domingo, 18 de abril de 2010

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30065


Eu que tantas vezes renegava
A glória disfarçada em luz ou medo,
Agora neste verso te segredo
O quanto se perdera em cinza e lava,
Por mais que a vida seja dura e brava
Se tanto ou quase pouco eu me concedo,
A senda se moldando noutro enredo,
Não deixa mais a sombra da alma. Escrava.
Escavo dentro em mim velhas cavernas
E quando pouco a pouco tu me internas
Percebes neste tanto que fui eu
O mundo insofismável, verso triste
E mesmo contestado quem insiste
Vasculha cada parte que perdeu.



30066


Pudesse adormecer como as crianças
Embora em seus terrores, pesadelos
Os sonhos mais gentis ao revivê-los
Gerando novos tempos e esperanças.
E quando ao nada ser a voz se lança
Tocando mansamente os meus cabelos,
Os dias embrenhando em seus novelos
A morte a cada instante mais me alcança.
Funesta cena feita em cada não
E tento muitas vezes um sinal
Que possa permitir novo degrau
E dele se perceba anunciação
Do dia que trará claros momentos
Diversos destes tantos sofrimentos
Aonde cevo a mesma plantação.


30067


Quem me dará o beijo que procuro
Imerso nos desdizes de ilusões
E quando nova cena tu propões
O tempo continua sendo escuro,
Se tanto solitárNO Oio eu me amarguro
Ainda posso crer noutros verões
E os versos se condenam. Procissões
Por onde cada falso, outro perjuro.
Necessitava ao menos um alento,
Mas tudo o que cevei hoje recolho,
Recebo em pagamento olho por olho
E tendo obrigação de beber vento,
Mesquinha realidade? Não seria,
Apenas o provento da agonia.


30068


No olhar tão magoado de quem tenta
Vencer suas tempestas costumeiras
Aonde se preparam tais lixeiras
A morte a cada passo se apresenta,
Embora em sofrimento seja lenta
Não posso mais fugir destas bandeiras
E tanto poderia quando inteiras
As horas nesta fúria, violenta.
Errático percorro incoerências
E tanto se fizessem convivências
Sem ter a vida ao menos, e é concreto
Um ato que encerrando a tola peça
Sem nada que me iluda ou mesmo impeça
No quanto nunca fui eu me deleto.




30069

Calvários que me restam, morte e cruz
E ainda posso perceber o fim
Depois de tudo, enquanto vejo assim
O quando nada do que fui produz
Insanamente beberei o pus
Um simples bálsamo tocando em mim
E neste tanto poderia enfim
Vivenciar o que restou de luz…
Audácias tantas entre tantos medos
E navegar por oceanos vários
Aonde os dias não seriam ledos
Os passos lúbricos, sutis contrários
E o mesmo nunca se tornando audaz
Jamais encontro, finalmente a paz.


30070


Exibo a face deste atroz poeta
Que tantas vezes procurou alento
E não sabendo enfrentar tanto vento
Aos poucos louco seu cantar deleta
E nesta insânia ao caminhar repleta
A vida em dores fartas teima e tento
Saber do quanto não se fez tormento
Ainda vendo a amarga noite veta.
Estorvos sinto e não me calo mais
Nem podem tanto em tal terror; venais
Singrar as ondas deste ausente mar
Aporto sonhos; mergulhando em vão
Percebo o fim, neste terrível não
Aonde pude com destreza amar...


30071

Não quero nunca teu perdão, jamais
Necessitei do que se fez mordaz
E tanto pude conceber a paz
Embora versos me pareçam tais
Que quando luto ao procurar um cais
Ainda o medo que se tem me traz
O que não pode ser somente audaz
E quebrando os mais gentis cristais.
Tanto enfadonho o caminhar sozinho
Buscando inúteis sensações de um ninho
Ausente mesmo do que penso ainda
Na imensa glória de fazer meu verso
E quando vejo este porvir disperso
Apenas nada em tal terror deslinda...


