Que tanto amor se mostre em raro e belo rito
Esplêndido momento de branduras

Acostumado às tantas desventuras
Ao crer neste desejo mais bonito
O velho coração atroz e aflito
Delira ao saciar velhas procuras.

Estás bem junto a mim, e isto me basta,
A sorte há tanto tempo em vão, nefasta
Agora se entregando a tais delírios

Percebe finalmente o imenso brilho
E envolto em tanta luz me maravilho
Deixando no passado vãos martírios...


30

“ao teu convívio de mulher amada”
Sentir quanto é sublime a minha vida
E mesmo quando a sorte está perdida
Em ti felicidade desejada.
Alvissareiros dias, noites belas
Desejos saciados e profanos,
Já não comportam mais os desenganos
Vivendo em ti delírios que revelas.
As ânsias dos prazeres mais vorazes
Ensandecidos, fartos navegantes
Em mares tão divinos, deslumbrantes
Que a cada madrugada tu me trazes.
Saber-me timoneiro desta glória
Tornando a vida menos merencória...

31

“era dia aprazado de dizer-nos”
O quanto nos queremos sem limites
E quero que tal fato não evites
Sabendo quão divino é poder ter-nos
Cadenciando os passos rumo aos céus
Que tanto adivinhamos quando juntos
Por mais que se desviem os assuntos
Amores nos recobrem com seus véus
E os veios que percorro são eternos,
Atalhos para eternos caminhares
Enquanto noutros mares navegares
Trazendo aos meus verões, duros invernos
Haverá sempre a luz deste farol,
Tomando em claridade este arrebol.


32

“coisas belas – unidas pelas almas”
Servindo como laços que nos atam
E quando as fantasias nos maltratam
Tu vens e mansamente tudo acalmas.
Estranhas emoções por vezes tentam
Tornar a caminhada mais atroz,
Porém ao perceber mais fortes nós,
Os dias em teus braços nos alentam.
Peçonhas tão comuns, medos, ciúmes,
Jamais encontraria algum apoio
Sabendo separar trigo de joio
Tu trazes quando escuro, novos lumes.
E assim continuamos rumo ao sol,
Guiados pelo amor, raro farol...

33

“era dia de dar-nos e de ter-nos”
Envoltos pelas ânsias de um prazer
E ainda tão somente posso ver
Momentos que percebo serem ternos
Eternidade feita em mil carícias
Delírios costumeiros, luzes fartas,
E quando dos meus braços tu te apartas
A vida preparando vãs sevícias,
O quase do abandono temporário
Transcende ao mais perfeito alento e traz
Distante dos meus olhos a alegria,
E a noite outrora intensa já se esfria
Levando para longe a minha paz.
Mas logo tu retornas e refaço,
A bela caminhada passo a passo...

34

“perdidamente pelas horas calmas”
Andando em senda mansa encontro a ti
E quando teus anseios eu senti
No encontro fabuloso dessas almas
Momentos sem igual, carícias, gozos,
Suprindo nossos corpos em prazer
E os dias se mostrando fabulosos,
Vontade de poder estar e ser.
Servindo ao mais complexo servidor,
Escravo deste algoz que no sacia,
Nas delicadas fúrias da alegria
Diversidade feita em tanto amor.
Descrevo tais propósitos da sorte
Vivendo sem mais nada que me importe.

35

“era dia de fuga no infinito”
Estrelas a vagar sem rumo e nexo,
Caminho tão diverso quão complexo,
O amor se torna aos poucos quase um mito.
Mesquinhas luzes negam refletores
E traçam solidão em dores tantas
E quando sob as sombras desencantas
Afastas da esperança seus fulgores.
Descrevo os pandemônios que se vêm
Angustiadamente nada existe
Somente esta visão nefasta e triste,
No fundo do cenário, mais ninguém.
E toma a minha mente o pesadelo,
Difícil, na verdade, inda contê-lo...

