sexta-feira, 19 de março de 2010

MINHA ALMA É TRISTE Homenagem a Casimiro de Abreu

Minh'alma é triste


Minh'alma é triste como a rola aflita
Que o bosque acorda desde o alvor da aurora,
E em doce arrulo que o soluço imita
O morto esposo gemedora chora.


E, como a rôla que perdeu o esposo,
Minh'alma chora as ilusões perdidas,
E no seu livro de fanado gozo
Relê as folhas que já foram lidas.


E como notas de chorosa endeixa
Seu pobre canto com a dor desmaia,
E seus gemidos são iguais à queixa
Que a vaga solta quando beija a praia.


Como a criança que banhada em prantos
Procura o brinco que levou-lhe o rio,
Minha'alma quer ressuscitar nos cantos
Um só dos lírios que murchou o estio.


Dizem que há, gozos nas mundanas galas,
Mas eu não sei em que o prazer consiste.
— Ou só no campo, ou no rumor das salas,
Não sei porque — mas a minh'alma é triste!



II

Minh'alma é triste como a voz do sino
Carpindo o morto sobre a laje fria;
E doce e grave qual no templo um hino,
Ou como a prece ao desmaiar do dia.


Se passa um bote com as velas soltas,
Minh'ahna o segue n'amplidão dos mares;
E longas horas acompanha as voltas
Das andorinhas recortando os ares.


Às vezes, louca, num cismar perdida,
Minh'alma triste vai vagando à toa,
Bem como a folha que do sul batida
Bóia nas águas de gentil lagoa!


E como a rola que em sentida queixa
O bosque acorda desde o albor da aurora,
Minha'ahna em notas de chorosa endeixa
Lamenta os sonhos que já tive outrora.


Dizem que há gozos no correr dos anos!...
Só eu não sei em que o prazer consiste.
— Pobre ludíbrio de cruéis enganos,
Perdi os risos — a minh'alma é triste!



III

Minh'alma é triste como a flor que morre
Pendida à beira do riacho ingrato;
Nem beijos dá-lhe a viração que corre,
Nem doce canto o sabiá do mato!


E como a flor que solitária pende
Sem ter carícias no voar da brisa,
Minh'alma murcha, mas ninguém entende
Que a pobrezinha só de amor precisa!


Amei outrora com amor bem santo
Os negros olhos de gentil donzela,
Mas dessa fronte de sublime encanto
Outro tirou a virginal capela.


Oh! quantas vezes a prendi nos braços!
Que o diga e fale o laranjal florido!
Se mão de ferro espedaçou dois laços
Ambos choramos mas num só gemido!


Dizem que há gozos no viver d'amores,
Só eu não sei em que o prazer consiste!
— Eu vejo o mundo na estação das flores
Tudo sorri — mas a minh'alma é triste!



IV

Minh'alma é triste como o grito agudo
Das arapongas no sertão deserto;
E como o nauta sobre o mar sanhudo,
Longe da praia que julgou tão perto!


A mocidade no sonhar florida
Em mim foi beijo de lasciva virgem:
— Pulava o sangue e me fervia a vida,
Ardendo a fronte em bacanal vertigem.


De tanto fogo tinha a mente cheia!...
No afã da glória me atirei com ânsia...
E, perto ou longe, quis beijar a s'reia
Que em doce canto me atraiu na infância.


Ai! loucos sonhos de mancebo ardente!
Esp'ranças altas... Ei-las já tão rasas!...
— Pombo selvagem, quis voar contente...
Feriu-me a bala no bater das asas!


Dizem que há gozos no correr da vida...
Só eu não sei em que o prazer consiste!
— No amor, na glória, na mundana lida,
Foram-se as flores — a minh'alma é triste!

2

“Foram-se as flores — a minh'alma é triste,”
Tomando esta aridez o meu canteiro
O amor que imaginara verdadeiro,
Agora já percebo, não existe.

O tempo sonegando uma esperança
O medo se fazendo mais constante
Aonde imaginara um diamante,
Apenas ao vazio já me lança

A voz que tantas vezes escutara
Falando de um desejo mais bonito,
O velho coração se faz aflito,
E a sorte se tornando bem mais rara.

Quisera pelo menos poder ver
Depois da tempestade o amanhecer...

3

“No amor, na glória, na mundana lida,”
Encontro dissabores, tão somente
E quando alguma luz, já se pressente
Ao vê-la, com certeza está perdida.

Pudesse imaginar outro momento
Em paz, depois de tantos vendavais,
Mas quando me percebo sem jamais
Viver felicidade, eu me atormento.

Negando o meu caminho, sigo só,
Vagando pelas noites mais sombrias,
Tristeza que em teus olhos irradias,
Uma esperança é feita em fino pó.

Quimeras tão comuns, dores diárias
As horas são terríveis, temerárias...


4


“Só eu não sei em que o prazer consiste”
Deveras não consigo mais sentir
Alento que permita no porvir
Momento mais tranqüilo e menos triste.

Viver o amor imenso e ter certeza
Do quanto é necessário ser feliz,
Aonde se pensara já não quis
A sorte me levar tanta beleza.

O peso do passado ainda enverga
As costas deste parvo caminheiro,
O medo velho amigo e mensageiro
Somente este vazio em mim alberga.

Persisto contra tudo e contra todos,
Mas sei que no final, meros engodos...


5


“Dizem que há gozos no correr da vida”.
Leda mentira, estúpida tal farsa,
A realidade ataca e quando esgarça
Não deixa mais sequer qualquer saída.

Vencido pelos medos, tanta incúria,
Aprendo a ser assim, mais solitário,
Aonde desejara solidário,
O vento se transforma em tal penúria.

Um pária segue ao léu, entristecido,
No olhar sombrio nada do que outrora
Ainda se pensara e não decora
Morrendo tão somente em vago olvido.

Meus versos de tristeza traduzindo,
Terror que agora sei, cruel e infindo...


6


“Feriu-me a bala no bater das asas”,
O encanto que se fez tempestuoso
Aonde imaginara sorte e gozo,
Apenas ardentias, toscas brasas.