30072


Erguendo a mão ao açoitar engodos
Não poderia caminhar em trevas
E quanta luz ainda teimas, levas
Deixando além estes terríveis lodos.
Os dias trágicos; conheço todos
E tantas dores se aproximam; levas;
E neste bando ao me perder tu cevas
Escudo o medo em teus sutis, vis, modos.
Mordaça tramas nesta ausência fera
E quando a noite perpetua a espera
Ferrenho e pálido este nada diz
Do quanto posso ainda mesmo em não
Tentar vencer este temível chão
Embora saiba em tua face, a atriz.


30073

Espúrias noites, solidão atroz
E quando posso perceber um dia
O quanto nego e sem qualquer magia
A vida nega ao sonhador a voz,
Unindo frágeis caminhares, nós.
E tanto medo ao se mostrar recria
O pantanal em que o não ser porfia
Negando o tanto onde se quis a foz.
Morrendo cedo, navegar no não,
E sem farol o navegante errático
Pudera ter neste momento o prático
Desejo estático; um melhor timão,
E tanto soube perceber meu fim,
Porém sonego o que inda resta em mim...


30074

Cadenciando o meu viver cruel
Percorro estradas onde pude ver
Cenário vário e nele tanto o ser
Cobrira a sorte com terrível véu.
E quando pude, caminheiro ao léu
Reconhecer em meus enganos crer
No jamais pude conhecer, saber
Deste sabor que me trará teu fel
Ao amargar em tenebrosa noite
A vida trama a cada instante o açoite
E gera a dor nesta semente atroz,
Lavrasse a vida com ternura e paz,
O mundo nunca mais venal, mordaz
Uma esperança encontraria a foz...


30075


O teu perfume ao adentrar na sala
Revive a glória em que talvez houvesse
Da vida inteira a mais divina messe
Saudade doma e com terror não cala
Uma alma tola que se fez vassala
Encontra a dor e não resolve a prece
Quem dera ainda o renascer que tece
Viva renasce e se mostrando em gala...
Apenas sonho e na verdade sinto
A turbulência num vulcão extinto
Destas fumaças, minhas ânsias feitas
E sei que ausente deste olhar tu ris
O quando fui e não serei feliz
Às horas mortas, noutro ser deleitas...


30076


Prazer em gozos variáveis sendas
E quando pude perceber o nada
Aonde a sorte sem saber calada
Cobrindo olhar em tenebrosas vendas,
Porquanto ainda meu delírio atendas
A faca em trágica manhã mostrada
A fúria atroz, esta medonha estrada
Amores foram simplesmente lendas
E tendo enfim o meu terror exposto
As marcas toscas dominando o rosto
Envolto em trevas andarilho audaz
Bebesse a luz e poderia então
Em pleno inverno renascer verão
Quem sabe enfim conheceria a paz.



30077


Sem a tramela o coração se esvai
Exposto mesmo aos mais difíceis dias
Aonde tantas luzes traçam frias
Manhãs nefastas então neve cai
Pudesse ter algum momento aonde
A própria vida não seria assim,
Enquanto vejo sem sentido o fim
O mesmo nada meu caminho esconde.
Resisto ao menos. Bastaria a luz
Nesta fornalha uma esperança ardendo
Das cinzas todas, não pudesse além
Do mesmo vago que em verdade vem
Matando enfim, o que jamais desvendo,
Vendida sorte, um andarilho em vão
Conhece apenas este inútil grão.

30078


Nudez que traz delírio a quem se fez além
Do todo ande fora e nada poderia
Viver além do quanto a vida em alegria
Ou mesmo em tempestade, aos poucos me contém
Resisto inutilmente e tanto sei do bem
E quando se demonstra apenas a agonia
O verso mais atroz encerra a fantasia
E o fim da amarga peça exposta ainda vem,
Não pude acreditar e nem mesmo calado
O mundo que tracei, por vezes desolado
Explode no vazio aonde me entregara,
Servindo de mortalha a quem se fez audaz
A porta do passado, há tempos se desfaz
Deixando como herança estúpida seara...