36

“tendo as estrelas como lampadário”
Os céus dos meus desejos se tornando
Por vezes turbulento ou mesmo brando
Mudando com ternura o meu fadário,
Servindo de alimária no passado,
Histriônico algoz das esperanças
E nestas ilusões, as noites mansas
Retrato sem proveito, amarelado.
Ouvir vozes diversas, rumos falsos,
Falácias tão comuns de quem se traz
Envolto em treva farta, sou mordaz
E sinto a cada dia meus percalços.
Mas vendo constelares maravilhas
Percebo quão divina em mim tu brilhas.

37

“dia de tudo quanto estava escrito”
Traçando os mais diversos temporais
E neles as imagens desiguais
Tramando um tempo atroz, demais aflito.
Esgueiram-se demônios tomam cenas
E reinam absolutos sobre a Terra
A vida neste instante já se encerra
Devastações diversas, torpes, plenas.
Acossam-me corsários, vidas frágeis
Esgotam-se esperanças, perco o rumo,
Da morte nas masmorras, bebo o sumo,
Os dedos entrelaçam forças ágeis.
E o peso sobre as costas não permite
Sonhar além de um vago e vão limite.

38


“por mãos de deuses no seu calendário”
Espreito estes sinais que se adivinham
Os medos tão vulgares que continham
Os passos muitas vezes temerários.
Aprendo a discernir temor e glória
E castro os meus anseios tão profanos,
Os velhos e terríveis desenganos
Tomados por momentos em vanglória
Esboçam relativas emoções
E volto a crer em ninfas e regatos,
Por mais que se reneguem novos fatos,
Incríveis as tormentas que me expões.
Arcádico momento num neon
Diversidade reina em vário tom.

39

“era dia de amar-nos e no entanto”
Sabias disfarçar os sentimentos
Gerando com ternura mais tormentos
E deles o vazio que ora canto.
Penetro os arrebóis mais corriqueiros
E singro os oceanos mais vorazes
Nos olhos tais temores que em trazes
Impedem novas flores nos canteiros.
Amar e ter nos olhos sensações
Diversas do que seja uma alegria
E quando no futuro se descria
Ao menos posso ver fortes verões.
Assino com meu sangue o nada ter
E mesmo em braços fortes, me perder...

40

“como se equivocou meu coração”
Ao ter imagem tosca da verdade
Por mais que o meu cantar te desagrade
Realidades tantas mostrarão
Sinais das desventuras que trafego
E carcomidas cenas mais presentes
E nelas com terrores tu pressentes
O dia que virá mortal e cego,
Apego-me ao não ter como pudesse
Saber dos meus engodos e tentar
Ainda que distante deste mar
Dos sonhos mais felizes, ter a messe.
E tudo não passando de uma farsa
Que a vida desmascara e não disfarça.

41

“pois esse dia em que te esperei tanto”
Trazia por si só dor e alegria,
Gerando tão feroz dicotomia,
Ao mesmo tempo luz, medo e quebranto.
Perigos são constantes, disso eu sei,
E tendo nos meus olhos luzes várias,
Sonego mesmo em pranto as luminárias
Sabendo escuridão em minha grei,
Fomento tempestades, bebo a chuva
E teimo contra todas desventuras
E quando noutro plano me procuras
Percebes que do amor se faz viúva.
Ecléticos tormentos se anunciam
Enquanto os dias morrem, se esvaziam...

42

“era o dia da minha solidão”
E tudo se pudesse ser assim
Matando inútil flor, seco jardim,
Eternizando a seca em meu verão,
E o corte se aprofunda dentro da alma
O que mais desejara se desdiz,
Cevando tão somente a cicatriz
Nem mesmo a solidão ainda acalma.
Perfaço a mesma estrada sem saber
Se ainda poderia ver o porto,
E quando me imagino quase morto
Encontro o que pensara ser prazer
Era dia de ser feliz, ao menos,
Mas como se em ti bebo só venenos...

Homenagem a Paulo Fénder ERA DIA.


