segunda-feira, 29 de março de 2010

HOMENAGEM A CATULLO DA PAIXÃO CEARENSE 2

Eu vinha do sertão e era o meu guia
um caboclo de gestos altaneiros,
que, segundo ele próprio me dizia,
era a flor dos mais célebres gaiteiros.

Ao passo dos cavalos madraceiros,
a história passional me referia
do seu mestre de canto e de harmonia,
que foi sempre o primeiro entre os primeiros.

O gaiteiro, o seu mestre bem amado,
tinha sido atrozmente desprezado
pela mulher mais linda do sertão.

Fazia muito tempo que morrera,
e a gaita divinal emudecera,
como emudece a voz de um coração
CATULLO DA PAIXÃO CEARENSE


1

“Como emudece a voz de um coração”
Que tanto se fizera sertanejo
Tocado pela lua em raro ensejo
Traçando novos sonhos que virão
Tomando desde sempre esta beleza
Aonde se percebe a claridade,
O encanto que deveras já me invade
Mostrando este luar em tal grandeza
A natureza agora embevecida
Enamorada deita em rara prata
E quando e poesia invade a mata
Trazendo em raros tons a própria vida,
Minha alma se encantando mostra o canto
Do passarinho envolto em nobre manto.

2


“e a gaita divinal emudecera,”
Ouvindo o suave canto do canário,
O coração que fora temerário
Agora ao sonho raro obedecera,
Sentindo este bafejo da esperança
Na argêntea maravilha em que se deu,
Penetra em claridade imenso breu,
E ao mais sublime encanto já se lança,
Enquanto a noite avança no sertão
E o plenilúnio invade toda a mata,
Beleza incomparável me arrebata
Nos sons desta sanfona e o violão
Plangente em belas notas seresteiras
Invade desde o vale às cordilheiras.


3


“Fazia muito tempo que morrera,”
Uma esperança em mim, um trovador,
E agora quando vejo o pleno amor,
Quem tanto no passado já sofrera
Encontra lenitivo em raios tantos
Da lua imensa e bela que se aflora
E todo o meu sertão logo decora
Tomando cada verso com encantos,
E neles se propaga a maravilha
Aonde se perfila uma esperança
E a voz do seresteiro cedo alcança
Enquanto ao longe a dama nua brilha
Entorna sua prata sobre tudo,
E sôfrego cantor; então me iludo.

4


“pela mulher mais linda do sertão”
Trazendo nos seus olhos clara lua,
Minha alma se embevece e já flutua
Domando desde já meu coração,
Aonde se hospedara a divindade
Sobeja fantasia que me inunda,
A sorte com certeza se aprofunda
E bebe então a plena liberdade,
Sabendo-te rainha dos meus sonhos,
Mergulho nos teus olhos desde quando
A vida noutra vida transbordando
Momentos fabulosos e risonhos,
Seguindo cada rastro aonde brilhas,
Do Paraíso encontro enfim as trilhas...


5


“tinha sido atrozmente desprezado”
Por tanto amor que sempre trouxe em mim,
E a lua se deitando em meu jardim,
Tornando o meu caminho abençoado,
Deixando no passado toda a dor,
Um velho coração se encanta então
Bebendo cada raio da paixão,
Agora se transforma e sonhador,
Invade cada canto desta terra
Traçando em claridade seu futuro,
Aonde imaginara tão escuro
Beleza sem igual ora se encerra,
E tudo o que desejo a cada instante,
O brilho desta lua, fascinante.


6


“O gaiteiro, o seu mestre bem amado,”
Chorando na sanfona em notas tais
Permite os mais sobejos, magistrais
Acordes traduzindo o apaixonado
Momento em que em entrego sem defesas,
E vejo claridade sem igual,
Tocado pela luz tão sensual,
Envolto em cada verso por belezas
Que sei somente encontro no luar
Em plenilúnio, rara claridade,
E quando esta ternura agora invade
A cada novo acorde a me mostrar,
No quanto esta viola já ponteio,
Deixando para trás todo o receio.