30079

Do jeito que se quer a vida em luzes fartas
Pudesse até talvez gerar incongruências
E nelas não se vê nem mesmo coincidências
Enquanto o caminhar aos poucos tu descartas,
Jogando sobre a mesa as viciadas cartas,
Olhando com terror procuro coerência
Mas nada do que vejo expressa uma inocência
As horas do futuro eu sei são tão ingratas;
Resisto às tentações do gozo pelo gozo
E tento transformar ainda em majestoso
O quanto desta estrada expõe falsas promessas,
E quando vês o não por onde ainda teço,
Expressas num sorriso o quanto foi tropeço
E a mesma cena atroz, sorrindo recomeças.


30080


A moça transbordado os lúbricos anseios
Deixando para trás os velhos preconceitos
Adentra sem pensar diversas camas, leitos
E sente este calor intenso nos seus seios,
Aonde poderia ainda haver receios
Os gozos mais sutis expressam seus direitos
E neste turbilhão enquanto são aceitos
As línguas em prazer descobrem tantos veios.
Assim a noite passa em rendas e cetim,
Até chegar manhã novo começo ou fim.
Vazio novamente após a tempestade.
A lágrima escorrendo, o copo de cerveja
Saudade ou mesmo o nada, em fúria após lateja.
Na maquiagem borrada a solidão invade...


30081


A vida sem a moça, a moça sem a vida
Numa avidez gentil ou mesmo degradante
O quanto não se quer e ainda se adiante
Porquanto a solidão, deveras tudo acida.
E vejo este cenário e nele a despedida
Por mais que o tanto ser outrora fascinante
Traduza este vazio agora mais constante
A porta do motel traduz uma saída
Dos sonhos mais sutis, do nada revelado,
O gozo prometido o frasco já quebrado,
E a vida continua em bares escritórios
Depois da fria entrega um arrependimento,
Porém o que fazer? No sábado outro vento
Tanto antes, nada após. Momentos ilusórios...


30082

Do tanto quanto bem ainda posso ver
Gestado dentro em mim num dia mais nefando
O corpo noutro corpo, aos poucos deformando
Espelho retratando a morte em seu poder.
Não pude em desafio ao menos recolher
O que pensara outrora e sei que desde quando
A juventude em ruga e medo me tomando
Retrato do que eu fui? Jamais reconhecer.
As coisas mudam sim, e nada pode ao tempo
Porquanto se fazendo em erro e contratempo
Maturidade esboça apenas caricata
Imagem degradante aonde poderia
Fingir que ganhei tanto em tal sabedoria,
Mas quando vejo a face espúria que maltrata
Especular verdade esboça tão somente
O fim que a cada dia, imenso se apresente...



30083

Amor sem ter juízo é simples redundância
Juízo em desamor talvez bem mais sensato,
E quando no já fui apenas me retrato
A sorte diz da sorte em tola discrepância
Não pude conceber sequer qualquer distância
E tanto poderia o encanto de um regato
Na sua mansidão, mas quando em tal maltrato
A vida se porfia e nela a cada estância
Gestando esta quimera aonde posso ainda
Sentir ausência plena, a mortalha tecida
Sabendo ser assim o caminhar da vida.
Pereço a cada instante ausência se deslinda
Decifra o fim do sonho e quando me percebo
A morte se aproxima e dela nela em paz eu bebo.


30084


Tornando nossa noite um momento feliz
Promessa realizada em luzes bem mais claras,
Mas quando volta o dia e o nada me declaras
O sonho que tivera enfim se contradiz.
O peso do viver expressa a cicatriz
E sei do quanto vejo em alegrias raras
Distante deste olhar as mais belas searas
O sol já não permite algum claro matiz
E tanto quanto pude em ânsias conceber
Um tempo aonde um dia em novo amanhecer
A sorte mostraria além deste vazio.
Mas pelo menos tive a noite prazerosa,
Perfume de um momento expondo assim a rosa
No outono um dia quente, um temporão estio...


