sexta-feira, 2 de abril de 2010

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28368

“Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas”
Aonde eu possa até chegar ao porto
Diverso deste imenso mar já morto
Somente feito em trevas, dores, brasas,
Pudesse ter nas mãos outros momentos,
Pudesse ter além de simples sonho
E quando na verdade me proponho
Os medos e as angústias, meus proventos,
Nefasta realidade, ausente sol,
Medonha a dura imagem que ora vejo,
A senda mais sublime que inda almejo
Pudesse me guiar feito um farol,
Albatroz; albatroz, albatroz... Nada,
Somente a morte em vida anunciada.

28369


“Sacode as penas, Leviathan do espaço,”
E leva o sonhador ao cais seguro,
Diverso do vazio em que perduro
O mundo desairoso em louco passo,
Vagando sem destino, solitário
Aonde houvera vida, nada tendo,
Aonde houvera sonho o vão desvendo,
O todo desabando, vil corsário,
Não posso prosseguir. Melhor morrer,
Deixar-me enfim levar por treva e medo,
E quando me condeno a tal degredo,
Ausente de minha alma o próprio ser,
Assim se imaginando alguma luz,
Quem sabe noutro mundo, além da cruz?

28370


“Tu que dormes das nuvens entre as gazas,”
Tu que vês com teus olhos o horizonte
Não deixe que se seque cada fonte,
Não deixe que te invadam tantas brasas,
A fúria do presente no futuro
A sorte desairosa que virá
Quem sabe se mudando desde já
O solo não se mostre árido e duro,
À sombra das palmeiras um ilhéu
O mundo transcorrendo em plena paz,
Quem dera, mas a face é tão mordaz
Ausente dos meus olhos qualquer céu,
Extrema solidão de um navegante
Num mar em podres águas, degradante.

28371

“Albatroz! Albatroz! águia do oceano,”
Aonde te escondeste dos meus olhos,
Jardim sem ter sequer urze ou abrolhos
O mundo num completo desengano,
Mesquinhos dias vejo para todos,
Mesquinhas horas trazem turbulência
E quando sob o corte em vil regência
Nem mesmo restarão mangues e lodos,
A sorte se lançando no vazio,
O peso desta vida intolerável,
Aonde se pudesse em agradável
Caminho, noutro rumo já desfio
E vejo a podridão da própria terra,
Que a cada novo dia, dor encerra.

28372


“Que semelha no mar — doudo cometa”
Aonde nada pode ter nem sombra
A vida no presente já me assombra
Aonde no vazio se arremeta
Soldados entre guerras e batalhas
Ardis de uma aridez em tez sangrenta,
Nem mesmo uma alegria me apascenta
As horas em terrores morrem falhas
E o gozo de um prazer alucinante
E o rito se mostrando em tez dorida
Aonde se pudesse crer na vida
Apenas tão somente um vago instante
Medonho pesadelo? Nada disso,
Transcende ao que desejo, ao que cobiço.

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“Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira”
Seguir cada momento feito em luz
E ter a sensação que reproduz
A vida com certeza aventureira;
Mas nada. Tão somente a dor domina
A cena que deveras se degrada,
O peso do viver mata a alvorada
A fome de poder escassa a mina
E o gozo do amanhã? Não mais importa,
Agora quero agora ou nunca mais,
Que danem-se os caminhos magistrais
Se for preciso, mesmo arrombo a porta
E deixo mesmo morta esta esperança
Assim tanto dinheiro já se alcança.

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“Por que foges do pávido poeta?”
Por que foges da luz que ora te toca?
Aonde a realidade traça a toca
Ali poderia ter a meta,
Diverso do que tanto desejara
O mundo se amortalha e muito além
Somente o que deveras me convém,
Abrindo se preciso, nova escara,
Assim ao se encarar este universo
Medonha tempestade se gerando,
Ao nada simplesmente se fadando,
Caminho dentre pedras mais disperso,
E o gesto soberano da vingança
Matando qualquer forma de esperança.

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“Por que foges assim, barco ligeiro?”
Vagando sem destino em mar imundo
Deveras se em verdade me aprofundo
Do mundo em turbilhão eu já me inteiro,
Seguindo a rota imagem do presente
Aonde a cada dia mais se vê
A imensa solidão sem ter por que
A sorte dos meus olhos segue ausente,
Mesquinharia gera mais terror
E o fardo se aumentando verga as costas
As horas se mostrando decompostas
Da paz nem mesmo sombra, simples dor.
E o vandalismo trama vandalismo,
Assim de passo em passo até o abismo.

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