E o fogaréu tomando este cenário,
Jamais imaginei tão triste fim,
O amor que ainda trago dentro em mim
Tomado pelo medo, vil corsário...

E quando procurava um manso ninho,
Vagando pelo espaço, sem destino,
Vontade na verdade não domino,
Mas sei que permaneço, então sozinho.

Existe ao menos traços de um futuro
Se o céu se torna sempre tão escuro?


7


“Pombo selvagem, quis voar contente”,
Mas não sabia então das armadilhas
E enquanto mais tranqüila sei que trilhas,
O olhar de quem te adora, vai demente.

Escusas caminhadas pela vida,
As horas em que ausente ainda sonhas,
Deveras são terríveis e tristonhas
Minha alma pelas trevas envolvida.

O beijo que sonhara e nunca dado,
O riso prazeroso é de ironia,
E quando estrela falsa ainda guia,
Momento de prazer sempre negado.

Persisto como andejo caminheiro,
Ausente de meus olhos um luzeiro...


8


“Esp'ranças altas... Ei-las já tão rasas!...”
Já não consigo mais saber se ainda
Consiga perceber se a luz deslinda
Enquanto dos meus braços te defasas.

Assisto ao derrocar das esperanças
E a morte anunciada a cada dia,
Transforma num terror a poesia,
Diversas dimensões cruéis alcanças.

E a perda do que fora um trilho outrora
Atalhos que levassem para o Céu
Se não percebo mais luz e corcel,
A solidão deveras me devora.

E tendo este vazio no meu peito,
Tristeza dominando cada pleito...


9


“Ai! loucos sonhos de mancebo ardente”,
Traçando nos meus dias ilusões
E quando a realidade tu me expões
O fim desta emoção já se pressente.

Não quero e não consigo mais vencer
As duras tempestades, temporais,
Se ausente dos meus olhos vejo o cais,
Meu barco simplesmente a se perder.

O quanto poderia ter a sorte
De ter felicidade, pelo menos,
Mas quando os dias mansos e serenos
Não tendo da alegria algum aporte

Naufrago nos terrores da tristeza,
Tão forte se mostrara a correnteza...


10


“Que em doce canto me atraiu na infância”
Uma ilusão sobeja e mais tranqüila,
Porém a realidade já destila
O fel na mais completa discrepância.

Acaso poderei ter novo sonho?
Não sinto qualquer chance e assim me perco,
Das dores e tristezas eu me acerco
Futuro se desenha tão medonho.

Apenas a saudade me guiando
Trazendo um ar mais calmo e mais sereno,
E quando no presente me enveneno,
As alegrias fogem, louco bando.

E o pranto se derrama no meu rosto,
Assim aos vendavais bem mais exposto...


11

“E, perto ou longe, quis beijar a s'reia”
Que um dia imaginara em praia mansa,
Mas quando a tempestade já me alcança
É movediça então a clara areia.

Não pude discernir qualquer beleza
Somente a ingratidão me acompanhava,
Invés de mansidão terrível lava,
E assim se revoltando a Natureza.

Assiduamente quis outro momento
Aonde poderia ter tranqüilo,
Diverso deste mar em que desfilo
Somente uma procela em vil tormento.

Assim ao prosseguir em triste sina,
Nem mesmo uma esperança me fascina...






12

“No afã da glória me atirei com ânsia”
E nada pude ver senão meu fim,
E quando não floresce no jardim,
A dor vai dominando toda estância.

E quase percebera alguma chama
Aonde sei agora fátuo fogo,
Perdendo há tanto tempo o antigo jogo,
Nem mesmo uma alegria se reclama.

Perfaço o meu caminho em solidão,
Tristezas entre trevas e terrores,
Diverso do que outrora ao me propores
Dizias de um momento de verão,

Inverna-se esperança no meu peito,
Jamais prosseguiria satisfeito...


13


“De tanto fogo tinha a mente cheia”
Inertes emoções trazendo o medo,
E quando algum sorriso inda concedo,
A fúria do passado me incendeia.

Viver é ter nas mãos a sorte inglória
De perceber distante esta alegria,
O quanto a vida segue tão sombria,
Deveras lua ausente ou merencória.

Cansado de lutar, não mais consigo
Vencer as intempéries deste tempo,
E a cada passo louco contratempo
Avisa do venal, torpe perigo.

E passo o dia a dia em triste sanha,
Minha alma segue alheia, vaga e estranha...


14


“Ardendo a fronte em bacanal vertigem”
Durante tantos anos não soubera
Vencer a solidão terrível fera,
Dos sonhos nem restando uma fuligem,

Por mais que ainda creia no futuro,
Cansaço vai tomando o dia a dia,
E a sorte a cada passo mais se adia,
Diversa do carinho que procuro.

Não pude realizar sequer um sonho
E tendo um pesadelo tão constante,
Não pude perceber tal diamante,
O mundo sob os olhos é medonho.

E vejo após a noite, esta neblina
Que tanto me atormenta e me fascina...


15


“Pulava o sangue e me fervia a vida,”
Durante a juventude, a mocidade,
E agora que concebo a realidade
Já vejo esta esperança entristecida.

Vestígios do que fora uma alegria
Somente são escombros, nada mais,
Os dias que pensara magistrais,
Agora a vida expressa a noite fria.

Perfaço ainda em luzes um momento
E nele com certeza poderei
Pensar que ainda exista noutra grei
Um ar que não se mostre violento.

Mas sei ser ilusão, e então prossigo
Distante do que fora algum abrigo...


16


“Em mim foi beijo de lasciva virgem”
O que marcou deveras minha vida,
Mas quando se fizera mais perdida,
Insólito temor em vã vertigem,

Acasos entre ocasos, casos, nada...
Sem ter um aprazível prado, eu sigo
E vendo a cada curva outro perigo,
Não posso mais cantar. E a voz calada

Expressa a realidade que persiste
Numa alma que se enfada, e não consegue
Seguir sem ter o brilho que sonegue,
Deixando o dia a dia bem mais triste.

Correndo contra o tempo sempre em vão,
Aonde poderia outro verão?