30085


A festa na cidade, o sonho de menino,
A vida não traduz mais esta sensação
E quanta noite eu tive; imerso na paixão
Mal sabendo enfim o quanto é cristalino
Momento mesmo vago enquanto me fascino.
Depois a tempestade, a noite em solidão...
Resisto ao meu anseio e sei que não virão
Jamais outros sutis delírios de um destino
Imerso em treva agora, o quanto tive em brilho
Velhusco coração se o meu passado trilho
Bebendo desta fonte embora há tanto ausente
Saudade do que quanto agora feito em nada
Gerando novamente a redentora estrada,
Embora tão somente a morte se apresente...



30086

A moça seminua entranha no meu sonho.
A lúbrica vontade há tanto abandonada
Agora se percebe e doma a madrugada
Ainda resta então um cenário risonho,
E quando um novo verso eu teimo e até componho
Falando deste todo embora eu viva o nada,
Revejo num segundo aquela bela estrada
Seguida por quem hoje encontra um vão medonho.
Não pude disfarçar sorriso quase estúpido
E num olhar sutil, quem sabe mesmo cúpido
Amenizando a ruga exposta neste espelho,
A boca já sem dente, os cabelos grisalhos,
Voltaram num segundo aos mais belos atalhos...
Porém ao mesmo tempo, os dedos neste engelho...


30087


A gente ao mesmo tempo encontra o nada e vê
Senzala do passado ainda vive embora
Renova-se sutil e quando assim decora
O mundo noutra face esgota algum por que.
O carma concebido envolto se revê
No quanto fora atroz a vida que se aflora
A cada negação, e tanto se demora
Revivo o que se fez lamparina e sapê.
E agora num neon esboça-se a verdade
Terrível contra-senso ainda que me agrade
Conforto mata um pouco as minhas esperanças.
Meus filhos não verão as sombras do que fui,
E nem sequer o quanto expõe o que hoje rui
Traçando este futuro aonde em luz avanças.


30088


O corpo desejado há tempos não mais veio
E todo o que se foi jamais retornará
A porta já fechada o quanto havia cá
Do menino morto, ao menos o receio
Permanece vivo, e sendo sempre alheio,
Resiste à novidade e nunca brilhará
A servidão humana, o corte mostrará
Apenas timidez e dela meu anseio.
A boca escancarada, o riso nunca aberto,
O passo pelo não, caminho que deserto
Enquanto crio enfim um mero personagem
Mas quando num espelho eu vejo a minha face
Não nego esta visão, ainda que se trace
Diversa do que sou, espúria paisagem.


30089


O olhar de quem jamais se acreditou além
Desta mesmice eterna aonde se fez vida
E não sabendo mesmo encontrar a saída
Singrando um tolo mar, e quando me convém
O peso do passado e disso sei tão bem
Ainda sonegando a fúria em que se agrida
Errático caminho audácia em despedida
Jogado em algum canto e sendo sempre aquém
Do que permitiria encanto de quem sabe
Viver sem perguntar apenas o que cabe
Desaba o que criei: fantasias sutis.
Reparo a cada engano um dia que não veio
E sinto que talvez qualquer mero receio
Esboce a realidade enquanto a contradiz.


30090

Portal do Paraíso? Apenas negação
Do todo que pensei ao menos num instante
A cena percebida eu sinto degradante
E nela mais terror tomando a direção
Porquanto eu poderia traçar novo senão
A vida não permite e mesmo alucinante
O passo que se deu e nele se agigante
A fúria mais sutil aumenta a sedução.
Eu pude conceber um verso onde talvez
O encanto do passado agora se desfez
E dele não sabia as cores mais suaves.
A morte é pressentida e nela realizo
O pendular caminho em dor, medo e granizo,
Porém nas asas vejo as libertárias aves.