43

‘leves e alvas à plaga ocidental”
Seguindo entre procelas mais ferozes
Vencendo os mais terríveis vãos algozes
Num ato quase insano e triunfal,
Percorrem minhas naus num ritual
Superno entre momentos mais atrozes
Ouvindo das sereias doces vozes,
Vorazes em delírio sensual,
E quando se percebe ao longe o cais,
Momentos muitas vezes magistrais
O velho timoneiro coração
Vagando entre tempestas, direção
(Sabendo desde sempre tanto infausto,)
Esboça alguma luz que inda redima
Após as variantes desta vida
Que embora nos seduza, traz perdida
A senda feita em vário e insano clima...

44

“as nuvens vão: seja por onde for”
Neblinas entre céus soberbos, faustos,
E bebo dos terríveis holocaustos
Aonde a sorte inglória a se propor
Traduz as velhas perdas do passado
E molda no futuro tanta treva,
Ainda que esperança tola ceva
O mundo não trará bom resultado.
Vencido pelos medos mais fugazes,
Esculpo do vazio a garatuja
Imensa e tão atroz, por vezes suja
Que em mãos tão poluídas tu me trazes.
Demônios recriados dia a dia,
E neles se estampando esta agonia.


45


“Sorri o céu, como o humano labor”
Gerado em inconstante vendaval,
Aonde se quisera sempre igual,
Percebo a cada instante imensa dor.
E quando novo tempo irei propor
Vencido pelo vão descomunal
Não vejo ser possível num degrau
Chegar ao mais supremo e raro amor.
Assisto às derrocadas dos meus passos,
E quando ainda teimo em novos traços
Espaços mais diversos reproduzem
Momentos torturantes e venais,
Ausente dos meus olhos portos cais,
Aos naufrágios tempestas me conduzem...

46

“saúda o sol, benigno, triunfal”
Momentos maviosos, mas fugazes
As dores expressando em tais tenazes
Angústias corriqueiras, ar venal.
Pudesse ter a paz que não mais vejo,
Seria muito bom, um lenitivo,
Mas quando tão cansado, sobrevivo
Percebo quão insólito o desejo
E dele não se vê sequer a sombra
Do que pensara outrora ser capaz,
O mundo num tormento se desfaz
E a vida tão somente cobra e assombra,
O velho marinheiro agora lasso,
O rumo se perdendo já desfaço...


47

“em mil flechas desponta a catedral”
E tendo nos meus olhos o fatídico
Momento aonde às vezes sendo ofídico
Veneno que ora sorvo em alto grau
Esculpo os meus delírios mais constantes
E deles cada gota me transtorna,
Satânica paisagem que ora adorna
Em fatos tão comuns, meros farsantes
Divergem do que tanto proclamara
Em vozes dissonantes, vida e morte
Devastações sonegam o suporte
Criando da ferida imensa escara.
Escassas ilusões vestes puídas
As sortes sem escusas sendo urdidas...

48

“e santos de ouro e rosado fulgor”
Jogados sobre falsos patamares,
Gerando os mais soberbos, vis altares
E neles um satânico vigor.

O caos em pandemônios se denota
E o corpo ensangüentado exposto em cruz
De um mártir feito em glória reproduz
O que se poderia além da cota
Ser toda esta inclemência mais vulgar,
Medonhas labaredas, santo ofício,
Aonde se moldara um precipício
Na pútrida impressão a se mostrar
Aquém da santidade de um bom Deus
Traído pelos próprios filhos seus.

49


“radia então a Hosana e há o rumor”
Em tons por vezes díspares e terríveis,
Matando a redenção em tantos níveis
Deixando em trevas todo o Seu louvor.
A venda sem princípios de um amor
Tornando os Seus clamores inaudíveis
Prostituindo os cantos mais plausíveis
Numa aridez temível, lavrador

Das pútridas quimeras disfarçadas
Em luzes por um Pai abençoadas
Carpindo este cadáver feito em cruz,
Assim a humanidade desvirtua
Uma alma que se fez tão bela e nua,
Satanizando enfim Pobre Jesus...