17


“A mocidade no sonhar florida”
Agreste realidade me acompanha,
Da imensa cordilheira, da montanha,
O vale mais profundo em voz sofrida.

São sintomáticos meus erros, sei
E não conseguiria melhor sorte,
Sem ter ancoradouro aonde aporte
Esqueço uma alegria em torpe lei.

Acode-me somente uma lembrança
Da juventude morta há tantos anos,
E quando nos meus olhos, desenganos,
O frio tão somente inda me alcança;

Restando uma ilusão, e dela vejo
As sombras do que fora algum desejo...


18


“Longe da praia que julgou tão perto”
O velho marinheiro se perdeu,
E o mundo desabando escureceu
Gerando tão somente este deserto.

Quisera a claridade que não tenho,
Seguir por mansas sendas, ter a sorte
Mudando com vigor o antigo norte,
Não posso crer sequer no que me empenho.

Esgotando esta força que inda havia,
São lassos os meus dias, dor e tédio,
Não tendo para tal qualquer remédio
Minha alma prosseguindo doentia.

Servil e sem saber como fugir,
Ausente nos meus olhos, o porvir...

19


“E como o nauta sobre o mar sanhudo”
Enfrento sem temor vivas procelas,
E quando nos teus olhos me revelas
O encanto sem igual, tolo, me iludo.

A par da solidão, fiel amiga,
Tristonho coração já não persegue
O sonho que deveras não consegue
Realidade apenas desabriga.

E o pranto se esvaindo em meu olhar,
Terríveis as verdades, isto eu sinto,
O amor que tanto quis agora extinto,
Não deixa sobrar nada. E me entregar

Aos mais diversos cantos; nada vale,
Melhor então querida, que eu me cale...

20



“Das arapongas no sertão deserto”
O canto que se espalha sem limites,
Ainda que deveras delimites
Meu mundo se percebe sempre incerto.

Pereço a cada dia um pouco mais
Na ausência de carinhos, vou medonho
E quando novamente ainda sonho,
Os ermos se mostrando sempre iguais.

Alento que procuro e não encontro,
Somente pela vida o desencontro
Toando repetida ladainha.

E quanto se entristece o coração
Nevascas mais terríveis mostrarão
Felicidade, enfim, nunca foi minha!




21

“Minh'alma é triste como o grito agudo”
De agônico e sofrido condenado
Marcando cada dia do passado,
Deveras com futuro não me iludo.

Morrendo pouco a pouco, nada vejo
Somente este vazio que me toma,
Aonde imaginara simples soma,
A sombra desairosa de um desejo

Frustrando a caminhada pela vida
De quem se preparou para lutar,
E quando não se via mais luar,
A sorte se mostrara ensandecida.

Assim eu não consigo mais saber
Aonde se escondera o meu prazer...




22


“Tudo sorri — mas a minh'alma é triste,”
Assim como o dobrar de um velho sino,
A cada desamor mais desatino
Felicidade eu sei que não existe.

O coração cansado de vagar
Por entre estrelas várias e não ter
Sequer a menor sombra de um prazer
Há tanto se esqueceu de algum luar.

Vivendo simplesmente e nada mais,
Aonde se quisera mais contente,
Como se fora eterno penitente
Vagando por caminhos mais venais.

Minha alma procurando um lenitivo,
Somente esta tristeza imensa, vivo.


23

“Eu vejo o mundo na estação das flores”
Primaveris momentos que não sinto,
O amor que tanto quis; agora extinto,
Os medos dos meus dias são senhores.

Pudesse pelo menos ter no aroma
Da rosa solitária algum relance,
Mas quanto a vida em dor avance,
Somente este vazio enfim, me toma.

Cansado de lutar, triste e sozinho,
Ausência do que fora uma alegria,
Seguindo sem destino em noite fria,
Um pássaro perdeu há tanto o ninho.

Ausente dos meus olhos, primavera,
Eterno inverno é tudo o que se espera...


24


“Só eu não sei em que o prazer consiste”
Depois da derrocada deste sonho,
Aos poucos, solitário, decomponho
Nem mesmo uma alegria vã resiste.

Servir às fantasias, ter ao menos
Momentos mais felizes de esperança,
Porém a vida passa e o tempo avança
Envolta pelas dores e venenos.

Assisto ao meu naufrágio, perco o cais,
E tudo o que me resta é ter certeza
Do quanto se perdera sem destreza
Ternura em dias frios, invernais.

Agora que a tristeza me domina,
Já seca e sem futuro, a antiga mina...


25


“Dizem que há gozos no viver d'amores,”
Repetem tantas coisas que não sei,
Na ausência de esperança a minha grei
Já não conhece mais perfume e flores.

Vestindo esta mortalha, ensandecido,
Não tendo outro caminho senão crer
Na ausência do suave amanhecer,
O tempo há tanto sinto enegrecido.

Vagar por entre estrelas, pensamento,
Sentir algum carinho, mesmo falso,
A cada ausência sinto o cadafalso,
E assim sem ter ninguém, eu me atormento.

Percebo que afinal não merecia
Sequer algum momento de alegria...


26


“Ambos choramos mas num só gemido”
O amor e a dor completam nosso ciclo,
E quando em novos sonhos me reciclo,
O tempo que passamos; já perdido.

Pergunto a cada amigo aonde possa
Viver a fantasia que sustenta
Uma alma muitas vezes tão sedenta,
Ouvindo por resposta quase troça.

O quadro se repete tristemente,
E o vento que alentara já não veio,
Somente nos meus olhos o receio,
E a fúria destroçando o que há na mente.

Um andarilho em busca de um carinho,
Percorro o tempo inteiro tão sozinho...


27


“Se mão de ferro espedaçou dois laços”
Jamais imaginara resistir
E tendo tão somente no porvir
A inexistência amarga destes passos

Sem deixar rastros segues noite afora,
E quando uma saudade ora me invade
Tocado por terrível tempestade,
O medo do não ter revolve e aflora

Aprendo com meus vários descaminhos
E creio ter no olhar um leve brilho,
E quando novas sendas tento e trilho,
Meus olhos são dois ledos passarinhos

Perdidos num espaço, sem um norte
Sem nada que acarinhe ou que conforte.


