terça-feira, 23 de março de 2010

SONETO XXXI EM HOMENAGEM A CLAUDIO MANUEL DA COSTA

Cláudio Manuel da Costa (1729-1789)
em bico-de-pena de Newton Resende


" SONETO XXXI "


Estes os olhos são da minha amada:
Que belos, que gentis, e que formosos!
Não são para os mortais tão preciosos
Os doces frutos da estação dourada.

Por eles a alegria derramada,
Tornam-se os campos de prazer gostosos;
Em zéfiros suaves, e mimosos
Toda esta região se vê banhada;

Vinde, olhos belos, vinde; e enfim trazendo
Do rosto de meu bem as prendas belas,
Dai alívios ao mal, que estou gemendo:

Mas ah delírio meu, que me atropelas!
Os olhos, que eu cuidei, que estava vendo,
Eram (quem crera tal!) duas estrelas.



1

“Eram (quem crera tal!) duas estrelas”
Os olhos de quem tanto desejei
Tomando em claridade toda a grei
Belezas que deveras posso vê-las
E nelas decifrar a claridade
Que tanto quanto encanta me fascina,
Deveras maravilha tão divina
Agora em plena noite tudo invade.
Deidade pela qual enamorado
Não posso mais sequer pensar n’outrem
E quanta fantasia já contém
Deixando esta tristeza no passado,
Viver felicidade neste olhar
É como na alma ter todo o luar.


2


“Os olhos, que eu cuidei, que estava vendo”
Tornando a noite escura em claro dia,
Deveras quais faróis, o olhar me guia
E nele toda a sorte se contendo.
Pudesse ter agora em farto brilho
A sorte deste amor que sei distante,
No quão maravilhoso e deslumbrante
Caminho que em teus olhos ora trilho.
Saber quanto é divino poder ter
O amor que tanto quero e te declaro,
O mundo então seria bem mais claro
E nele com certeza tal prazer
Irradiando em glória esta beleza,
Qual fora um novo sol, tanta clareza...

3


“Mas ah delírio meu, que me atropelas”
Deixando em desalento o coração,
Negando ao meu olhar fascinação
Em noites tão serenas quanto belas.
Mergulho neste abismo dentro da alma
E nada poderia me trazer
De novo o que sonhara amanhecer,
Nem mesmo a fantasia ainda acalma
Quem tanto imaginou ter esta sorte
De ser somente teu e nada mais,
Olhares tão sublimes, magistrais
Já não me trazem mais qualquer aporte
A fonte se secando e nada vejo,
Distante dos meus olhos, meu desejo...

4

“Dai alívios ao mal, que estou gemendo:”
Permitindo quem sabe novo sol,
Dourando com certeza este arrebol
Num dia que será tão estupendo.
Mas nada se anuncia e a noite cai,
O medo se aproxima e se assenhora
Uma ilusão aos poucos vai embora
Toda esperança, agora já se esvai.
Pudesse ter ao menos uma chance
Viver amor que tanto quero e sonho,
Mas sei quanto o futuro é vão, medonho,
Minha alma no vazio ora se lance
E traça tão somente o desprazer,
Distante de qualquer amanhecer...

5


“Do rosto de meu bem as prendas belas,”
Aonde quis a sorte que eu tentasse
Vencendo em destemor qualquer impasse,
Moldando com ternura raras telas,
Mas quando me aproximo e tu não vês
O quanto te desejo, então disfarço,
Aos poucos solitário; em vão me esgarço
A vida já não tem sequer porquês.
Mesquinhos os momentos mais cruéis
E neles nada faço, só revejo
O brilho que traduz todo o desejo,
Porém a vida traz somente os féis
Enquanto amor uma alma em ti procura
Encontra tão somente esta amargura...


6


“Vinde, olhos belos, vinde; e enfim trazendo”
Algum alento ao menos a quem tanto
Mergulha num terrível desencanto,
Felicidade apenas um adendo
Distante do que encontra o caminheiro
Vagando sem destino vida afora,
A dor, somente a dor em mim se ancora,
Que faço sem timão nem timoneiro.
O barco naufragando sem faróis,
Ausência do que foi felicidade
Somente escuridão agora invade,
Aonde encontrei de novo os sóis,
Jamais eu poderei ver o luar
Se não concebo mais o vosso olhar.