50

“dos falcões, este alívolo coral”
Deitado em mar deveras turbulento
Alçando num mergulho em desalento
A natureza explana em forma desigual,

E nesta mais sublime realidade
Diversidade traça as uniões
E nesta maravilha contrapões
Caminhos dissonantes liberdades

E grades de uma imóvel vida, audazes
Estradas entre luzes, trevas, medos,
Assim se decifrando tais segredos
Desvendas e deveras mesmo trazes.
Nos ares e profundos abissais
A vida em suas faces magistrais.


51

“assim, depois que amor – riso de calma_
Perfez suas vontades mais insanas
Deveras tantas vezes soberanas
Traçando as variedades diversa alma
Expressa maravilhas no não ser
E traça etéreas sanhas porfiando
Temporais num templo atroz e brando
Terríveis dissonâncias de um prazer.
Abrolhos entre flores, plantações
Lavradas com estercos sempre iguais
E quando resultados desiguais
Momentos maviosos tu me expões
No todo feito em nada, realizas
Os vendavais convivem com as brisas...

52

“nuvens rasgou que me agravaram tanto”
O céu entregue em cores grises, claras
E nelas os anseios que declaras
Gerando muitas vezes desencanto,
Portanto nos meus ermos se porfio
Adentro os mais profundos de minha alma,
Procura que deveras já me acalma
Tornando o meu viver bem menos frio.
E o sol rasgando nuvens me permite
Acreditar num belo amanhecer,
Depois de dentro em mim tanto chover
Uma esperança atinge seu limite
Ascendo aos mais diversos fins sabendo
Que o fim será terrível e estupendo.


53

“pode exsurgir à luz do sol minha alma”
Enfrentando as neblinas costumeiras,
Por mais que na verdade ainda queiras
Carrego desde sempre antigo trauma

E o peso de uma vida sem limites
Ainda qual vergasta me açoitando,
O velho coração em contrabando
Além do que talvez inda acredites

Levando a minha sorte ao nada ter
Traçando com terrível galhardia
O quadro que pensara alegoria
Descora e pouco a pouco posso ver
A vastidão imensa deste sol,
Vencendo qualquer nuvem no arrebol...


54

“e lhe sorri multiplicando o santo”
Momento feito em luz e tempestade,
Assisto à fantasia que me invade
E quando me percebo ainda canto.
Gerasse algum tormento em desencanto
Talvez bebesse ainda a realidade,
Mas longe do que sei tranqüilidade,
Também não vou trazer no olhar, o pranto.
Separam-se de mim os meus albores
Deixando prosseguir por onde fores
Os medos mais banais que inda cultivo.
E tendo no vazio a sensação
Dos dias que decerto mostrarão
Motivo pelo qual eu sobrevivo.


55

“ideal da existência é uma harmonia”
E dela perfazendo o meu caminho
Deveras tantas vezes mais sozinho
Usando como voz a poesia.
Servir aos meus propósitos enfim,
E crer noutra manhã mesmo nublada,
A sorte muitas vezes não diz nada
Tampouco se permite boa ou ruim.
A chuva inevitável jamais tarda
E o peso ainda verga o caminheiro,
As flores se murchando no canteiro
A vida sonegando roupa e farda.
Enfadonhas cantigas ouço além
E sei que junto delas, nada vem...

56

“o pensamento. E o sentimento é um canto”
E nele se decifram dores, risos,
Às vezes outras não; sinto concisos
Os passos rumo ao belo, ao desencanto.
Adentro tais mistérios e me vejo
Precocemente mesmo, embrutecido,
Pudesse ter apenas num olvido
A morte do que fora algum desejo.
O céu que azulejara em esperança
Negreja-se em terrível tempestade,
E quando se tornou insanidade
Em meio às turbulências sempre avança.
Vivendo da ilusão posso compor
A vida feita em sol e em tanto amor...