28


“Que o diga e fale o laranjal florido’
Desta aridez terrível que enfrentamos,
E quando nos meus dias desvendamos
Estradas já não fazem mais sentido.

Levando nos sapatos a poeira
Marcantes ilusões, dias tão fúteis,
Os passos com certeza são inúteis
A sorte em minhas mãos, eu sei se esgueira.

Pudesse ter alento, mas sou triste,
E nada mais percebo senão isto,
Se muitas vezes teimo e até insisto,
No fundo o coração, sabe e desiste.

Pudesse ter amor que tanto quis,
Quem sabe poderia ser feliz...

29


“Oh! quantas vezes a prendi nos braços!”
Ilusões que vivera num passado
Aonde imaginara iluminado
Caminhos que hoje sei, opacos, baços.

A vida tem seus vários sortilégios
E tento desvendar cada segredo,
E quando alguma luz inda concedo
Pensando em ter ao fim, os privilégios

A sorte se transforma totalmente
E o que se fez doçura me entristece
O amor quando se vai e se esvaece
Somente o sofrimento se pressente.

E assim ao caminhar tão solitário
O rio não encontra um estuário...


30




“Outro tirou a virginal capela”
Deixando a minha vida sem razões
E quando o nada ser ainda expões
Vazio tão somente se revela.

Perceba a luz ausente nos meus olhos,
E veja quão dorido este caminho,
Por mais que se procuro novo ninho,
Aonde se quis flores vejo abrolhos.

Nas urzes corriqueiras, espinheiros,
Terríveis pedregulhos pontiagudos
Os sonhos seguem quietos, quase mudos,
Momentos que percebo derradeiros.

Audaciosamente; ainda tento
Alívio para dor e sofrimento...


31

“Mas dessa fronte de sublime encanto”
Que tantas vezes trouxe saciedade
E agora com o tempo se degrade
Gerando um derramar de intenso pranto.

Os dias são terríveis pra quem sonha
Em meio aos temporais, os pesadelos,
Momentos que pudesse não revê-los
Facetas de uma vida atroz, medonha.

Escuto a voz do nada me clamando,
E o medo de viver já me domina,
Somente algum terror em cada esquina,
Amores e ilusões, espúrio bando.

Naufrágio me impedindo ancoradouro,
De falsas pedrarias, meu tesouro...


32


“Os negros olhos de gentil donzela,”
Opacos pelas dores e temores
Negando o que pensara bons amores,
Meu barco sem timão, sem leme e vela.

Esqueço os dias bons do meu passado
E vago sem destino em mar bravio,
E quando a tempestade desafio,
Decerto o sonho vejo naufragado.

Cortando estas amarras, vou ao léu,
E triste sem paragem, a alma inerte,
O amor na solidão já se converte
Deixando mais distante qualquer céu.

Estrelas não me guiam na neblina,
À morte da emoção barco destina...

33


“Amei outrora com amor bem santo”
Quem hoje se mostrando mais ausente,
Agora se no amor sigo descrente
Inútil fantasia ainda canto.

Apenas resumindo na tristeza
O que pensara ser maravilhoso,
Um andarilho roto, um andrajoso
Enfrenta com temor a correnteza.

O caos se aproximando e nada além,
A porta do futuro já fechada
Aonde possa ver uma alvorada
Se apenas nuvens negras sempre vêm;

Cenário deslumbrante que pensara,
Agora em turbulência se declara...

34


“Que a pobrezinha só de amor precisa”
Esta alma tão sofrida e agora quieta,
Na vida um sofredor se fez poeta,
Tristeza se mostrando mais concisa.

Ausente dos meus olhos a alegria,
Não deixa que eu consiga caminhar,
E quando se procura algum luar,
Somente esta neblina em noite fria.

Mesquinhos os anseios de um amante,
Deveras são trapaças, ilusões,
Nos restos do que fomos, ora expões
Um fardo tão pesado, a cada instante.

Nefasto dia sinto me tocando,
Aonde outrora quis suave e brando...

35


“Minh'alma murcha, mas ninguém entende”
Somente o quanto pude imaginar
Deveras sem ter nada a me tocar,
Segredo dos amores; quem desvende?

O peso do passado ainda lanha
As costas de quem tanto se fez crente
E quando este vazio se pressente,
Além do meu olhar, vaga montanha

Esconde-se entre as nuvens, grises céus,
E neles os anseios mais terríveis,
Os sons das esperanças inaudíveis,
A cordilheira encontro sob os véus

Entristecido sigo sem destino,
Os medos e terrores, mal domino...



36


“Sem ter carícias no voar da brisa,”
A tarde se transforma em noite escura
O amor que tantas vezes se procura,
Somente com a dor ora divisa.

Arcando com enganos, sigo assim
Semeio uma esperança em solo agreste,
E quantas ilusões, outrora deste
Pudesse crer em flores no jardim.

Mas nada se transforma em realidade,
Tristeza dominando a minha vida,
Há tanto se prepara a despedida
Terror do nada ter ainda invade.

E o gozo prometido já se esvai,
O temporal intenso, agora cai...


37

“E como a flor que solitária pende”
Durante as tempestades infernais,
O amor que eu desejara; nunca mais
O fogo da esperança reacende.

Arranco dos meus olhos este brilho
E perco a direção de cada passo,
Se ainda algum destino tento e traço
Diverso caminhar deveras trilho.

Eu pude acreditar num novo tempo,
E quando na ilusão ainda acampo,
Ao ver tal aridez tomando o campo
Aonde quis a paz, só contratempo.

Escassas emoções em noite amarga,
A voz ao ver o nada, já se embarga...

38


“Nem doce canto o sabiá do mato”
Poderia trazer algum alento
A sorte se transforma em sofrimento
E o medo do sonhar, ora retrato.

Caminho sem sequer saber se existe
Momento que permita ter a paz,
E quanto mais feroz, bem mais mordaz.
Mantendo uma alma amarga, fria e triste.