7

“Toda esta região se vê banhada”
Por poluídas águas, nada mais,
Aonde houvera cores magistrais
Somente este vazio, resta o nada.
Perdendo a direção somente o frio
Deixando para trás a primavera,
O quanto a cada dia mais se espera
Traduz o que em verdade não desfio.
Vagasse em oceanos mais serenos
Pudesse calmamente ter nas mãos,
Além destes momentos torpes, vãos,
Quem sabe alguns minutos tão amenos.
Porém sem teu olhar, belo farol,
O barco se perdendo no arrebol...


8


“Em zéfiros suaves, e mimosos”
O tempo poderia ser assim,
Felicidade nunca tendo fim,
Dias serenos, calmos, fabulosos.
Mas quando me percebo em solidão
Angustiosamente a vida passa
Esvai-se qual somente uma fumaça
Os dias novas cores não verão.
Agrisalhada sorte me tortura,
Pudesse ter enfim a claridade
Do olhar que agora opaco, ainda invade
Trazendo esta semente da amargura.
Cevara com cuidado este canteiro,
Agora sem destino, jardineiro...


9


“Tornam-se os campos de prazer gostosos”
Ao serem estercados com carinho,
Mas quando me percebo mais sozinho,
Os dias não seriam majestosos.
Ausente dos meus olhos teu olhar,
Que faço se não posso prosseguir,
Na ausência maios completa do porvir,
Somente no vazio mergulhar.
E ter sem direção o meu saveiro
Que tanto desejou em ti seu Norte,
Aguardo em desventura a minha morte,
Momento mais tranqüilo, o derradeiro,
E tudo se esfumaça num segundo,
Das dores, trevas tantas eu me inundo...


10


“Por eles a alegria derramada,”
Trazendo o que talvez inda pudesse
Ser para um sonhador divina messe,
Mas quando se percebe, não há nada.
Perdendo as esperanças sigo só,
Do quanto desejei não resta ao menos
Momentos que pudessem ser amenos,
Perdendo a direção, somente o pó
Tomando a minha estrada aonde outrora
Em flórea senda vi o meu futuro,
O dia amanhecendo frio e escuro,
A dor que se aproxima me apavora.
O teu olhar; responde aonde encontro?
Na vida me perdendo em desencontro...


11


“Os doces frutos da estação dourada”
Já não consigo mais colher, portanto
Aonde poderia haver encanto
Deveras esquecida a velha estrada,
E nela os meus diversos descaminhos
Razões para viver já não percebo,
O amor que agora agindo qual placebo
Impede que se crie novos ninhos.
E sendo solitário este andarilho
Que tanto procurara paz percebe
Quão turva se mostrara agora a sebe
Por onde, sem descanso teimo e trilho.
Mortalha de um amor que me recobre
Matando um sonho outrora belo e nobre...


12


“Não são para os mortais tão preciosos”
Momentos em que sinto a divindade
Do olhar que mansamente quando invade
Permite ao sonhador diversos gozos.
Pudesse ter apenas um segundo
Envolto pela clara maravilha,
Porém a vida feita em armadilha,
Transforma neste instante em frio mundo
O que pensara eterno, este universo
Aonde descobrira a ninfa rara
E quando em teu olhar a sorte aclara,
Destino que queria, bem diverso.
Mergulho na total escuridão,
Inverna dentro em mim, forte verão...


13


“Que belos, que gentis, e que formosos”
Momentos que tivemos no passado,
Destino vez em quando disfarçado
Transforma o que pensara majestosos
Em trevas tão somente e nada mais,
E o medo se entranhando em minha pele,
Delírio de um anseio me compele
Derrama os mais terríveis vendavais.
Pudesse ter no olhar este farol
Guiando em noite escura e tenebrosa,
Mas quando se percebe caprichosa
A sorte me arremete num atol,
E solitário vejo a embarcação
Rumando em outra senda e direção.


14




“Estes os olhos são da minha amada:”
Faróis que tanto quero e necessito,
Alçando num momento este infinito,
Trazendo em plena noite uma alvorada.
Percebo quão luzentes olhos tens
E saiba que deveras sou feliz,
Ao ter tanta beleza que bendiz
E nela com certeza fartos bens,
Ausente dos meus dias a tristeza
Que tanto declara em duros versos,
Meus dias sendo agora tão diversos
Entranham-se em ti com tal clareza
Fartando-se da luz que ora irradias,
Mudando a direção de antigos dias...

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