sexta-feira, 26 de março de 2010

HOMENAGEM A ALPHONSUS DOS GUIMARAENS

Alphonsus de Guimaraens
(1870 - 1921)
" SONETO "

Encontrei-te. Era o mês... Que importa o mês? Agosto,
Setembro, outubro, maio, abril, janeiro ou março,
Brilhasse o luar que importa? ou fosse o sol já posto,
No teu olhar todo o meu sonho andava esparso.

Que saudades de amor na aurora do teu rosto!
Que horizonte de fé, no olhar tranqüilo e garço!
Nunca mais me lembrei se era no mês de agosto,
Setembro, outubro, abril, maio, janeiro, ou março.

Encontrei-te. Depois... depois tudo se some
Desfaz-se o teu olhar em nuvens de ouro e poeira.
Era o dia... Que importa o dia, um simples nome?

Ou sábado sem luz, domingo sem conforto,
Segunda, terça ou quarta, ou quinta ou sexta-feira,
Brilhasse o sol que importa? ou fosse o luar já morto?



1

“Brilhasse o sol que importa? Ou fosse o luar já morto?
Talvez inda pudesse ou não acreditar
Jogado sobre mim um raio a me tocar
E nele com certeza a mansidão de um porto

Não percebo o dia ou noite, o que me importa?
Somente por saber do raio que me invade
E ter bem mais exata a rara claridade
Sabendo desde sempre aberta a minha porta,

E dela ouvir a voz que pode ser do vento
Clamando por alguém há tanto já não visto,
Mas quando isto eu percebo eu sinto que inda existo
E neste fato traço enfim suave alento.

Deixando a escuridão aonde perfilara
A minha sorte outrora agora bem mais clara...



2

“Segunda, terça ou quarta, ou quinta ou sexta-feira”
Já não me importa mais saber se existirá
Caminho diferente ou mesmo me trará
O que uma esperança ainda teima e queira,

Vencendo o meu temor de ser tão solitário
Percebo ter no olhar um brilho mais audaz,
E quando esta esperança um novo sol me traz
Deixando no passado o quanto temerário

Vestir uma ilusão e ter nela a certeza
De um momento a mais em luzes tão serenas
Por mais que ainda diste e nisto me envenenas
A sorte transmudando assim a correnteza

Trará felicidade e novo amanhecer,
Mal importando o dia, apenas o prazer...


3

“Ou sábado sem luz, domingo sem conforto,”
A vida transmitira apenas dor e mágoa,
Mas quando se percebe o mar e já deságua
Transformando assim, o antigo e velho porto

Eu poderei viver quem sabe esta esperança
E nela recriar a luz que já se fora
Deveras noutra luz agora redentora
Aonde o coração sem medo ora se lança

Gerando novo brilho e nele se mostrar
Etérea maravilha aonde possa crer
Possível novo tempo e nele perceber
Que novamente a noite explode-se em luar,

E tendo a cada verso um canto mais fecundo,
Nas tramas do universo em paz eu me aprofundo...




4




“Era o dia... Que importa o dia, um simples nome?”
O quadro se mostrando em luzes tão sutis
E nele todo o anseio além do que já quis
Enquanto o sofrimento esvai-se e logo some.

Pudesse distinguir as sombras do passado
Aonde vez em quando eu bebia do nada
Angústia corriqueira em linha mal traçada
Traduz o que talvez ainda é vislumbrado

Trazendo a tempestade em tempo mais brumoso,
Vergando sob o peso enorme do não ter
Deixando quase ao léu o rumo de um prazer
E quando se percebe ainda ausente o gozo,

A luz de uma esperança acende-se deveras
Gerando novamente, em mim, as primaveras.


5

“Desfaz-se o teu olhar em nuvens de ouro e poeira”
Trazendo ao horizonte um brilho extremo e manso,
Aonde com certeza a luz que almejo, alcanço
Enquanto a dor voraz, aos poucos já se esgueira.

Vencida cada etapa agora vejo enfim
O quanto se permite um sonho mais feliz,
Por mais que a sorte amargue, a vida contradiz
Florindo novamente em paz o meu jardim.

Não pude conceber outrora este momento
E quando se pensara ausente dos meus olhos
Eu revivera então daninhas entre abrolhos,
E nelas, o temor no qual eu me atormento.

Mas vendo-te serena e em doce calmaria,
Apenas a emoção sem medo; os sonhos; guia.

6


“Encontrei-te. Depois... depois tudo se some”
E nada do que tento ainda acreditar
Resiste ao próprio tempo. Encontro este luar
No olhar de quem transforma o amor num nobre nome.

Erguendo a minha fronte eu vejo no horizonte
O sol tomando a cena e invadindo o arrebol,
Assim em teu olhar, também sinto o farol,
Por mais que a tempestade ao longe já desponte.

Não temo outro momento e nem sequer permito
Esta vicissitude um dia conhecida
Matando em nascedouro, abortando esta vida
Transformando o prazer em simples, mero mito

E tendo então a força e nela me tempero,
O coração se faz audaz, porém sincero.