7

“que foi sempre o primeiro entre os primeiros”
De todos os gaiteiros do sertão,
E acompanhando então meu violão,
Delírios sem igual, e costumeiros,
Enquanto a lua traz farto luar,
Tornando a terra inteira prateada,
A noite se desenha enamorada,
É como a divindade a se mostrar,
Inteira, bela e nua, claramente,
Domina este cenário sertanejo,
E a cada novo canto mais eu vejo
O quando enluarado já se sente
O coração tocado pelo brilho
No qual a cada instante maravilho.

8


“do seu mestre de canto e de harmonia,”
Meu sonho aprende a ter em cada verso
Sentido de beleza mais diverso,
E envolto pelas mãos da fantasia
Entorna raro brilho quando ouvindo
O som de uma sanfona sertaneja
Além do que deveras mais deseja
Sentindo acorde raro, doce e lindo,
Encontra no luar que se desnuda,
A fonte dos anseios mais audazes,
E quando em sons divinos tu me trazes
Sobeja claridade que me ajuda,
Percebo a divindade feita em tons
Agradecendo a Deus pelos teus dons.


9


“a história passional me referia”
À farta fantasia que me deste,
Num solo sertanejo tão agreste
Divina maravilha se recria
E traz na poesia tanto encanto
Que posso mesmo até adivinhar
Aos raios tão fantásticos, luar,
E dele transformado em glória e canto,
Percebo soberano cada acorde,
E sinto ser possível ter nas mãos,
Depois de ter ouvido tantos nãos
Quem com tanta beleza já concorde
E assim ao caminharmos para o eterno,
A flórea senda nega um triste inverno.

10



“Ao passo dos cavalos madraceiros,”
Sentindo a mansidão da vida enquanto
Tocado pela lua em seu encanto
Encontro os dias claros, mensageiros
Do amor que tanto quero e já procuro
Depois das tempestades usuais,
E tendo sob os olhos sensuais
Anseios sobre os quais teimo e perduro,
Percebo ser feliz, é o que basta,
Jamais abandonando o meu caminho,
Nas sendas mais bonitas eu me aninho,
Enquanto a solidão de mim se afasta
E sob a lua imensa, sertaneja
Minha alma conseguindo o que ora almeja.


11


“era a flor dos mais célebres gaiteiros”
Trazendo na sanfona este lamento,
Tocando bem mais fundo o sentimento,
Momentos doloridos, verdadeiros,
E assim ao me mostrar tanta beleza,
Senti tanta ternura desde então,
E quando agora sigo no sertão,
Encontro na verdade com certeza
A sorte de saber tanta ventura,
E nego o próprio medo e sem receio,
Encontro tudo aquilo que ora anseio,
Por mais que a noite seja tão escura,
Minha alma neste instante já flutua
E bebe a mais sublime e plena lua.


12


“que, segundo ele próprio me dizia,”
A sorte tem diversas armadilhas,
Mas quando do luar se vê as trilhas
Deveras se liberta a fantasia,
E o canto se mostrando bem mais belo,
Permite ao sonhador outro momento
Diverso do que tanto me atormento
Vislumbro ao fim da estrada este castelo
Aonde uma princesa sertaneja
Espera um cavaleiro enluarado,
E o sonho noutro sonho já traçado
Traduz o que a alma pura mais deseja,
E a sorte se mudando neste instante
Trazendo ao meu olhar tal diamante...


13




“um caboclo de gestos altaneiros,”
Não teme os temporais e enfrenta todos,
Por mais que no caminho encontre os lodos,
Encantos têm nos sonhos, mensageiros
E bebe desta luz feita em luar,
E não se cansa nunca da batalha,
Não suportando mais qualquer cangalha,
Enfrenta destemido o seu lutar
Até que veja enfim a liberdade
Já não respeita mais qualquer algema,
Sem nada que em verdade ainda tema,
Somente a claridade agora invade
E segue cada rastro desta lua,
Aonde a sua história continua.


14


“Eu vinha do sertão e era o meu guia”
O sonho pelo qual já batalhara,
A noite enluarada se fez clara
E dela se percebe a fantasia
Guiando o meu cavalo pela estrada
Deixando para trás qualquer temor,
Tocado pelos raios de um amor, a
A vide pelo encanto transformada,
Traçando ao teu castelo, meu caminho,
Princesa dos meus sonhos, sertaneja
Minha alma a cada dia mais deseja
Envolta pelas ânsias do carinho,
Até chegar a ti em teu reinado,
Um cavaleiro em glória, enluarado...

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