Homenagem a Giosuè Carducci

SOL E AMOR

VERSÃO DE C. Tavares Bastos

57

“da umbrosa noite no silêncio, quando
Encontros os meus temores frente a frente
O mundo se transforma e de repente
O sonho ora percebo desabando,
Aonde se quisera bem mais brando,
A fúria devastando, tão ardente,
Por mais que uma esperança se apresente
A vida se pressente torturando.
Mas resta alguma luz na madrugada
Qual fora simplesmente luminária
E a sorte que percebo procelária
Deveras noutra face transmudada.
Resisto, tão somente e nada mais,
Umbrosa noite em fartos vendavais...

58

“meigo sono refaz os mais viventes”
Anseios que inda guardo dentro em mim,
Podendo ser feliz, quem sabe assim,
Os dias serão claros e envolventes,
Por mais que novos rumos inda tentes
Percebo raras flores no jardim
Que tanto cultivara e sei que enfim
Os dias não serão mais penitentes.
Assisto ao meu momento benfazejo
E um novo tempo agora já prevejo
Nascendo dentro da alma esta esperança.
Revigorando o passo pelo qual
Consigo alçar a paz que, triunfal
No peito enamorado adentra e avança.


59

“só eu vou meus martírios inclementes”
Nefastas madrugadas solitárias
Aonde se esconderam luminárias
Seguindo sem ninguém, tolas sementes
No solo aonde em glórias mais ausentes
Plantara com paixão, mas temerárias
Manhãs como terríveis procelárias
Cevaram tantas urzes entrementes.
Percorro os descaminhos contumazes
E neles só tristezas tu me trazes
Deixando cicatrizes mais profundas.
E assim ao perceber a invalidez
Do sonho que deveras se desfez
E agora com terror sem paz, inundas...

60

“aos céus e à minha (Diva) numerando”
Perpétuas emoções volvendo à tona,
A sorte dos meus sonhos já se adona
As dores se afastando em tosco bando.
Meu corpo deste sonho se adornando,
A dor que dominara me abandona
Uma alma em paz agora enfim ressona
Enquanto se percebe se alentando.
Vestígios das torturas do passado,
Futuro com prazeres vislumbrado
Enamorado encontro o que decerto
Durante a vida inteira procurara
Manhã se torna bela, imensa e clara
E o medo dia a dia, mais deserto.


61

“quando o dia os seus raios vem mostrando”
Bebendo desta luz que me inebria
Deixando adormecida uma agonia
O coração em paz se demonstrando.
Acerco-me das luzes mais intensas
E bebo desta rara maravilha,
Minha alma por espaços belos trilha
Enquanto neste amor que sonho, pensas.
Ao me entregar sem medo e sem pudores
Jamais me imaginara tão feliz,
E tendo o que deveras sempre quis
Podendo usufruir perfumes, flores,
Matizes de um amor puro e sincero,
Traduzem nesta vida o que mais quero.

62

“dentre as rosas d’aurora auriesplendentes”
A luz iridescente deste olhar
Suprema maravilha a me tocar
Na imensa claridade que apresentes.
Fugazes emoções? Já não as quero,
Desejo ter em ti esposa e amante,
O dia se mostrando deslumbrante
Traduz o que ora sinto e sou sincero.
Percorro eternidade nos teus braços
E vago por sidéreas ilusões
Entranham-se diversas seduções
E assim vão se estreitando nossos laços.
A par deste desejo tens em mim,
Da vida o seu princípio, meio e fim...

63

“com suspiros e lágrimas ferventes”
Expões sublimes rotas pela vida
Não vejo e nem pretendo despedida
No amor que tanto queres, somos crentes.
Apego-me aos desejos e delírios
E deles traço o rumo do viver,
Aonde se encontrasse tal prazer
Deixando para trás velhos martírios.
Sedentos caminheiros vida afora
O amor que a cada instante se demora
Permite um tempo em paz, suave e manso.
Contigo muito além desta emoção
Momentos de ternura e de paixão
Eternos e sublimes eu alcanço...