Percorro os descaminhos costumeiros
E sinto quanto a dor já me domina,
Secando da esperança toda a mina,
Não posso mais ter flores nos canteiros,

E o canto que se ouvia, sabiá,
No peito de quem ama, calará...

39


“Nem beijos dá-lhe a viração que corre,”
Nem ânsia satisfeita de um querer,
Aonde se encontrando o desprazer
Nem mesmo a fantasia me socorre.

Espaços entre luzes e vertentes,
A seca dominando o meu jardim,
Vivesse esta emoção, porém o fim
Transborda em dias tristes, penitentes.


Ascendo aos mais sublimes caminhares,
Querências pululando, nada vêm
Somente a solidão clamando alguém,
Distante dos meus dias, meus pomares.

Arcando com enganos mais venais,
O tempo me responde: nunca mais...


40

“Pendida à beira do riacho ingrato;”
A flor que imaginara a mais bonita,
Porém na sorte amarga e tão maldita
Apenas no vazio eu me retrato.

Servindo de alimária, sou bufão
E teimo contra a força deste mar,
Sabendo que ninguém me proverá
Do encanto necessário, da paixão.

Acolho o meu destino entristecido,
E sigo mesmo sendo tão cruel,
Ausente dos meus olhos, lua e céu,
O peso nunca sendo dividido.

Destroço do que fora esperançoso,
Caminha pelas ruas, andrajoso...


41


“Minh'alma é triste como a flor que morre”
E não deixa sequer semente ou grão,
Extingue desde cedo a plantação,
E apenas o vazio já decorre

Do que pensei outrora fosse além,
Somente em minha pele tatuada
A imagem de uma vida destroçada,
Que nada, sempre o nada inda contém.

Ocaso se mostrando num espelho,
As rugas dominando a minha face,
Ainda que esperança em vão se trace
O coração audaz nega o conselho,

E segue entre os espinhos, lacerado,
Olhando tão somente pro passado...



42


“Perdi os risos — a minh'alma é triste”,
Vestígios de um passado mais feliz,
A sorte desairosa já desdiz
E nada do que amara ainda existe

Somente a ingratidão domina a cena
Perpetuando o medo do futuro
E a cada novo dia me amarguro
Nem mesmo a poesia me serena.

Dos sonhos um antigo serviçal
Agora escravizado pelo medo,
Se uma esperança atroz inda concedo,
A dor se renovando em ritual.

Aporto em cais terrível torpe ilhéu
Aonde imaginara ter um céu...

43


“Pobre ludíbrio de cruéis enganos,”
Seguindo sem ter paz, navego a ausência
E aonde poderia ter clemência
Os medo seguem sendo soberanos.

Ausente do carinho de quem tanto
Pudera imaginar a companheira,
A vida se perdendo vã, rasteira,
Ainda sem destino, cessa o canto.

E o jeito é navegar mesmo em procelas,
Sabendo do naufrágio inevitável,
O sonho se tornando inabitável,
Apenas me trazendo frias celas,

Masmorras onde a morte já se espera,
Cessando o que restou da primavera...


44


“Só eu não sei em que o prazer consiste”
Vestígios de ilusões trago comigo,
E quando alguma luz inda persigo,
O caminhar longínquo não insiste.

Percebo quão inútil ter o brilho
De um frágil pirilampo, uma esperança
Somente no vazio ela me lança,
Repito com tristeza este estribilho.

Acossam-me corsárias emoções
E nelas os espinhos aflorados,
Os dias que pensara abençoados,
Diversos do que agora tu me expões,

Senzalas são herança do vazio,
Que a cada desencanto mais desfio...

45


“Dizem que há gozos no correr dos anos”,
Mera ilusão, a vida se repete,
E quando ao nada eterno me arremete
Percebo os dissabores soberanos.

Acreditar no amor que nunca veio,
Vencido pelas ânsias de um momento
Aonde bem distante do tormento,
Pudesse ter além deste receio.

E quando me percebo solitário,
Descrevo no silêncio a minha história,
Aonde poderia crer vitória,
O gozo sendo sempre temporário,

Não pude discernir felicidade,
Se apenas nos meus olhos, medo e grade...


46


“Lamenta os sonhos que já tive outrora”
O velho marinheiro em mar bravio,
Ainda que o vazio desafio
Somente a solidão, que me devora.

Percebo após a vida, o nada ter,
Etéreas ilusões são falsos guizos,
Os dias com terrores imprecisos,
A morte sorrateira a me embeber,

Cadenciando os passos sigo aquém
Do quanto poderia e bem desejo.
Se nada após o nada ainda vejo,
O medo de viver ora contém

O passo mais audaz, e sem futuro,
O próprio amanhecer se fez escuro...


47


“Minha'ahna em notas de chorosa endeixa”
Explode-se em terrível solidão,
Ausente dos meus olhos o verão,
Apenas invernal e dura queixa.

A fúria do não ser tanto atormenta
Quem pode acreditar num novo dia,
Mas sem ter alegria e poesia
Descrente do futuro vai sedenta.

Pudesse ter nas mãos quem tanto eu quis,
Sonhando com seus lábios... não consigo
Viver além do duro e vão castigo,
Seguindo pela vida, um infeliz.

Ouvindo a voz tristonha da verdade,
Por mais que a fantasia ainda brade...


48


“O bosque acorda desde o albor da aurora,”
Recebe em cada raio deste sol,
Beleza que se espalha no arrebol,
Dourando maravilhas que o decora.

Mas quando se percebe mais nublado
O amanhecer se torna amargo e frio,
E quando a realidade eu já desfio,
Percebo o sonho há tanto destroçado.

Escravizando uma alma em tristes dores,
Ausente dos meus olhos luz intensa,
Não tendo uma alegria que convença
Não posso perceber claros albores.

E vivo tão somente por viver,
Aonde se escondeu o meu prazer?


49


“E como a rola que em sentida queixa”
Aguarda tão somente um estilingue
A sorte a cada dia mais se extingue
E o vago em seu lugar, chorosa, deixa.