7


“Setembro, outubro, abril, maio, janeiro, ou março”
Não me importa sequer saber qual dia e mês
Trazendo esta esperança ainda que não vês
O quanto é necessário, e mesmo se me esgarço

Volúvel coração já não comporta mais
Além da própria sorte o quanto amei e quero,
Por mais que talvez tenha o olhar tranqüilo ou fero,
Enfrento destemido, enfim tais vendavais

Sabendo que afinal, a sorte modifica
Enquanto mortifica e traça o desengano,
O tanto que desejo e deste tanto ufano
Seara conquistada, em luzes é tão rica.

Envolto pela sombra às vezes me perdendo,
Mas quando vejo o sonho, eu sei ser estupendo...




8

“Nunca mais me lembrei se era no mês de agosto,”
Ou quando mesmo foi e talvez pouco importasse,
A vida renovando aos poucos sua face
Enquanto traz no olhar, o sonho estando exposto

Percebe o caminheiro a luz de um novo tempo
Por mais que ainda creia em duros temporais
É natural bem sabe, antes de ver o cais
Colecionar na vida imenso contratempo.

O peso verga quem não sabe desta sina,
E quando se percebe aos poucos destruída
Sem ter qualquer vestígio aonde uma saída
Já poderia ver, porém nunca domina

O medo que se expõe no olhar de quem percebe
O quão volúvel é, na vida, cada sebe...


9



“Que horizonte de fé, no olhar tranqüilo e garço”
E quando vejo a luz aos poucos dominando
Cenário se tornando imensamente brando,
Olhando para frente, às vezes mal disfarço

O quanto que queria um novo amanhecer
Deixando para trás o medo e angústia farta,
E a sorte quando a dor, enfrenta e já descarta
Nos possibilitando enfim algum prazer.

Pudesse ter nas mãos a sorte desenhada
Navegaria então em águas bem mais mansas,
Mas quando ao longe o olhar deveras inda lanças
O peso do passado, a cada vergastada

Renasce qual temor aonde houvera paz,
E o tempo em tempestade ainda em vão se faz.


10


“Que saudades de amor na aurora do teu rosto”
E quanta fantasia ainda hei de viver
Podendo adivinhar quem sabe algum prazer
Mesmo quando calado, eu sigo estando exposto

Aos vários temporais e neles aprendendo
O quanto a vida trama em Luz e escuridão,
A sorte se traduz nos dias que virão
E neles vez em quando a perda ou dividendo

Expressam realidade ou mesmo alegoria
E quando se percebe assim sendo inconstante
O quanto se pensara há pouco num instante
Deveras num segundo a mais já se recria.

E o gosto do passado às vezes forte ou brando
Futuro com certeza invade transformando...


11


“No teu olhar todo o meu sonho andava esparso”
Vagando como fosse um andarilho atroz
Ouvindo do passado ainda a viva voz
Que tanto magoara e nem sempre disfarço

Pudesse ter ainda a sorte benfazeja
Mergulho dentro em mim e vejo este alvoroço,
Aonde quis a sorte apenas fundo fosso
E nela a morte em vida é tudo o que preveja

Uma alma em trevas feita, imersa neste escuro,
Mas quando te observando eu pude reviver
O sonho mais feliz que um dia soube ter
Nas ânsias desta luz, o todo que procuro.

Estrela redentora? O tempo me dirá,
Mas saiba que te quero e quanto desde já!

12


“Brilhasse o luar que importa? ou fosse o sol já posto,”
O mundo então teria um ar mais respirável,
Portanto o quanto quero além do imaginável
Rescende ao teu perfume e nele o doce gosto

Do amor que se fez raro em pleno vendaval,
Mudando a direção que tanto imaginara
Terrível desventura, a vida mais amara,
E agora se percebe um novo e bom degrau

Alçando o que desejo e busco desde então
Percorro cada estrada e nela absorvendo
Momento feito em dor, ou mesmo se estupendo
Inverno contradiz o que se fez verão.

Partícipe do sonho, a sorte num mergulho
Lapida um diamante ou traz um pedregulho.


13


“Setembro, outubro, maio, abril, janeiro ou março,”
Jamais me importaria o tempo necessário
Somente prosseguindo embora temerário,
O quanto que inda posso, estúpido me esgarço.

E o fogaréu de outrora agora bem mais manso
Da imensa cachoeira, um remanso se vê
Procuro minha sombra, inútil, pois cadê?
Apenas o vazio ainda teimo e alcanço.

Resíduos do que fui escória desumana
Batendo no meu rosto, abrindo eterna chaga
E quando nem a brisa ainda vem e afaga
Somente o nada ser, domina e tudo explana.

O quadro se desenha em negros tons, mas sei
Que quando amanhecer renovada esta grei.


14


“Encontrei-te. Era o mês... Que importa o mês? Agosto,”
Setembro? Já não sei e tampouco imagino
Se assim se fez tão turvo o que fora destino
O coração ao vento, estende-se disposto

E enfrenta qualquer medo e porventura trama
Além do que pensara outrora em dor e mágoa
Se tudo se transforma e agora já deságua
Num oceano imenso, esgota o antigo drama,

Vestindo esta esperança alheia ao que vier
Tramando novo tempo alçando paraísos
Os dias se somando, ao menos prejuízos
Não tanto quanto espero e ainda se os tiver

Não vejo mais problema, espero amanhecer
Se há sol ou se não há, prossigo sem saber...

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