64

“vou as teimosas queixas renovando”
E tendo nos meus olhos a certeza
De um dia feito em trevas e tristeza
A sorte a cada dia destroçando
O que pensara outrora em bem querer
E vejo a tempestade no horizonte,
Por mais que outro caminho já se aponte
Somente encontrarei o desprazer.
Esgarçam-se ilusões, morrendo aos poucos
O dia a dia passa e nada vem,
Ao perceber a vida sem ninguém
Momentos de alegria? Agora loucos.
Renovo minhas queixas, ninguém vê
Procuro uma emoção, porém, cadê?

65

“se doura o sol a prumo o térreo assento”
E toma este arrebol no qual insisto
Vivendo esta alegria se benquisto
Caminho se expressando em pleno vento.
Não posso me negar a ter nas mãos
Realidade aonde se mostrasse
Além do que se fora algum impasse
Tormentos do passado, amargos, vãos.
E sendo traiçoeira a leda sorte,
Procuro eternizar felicidade
E mesmo que este mundo se degrade
Mantenho neste amor, um vivo aporte.
E quero renovada esta esperança,
Por mais que a dor insista na lembrança...

66


“não me dissipa as trevas da agonia”
O dia a dia feito em dor e pranto,
E quanto mais atroz sinto o meu canto
Felicidade então se faz esguia.
Pudesse ter nos olhos a alegria
Somente o que se mostra, desencanto,
Tocando com terror temível manto,
O luto em plena vida se porfia.
Vasculho pelos ermos de minha alma
Procuro qualquer luz que traga a calma
E nada se mostrando, sigo assim.
Espectro do que fora viva plena,
A morte sorridente já me acena,
Trazendo como alento então meu fim...

67


“dobra-me o pranto, aumenta-me os gemidos”
E nada poderia me trazer
Algum vestígio mesmo de um prazer
Se os dias demonstraram-se perdidos.
O fardo do viver se torna imenso,
Agônica expressão de uma tristeza
Lutando contra a fúria em correnteza
No amor que já perdi ainda penso,
E sei que no final não restaria
Sequer a cicatriz que ora cultivo,
Dos sonhos mais atrozes, vou cativo
Numa explosão de dor, farta agonia.
Quisera ter nos olhos, tolos meus
Aquela que se foi em triste adeus...

68


“volve a noite, e eu com ela ao meu lamento”
Jamais se poderia imaginar
Momento mais feliz a se encontrar
Exposto ao mais terrível sofrimento.
Não pude discernir luz de sombria
Imagem delicada que pensara
Ser sempre iluminada bela e clara
E agora se transforma em fantasia.
Medonhos os caminhos de quem ama,
Terrificantes noites solitárias,
As horas quais nefastas procelárias
Apagam o que fosse mansa chama,
E trago bem aberta em mim a chaga
Somente a morte enfim inda me afaga.


69

“ai! Que sorte! Implorar de noite e dia”
Pelo amor de quem tanto desejara
A sorte se mostrando quase rara
O sofrimento ao longe não se via,
Assim a minha história transcorria
Deixando para trás a dor amara
Enquanto esta ilusão voraz me ampara
Encontro nos teus braços a alegria.
Mas tudo tem seu fim, disso eu bem sei,
Não fomos exceção à dura lei
E a queda deste império então se fez.
Aonde houvera brilho, escuridão,
Inverno dominando este verão
Restando tão somente a insensatez.


70

“ao céu piedade, e à minha ingrata ouvidos”
É tudo o que ora clamo em fim de vida,
A sorte se mostrando já perdida,
Os dias em negrume decididos,
Momentos maviosos esquecidos,
Aguardando em silêncio a despedida
Cultivo sem remorsos a ferida
Risonhos campos nunca percebidos.
E atrozes as manhãs em névoas feitas
Enquanto além do amor tu te deleitas,
Nefasta realidade se traduz
Dos píncaros aos grandes abissais
A vida me responde nunca mais,
E sigo sem saber se existe luz!

HOMENAGEM A MIGUEL DE CERVANTES SAAVEDRA
TRADUÇÃO DE VISCONDES DE CASTILHO E AZEVEDO.





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