Eu pude perceber algum momento
Aonde acreditei ter na esperança
O brilho que deveras já se lança
E nele vez em quando me apascento.

Mas quando se percebe a realidade,
Audaciosos passos? Não mais vejo,
E tendo o sofrimento e sem desejo,
Somente este vazio que degrade

A par do que não pude nem sabia,
Presente nos meus olhos, a agonia...


50


“Bóia nas águas de gentil lagoa”
Um barco que procura um cais sereno,
Mas quando em tempestade me enveneno
As águas invadindo logo a proa.

O caos tomando conta dos meus dias,
Espúrias ilusões já fenecendo,
O quanto imaginara em estupendo
Momento são deveras noites frias.

Esgoto a minha força, nada sei,
Partícipe do infausto que domina
A cena e sem perdão me desatina
Traçando na desgraça a sua lei.

Descrevo com terror o meu futuro,
Tristeza torna o mundo mais escuro...


51


“Bem como a folha que do sul batida”
Estraçalhada e mesmo amarelada,
Deixando no lugar o mesmo nada
Que tanto representa a minha vida.

Apática ilusão morrendo em vão
Acasos dominaram cada passo,
E quando novo dia ainda traço,
Somente os meus terrores mostrarão

Que tudo se perdera num tormento,
E nele com certeza a vaga luz,
Pesando em minhas costas feito cruz,
Tomando em dor imensa o sentimento.

Ocaso se mostrando insanamente,
Quem tenta e se aproxima, também mente...


52

“Minh'alma triste vai vagando à toa,”
Sem bússola condena-se ao naufrágio
O amor que tanto eu quis, duro deságio
Ainda mais distante não ressoa

E leva para além o que pudesse
Ser mais do que talvez uma alegria,
A sorte com certeza não me guia
Não tendo nos meus olhos mais a messe.

Vencido e sem futuro, não consigo
Sequer saber se existe alguma paz,
Nem mesmo algum alento inda se traz
Depois de cada curva, desabrigo.

Apago dos meus dias qualquer sonho,
O tempo de viver, frio e medonho...


53



“Às vezes, louca, num cismar perdida,”
Minha alma vaga insana sobre as trevas
E quando ainda creio noutras cevas
Não vejo mais sequer uma saída.

Estranho os meus caminhos, nada faço
Senão perpetuar a desventura
Aonde se quisera uma ternura
O medo toma enfim qualquer espaço.

O beijo tão sonhado não mais veio,
O risco de viver se aumenta e tento
Além do que se mostra em desalento,
Viver é como ter no olhar o anseio

E sendo tão vazio o dia a dia,
Felicidade, apenas utopia...


54


“Das andorinhas recortando os ares”
Buscando um novo norte, amargo bando
Assim também insisto procurando
A paz em novos tempos e lugares.

Percorro insanamente tantos céus
Somente o desencontro me domina,
Ao que se nada tenho, se destina
Vagando as esperanças, ledos léus.

Resisto vez em quando e ainda penso
Num dia mais tranqüilo que não vem,
Percorro a velha senda sem ninguém,
O medo se tornando mais intenso,

Escuras noites, perco então estrelas,
Falar das belas luzes sem revê-las?


55


“E longas horas acompanha as voltas”
Dos tantos e insensatos descaminhos,
Percebo mais distantes os meus ninhos,
Apenas nos meus olhos as revoltas...

Esqueço que talvez pudesse ter
Nas mãos a sorte imensa em plena paz,
O mundo se mostrando tão mordaz,
Espalha tão somente o desprazer.

Resisto, mas bem sei que não podia
Viver além da dor nos temporais,
E os dias que pensara magistrais
Traduzem tão somente a fantasia.

Escapam-se das mãos, as esperanças
Resistem raras luzes nas lembranças...



56


“Minh'ahna o segue n'amplidão dos mares”
Ainda que pudesse ter nas mãos
Momentos mais sublimes; sei que vãos
E neles não concebo meus altares.

Fenecem tantas flores num canteiro
Aonde se pudesse recolher
Beleza sem igual, mas como ter
O amor que sempre quis, o verdadeiro

Se tudo não passando de um vazio
Enorme sem limites, tristes versos,
Percorro os mais diversos universos,
E os sonhos mais fecundos, desafio.

Escravizada uma alma envilecida,
Já não conhece paz, segue perdida....


57


“Se passa um bote com as velas soltas,”
Eu imagino ali o meu destino,
E quando noutros mares me alucino,
As ondas se mostrando mais revoltas.

Pudesse ter ao menos um segundo
De paz aonde amor não poderia
Viver somente falsa alegoria
Nas entranhas do abismo me aprofundo.

E sigo contra a força das marés
Vencendo as movediças ilusões
O meu caminho em mágoas decompões
Atando com mais força tais galés

A morte açoda então meu pensamento
E quanto mais sozinho, desalento...


58


“Ou como a prece ao desmaiar do dia”
Jamais não poderia acreditar
No quanto ainda tenho que esperar
Para poder viver uma alegria.

Entristecido sigo contra tudo
E morro a cada instante um pouco mais,
Os erros cometidos são banais,
Mas mesmo assim deveras não me iludo,

Assisto ao meu final, e não consigo
Vencer os dissabores costumeiros,
Aonde poderia se os canteiros
Traduzem tão somente um vão castigo.

Carrego em minhas costas este peso,
Tentando prosseguir, do amor ileso...


59


“E doce e grave qual no templo um hino”
Ainda que se possam ter certezas,
Os olhos embotados de tristezas,
Não tendo mais a força, não domino

Os ermos da diversa insensatez,
Mesquinharias traço com terror,
E sei que não mais tendo ao meu dispor
A luz aonde nada mesmo vês

No quadro alucinante do passado,
Esboço alguma paz que não virá,
E sei que tudo é vão e desde já
O tempo se mostrando mais nublado.

Alvissareiro sonho? Pesadelo...
Não posso mais sequer inda contê-lo...


60


“Carpindo o morto sobre a laje fria;”
Descrevo em solidão meu pensamento,
E quando se pensara em doce alento,
A história em vil tormento se recria.

Angustiadamente não consigo
Vencer os meus temores, morro então
Os dias tão medonhos mostrarão
Somente a dor incrível do castigo.

Algozes madrugadas solitárias
E nelas a tristeza predomina,
Assim se percebendo a minha sina,
Ausentes dos meus olhos, luminárias.

Escravizado teimo em ter liberto
O mundo que iludido, não deserto.


61


“Minh'alma é triste como a voz do sino”
Dobrando pelos mortos numa Igreja
E quanto mais a luz ela deseja,
Maior eu já percebo o desatino.

Ferido pela ausência de um carinho,
Escoriada sorte me abandona,
O medo se aproxima e vem à tona
Deixando o meu viver bem mais sozinho.

As pedras, os espinhos, os terrores,
As ânsias sonegadas, medos tantos,
E quando se percebem desencantos,
Aonde poderia ter as flores

Se apenas me preparo para a morte,
Sem ter alguma paz que me conforte...







62

“Não sei porque — mas a minh'alma é triste”
E sinto que jamais conseguiria
Verter algum momento de alegria
Deveras coração ainda insiste,

E luta contra as dores corriqueiras,
Vencido pelo medo do querer
E tendo no final o desprazer
Rasgando as esperanças, vãs bandeiras.

Não pude perceber sequer a glória
De um dia aonde se pudesse ainda
Viver a fantasia rara e linda,
Se a noite vai passando merencória...

Perdido, sem destino sigo ao léu,
Estrelas; não mais vejo em turvo céu...


63


“Ou só no campo, ou no rumor das salas,”
Apenas o vazio dominando
Cenário que pensara bem mais brando
As esperanças morrem, vis vassalas.

Escarpas e montanhas, cordilheiras
Tantas adversidades encontrei,
E quando procurara mansa grei
Somente escadarias e ladeiras.

Esgarçam-se deveras os meus sonhos
E traçam o vazio do depois,
Aonde poderíamos nós dois
Resumem nossos dias, mais tristonhos.

Ao menos um sorriso merecia
Quem tanto se perdeu na fantasia...


64



“Mas eu não sei em que o prazer consiste”
Se tudo se transforma em medo e dor,
Pudesse ter o olhar mais sedutor,
Porém a minha vida segue triste.

Aprendo a disfarçar meu sofrimento,
Sorrisos de ironia sem sentido
O amor adormecido num olvido
Esboça vez em quando um vão momento.

Aprendo a crer no nada como base
De um mundo que talvez ainda insista,
Porém não vendo mais um rastro ou pista
A sorte do meu mundo se defase.

Levando desta forma o dia a dia,
Só resta para mim, a poesia...

65


“Dizem que há, gozos nas mundanas galas,”
Eu sei que talvez possa até haver,
Mas quando procurando algum prazer
Vazias da esperança, suas salas.

Esbarro nos meus erros vez em quando
Escuto alguma voz bem mais macia,
E quando se percebe é fantasia,
O templo dos meus sonhos, desabando.

Tristeza me acompanha em cada verso
E nada me trará outra promessa,
A história novamente recomeça,
Trazendo o meu viver, vago e disperso,

Imerso nesta incrível solidão,
Meu mundo prosseguindo sempre em vão...


66


“Um só dos lírios que murchou o estio”
Já não permite crer na primavera,
O medo tão somente me tempera,
E nele o coração segue sombrio.

Vestígios de uma luz, persigo e tento
Saber se ainda existe a claridade,
E quando a dor medonha já me invade,
Percebo o meu caminho violento.

Atrocidades tantas, medo imenso,
Negar a própria sorte e ser assim,
Preparo tão somente amargo fim,
Nem mesmo num prazer, ao menos, penso.

A morte se aproxima e nela vejo,
Quem sabe uma alegria, num lampejo...


67


“Minha'alma quer ressuscitar nos cantos”
O que já sabe há tanto esvaecido,
Tocando com amor cada sentido,
Provendo de esperanças os encantos,

Mas nada adiantando tanta luta,
O corte se aprofunda em fria escara
E a morte num momento se escancara
Com toda sua força insana e bruta.

Escapam-me dos olhos alegrias,
E vejo só tristezas onde outrora
A vida se fizera sem demora,
E agora em luzes toscas e sombrias.

Apago da memória alguma paz,
O tempo, contratempo sempre traz...


68


“Procura o brinco que levou-lhe o rio,”
Criança que se fez em esperança
E quanto mais a vida atroz avança
Maior o desespero que desfio.

Estraçalhando assim o que talvez
Pudesse dar alento ou mesmo um riso,
Não tendo em minha vida o que preciso,
Somente sou o resto que tu vês

Vagando pelas ruas e sarjetas
Tristeza dominando o meu olhar,
Que faço se distante do luar
As alegrias morrem, quais cometas.

Deixando para trás a iniqüidade,
Enquanto este terror, domina e invade...


69


“Como a criança que banhada em prantos”
Já não consegue ver o seu brinquedo,
Enfrentando a maré, deveras cedo,
E bebo tão somente os desencantos.

Mergulho neste abismo feito em dor,
E tento mesmo assim sobreviver,
Pudesse no final, ao menos ver,
Um dia com fantástico esplendor.

Mas sei que nada vem após tempestas
Aquela calmaria se perdeu,
O mundo que pensara fosse meu
Fechando com vigor antigas frestas...

Dispersas emoções, raros segundos,
Porém os dissabores são profundos...

70


“Que a vaga solta quando beija a praia”
Ainda toque a areia mansamente,
Mas quando a tempestade se pressente
Felicidade aos poucos já se esvaia

Levando para sempre em mar imenso
As doces emoções que ainda via,
Restando a cada passo esta agonia
Na qual a todo instante sempre penso.

Mereço pelo menos uma chance
De ser feliz, mas sei ser impossível,
O som do meu cantar sendo inaudível
Por mais que ainda tente não alcance

As ânsias de um prazer que não consigo,
Vivendo tão somente em desabrigo...




71


“E seus gemidos são iguais à queixa”
Do velho marinheiro que tentara
Vencer a imensidão em noite clara,
Porém realidade nunca deixa.

O barco se perdendo sem o leme,
Aporto no vazio: solidão.
Somente os medos todos mostrarão
Por mais que o sofrimento inda se teme,

Tristeza se tornando mais constante,
Norteia a minha vida, inglória e atroz,
Ninguém mais ouviria a minha voz,
Tampouco o meu futuro, mais brilhante.

Percebo ao fim de tudo, a noite vã,
E dela já não creio na manhã...



72


“Seu pobre canto com a dor desmaia,”
E deixa a solidão bem mais aguda
Sem ter quem na verdade ainda ajuda
Morrendo mal percebe ao longe a praia

Navega contra tantas incertezas
E vê que nada resta senão ir,
E mesmo quando ausente algum porvir,
Enfrenta as mais difíceis correntezas,

Assim ao se sentir abandonada
Minha alma não concebe outro destino,
Voltando aos meus anseios de menino
Não tendo nem sequer uma alvorada,

A porta está fechada, mas atento,
Ainda não me entrego e luto e tento...


73


“E como notas de chorosa endeixa”
Meu canto se destoa do que sonho,
E quando novamente recomponho
A sorte desairosa já me deixa.

Inábil caminheiro nada sinto
Senão tal dissabor em ser vazio,
E quando os meus temores desafio,
O amor que imaginara segue extinto,

Tristeza dominando o dia a dia,
Recebo negação enquanto quero
Ao menos um sorriso mais sincero,
Mas nada, nem um brilho ainda guia

No mar escuro sigo sem farol,
Somente a tempestade no arrebol...


74


“Relê as folhas que já foram lidas”
E tenta algum momento mais feliz,
Mesmo quando a verdade contradiz,
Do todo que bem sei, sinto, duvidas.

Extraio dos meus sonhos, sofrimento
E triste caminhada vida afora,
Uma alegria vã não se demora,
Tocando em minha face um forte vento,

E nesta sensação do nada ter,
Esboço reações, mas inativo,
Somente por teimar, ainda vivo,
Mas já cansado estou, de padecer.

E peço pelo menos o descanso
E a cada alvorecer, desesperanço...


75


“E no seu livro de fanado gozo”
Revejo a minha história em triste fim,
Medonho e caricato o meu jardim,
Passeio pela vida, um andrajoso

Que tenta disfarçar com risos falsos,
Falácias são comuns a quem procura
Vencer com um sorriso esta amargura,
Porém os pés cansados e descalços

Durante estes percalços costumeiros
Pisando nos espinhos mais freqüentes,
Diverso do que pensas, são sementes
De abrolhos espalhadas nos canteiros.

Aonde se pudesse ser risonho,
Somente sigo amargo e tão tristonho...


76


“Minh'alma chora as ilusões perdidas,”
E teima acreditar num novo dia.
Estúpida quimera, a fantasia
Traçando em toscas linhas nossas vidas.

Aprendendo a mentir, já não consigo
Acreditar nem mesmo no que falo,
Aproveitando às vezes este embalo,
Disfarço com sarcasmos, o perigo.

E pendulando assim dor e promessa,
Resisto ao derradeiro passo espúrio,
Do brado que queria, algum murmúrio
E a história novamente recomeça.

Tristezas espalhando no meu chão,
Colher o que se amargo cada grão...

77


“E, como a rôla que perdeu o esposo,”
Caminho sem saber a direção
Por onde novos dias mostrarão
Momento que pudesse mavioso.

Vencido pelo medo do futuro
Entristecido, sigo sem paragem,
O amor seria apenas a miragem
Num tempo mais cruel, amargo e duro.

Vestindo esta mortalha tendo extinto
O quanto poderia ser feliz,
A vida a cada instante já desdiz
O que deveras, tento e ainda sinto.

Não pude ter nas mãos, felicidade,
Melancolia agora, teima e invade...


78


“O morto esposo gemedora chora”
A ausência do que fora sua vida,
Ao perceber a dura despedida,
A solidão deveras se demora.

Arcando com terrível sofrimento,
Tristezas dominando o dia a dia,
Aonde em que planeta poderia
Ainda ter nos olhos um alento

Se tudo o que pensara já se esvai,
E o riso desdenhoso do sarcasmo,
Deixando o caminheiro quieto e pasmo,
Enquanto a tempestade imensa cai.

Acarretando em mim tal dissabor,
Ausente dos meus olhos um amor...

79


“E em doce arrulo que o soluço imita”
Vagando por espaços, segue a rola,
Assim também minha alma, amarga e tola,
Perpetuando em voz sofrida e aflita

A negação da sorte que pensara
Durante tanto tempo fosse minha,
Agora a morte chega e se avizinha,
Aprofundando em mim a chaga e a escara.

Carcaças do passado ainda trago
E delas alimento uma esperança,
Ainda que persista em temperança
Que faço se não tenho mais o afago

Daquela que se fez amante amiga,
A vida em solidão me desabriga...

80


“Que o bosque acorda desde o alvor da aurora,”
Uma esperança tola que se esgueira
E sendo em minha vida a derradeira,
Ainda que tão frágil me decora,

Carrego no meu peito uma mortalha
E dela faço um manto em noite fria,
Ausente dos meus olhos a alegria,
A dor se torna assim como medalha.

Apego-me aos fantasmas do passado,
Espectros que inda vivem e sustentam,
Os dias onde as dores me atormentam
Terror já num sorriso disfarçado.

Pudesse ter nas mãos outra saída,
Tristeza então há tanto adormecida...


81


“Minh'alma é triste como a rola aflita”
Seguindo sem destino e sem paragem,
Por mais que seja bela esta paisagem
Condena-se deveras à desdita.

Pudesse ter a glória de viver
Momento mais feliz, ah quem me dera,
Se ausente dos meus dias, primavera,
Inverno me fazendo então sofrer.

Tristezas dominando o pensamento,
Percebo quão vazia fora a vida,
E tendo neste verso a despedida
Não vejo nem sequer algum alento.

E assim se repetindo o peito insiste
Vivendo sem amor: MINHA ALMA É TRISTE!

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