30091

Manhã se refazendo após as tempestades,
Barracos, casas, morto o sonho de quem tanto
Vivera transformar o antigo desencanto,
Mas teve ainda assim as mais terríveis grades.
E quando a sensação de pena toca e invades
Não vês a nossa culpa e dela este quebranto
Gerando pelo medo e agora traça o pranto
Como se esta injustiça: imensas novidades!
A porta de algum céu escancarada a quem
Conhece do perdão, do amor que lhe convém
Bem mais que teoria, ou mesmo uma falácia.
Mas tudo recomeça e segue sempre assim.
O meio se qualquer justificando um fim,
Lutar contra si mesmo, eu sei que é rara audácia!


30092


Na cálida presença envolta em luz tranqüila
Não pude perceber somente a imensa farsa
E quem pudesse tanto agora só disfarça
E nada do que fora em paz sabe e desfila.
O amor tal caricato em fel sempre destila
A sorte traiçoeira e sendo agora esparsa
Encontra no terror amigo e bom comparsa
Inútil confraria, embora a mesma argila.
Ferrenho caminhar envolto em temporais,
Negando a melhor sorte ao que se fez audaz,
E tanto poderia o quanto satisfaz,
Mas ouço a mesma voz expondo o nunca mais.
Risível sorte? Nunca a vida se mostrara
Embora tenebrosa em forma assim, tão clara.


30093


Entranha aprofundada aonde poderia
Saber de nova luz ou mesmo uma esperança.
O quanto do vazio ao nada sempre alcança
Jamais perpetuando além desta agonia.
O verso bem pudesse ainda em alegria,
Mas quando sinto em mim a dura e fria lança
Mortalha cultivada aonde o não avança
A sorte se mostrando assim bem mais sombria.
No féretro comum, a carpideira sorte
Não deixa que se veja ao menos qualquer norte,
E tendo este não ser em corriqueira voz
O peso me vergando, o mundo em dores tantas
Enquanto nada vejo ainda tu te espantas.
Mal sabe vivo em nós, este medonho algoz.


30094


E mata em ironia a sorte benfazeja
Inocente sonho, ausência de futuro.
O parto sonegado, a morte em tom escuro,
O corte se aprofunda e nada que se veja
Permite ainda a luz enquanto a vida almeja
Um salto até qualquer domando assim o muro.
Neste vazio torpe insano eu me perduro
Morrendo uma ilusão; a sorte relampeja.
Eu tive dentro em mim certeza que perdi,
Etérea fantasia o mundo desde aqui
Cultua novos reis e deles se faz crente,
Ao ver o meu caminho em trevas, negações
O peso do passado aonde o nada expões
Não tendo mais um cais que ainda se apresente.


30095


Orgástico amanhã? É mera fantasia,
O vândalo que existe em mim não mais cabendo
Vestindo esta mortalha e nela um dividendo
Enquanto se transforma apenas me recria
Perdido este andarilho envolto em poesia
Não sabe e nem percebe a morte se embebendo
Desta aguardente aonde o corte me envolvendo
Não deixa que se creia além de uma agonia.
Eu verso sobre o nada e dele me amortalho,
O quanto quis a vida em novo e bom retalho
Fazer qualquer emenda e tendo em resultado
Alguma luz, embora eu saiba deste não
E nele os meus sutis caminhos moldarão
Somente este vazio e dele farto enfado...


30096


Àquele quem em delírio expressa o seu vazio
Não posso mais falar nem mesmo sobre o nada
Que tanto emoldurasse a podre e vã estrada
Aonde o meu caminho aos poucos desafio.
Revejo este cenário e nele sendo o frio
A contumaz estância e dela a madrugada
Impõe ao andarilho a mesma degradada
Estada no passado enquanto em vão porfio.
Peçonha costumeira açoda que procura
Ao menos navegar embora em noite escura
Sem ter estrelas tenta em riscos conhecidos
Vencer o seu demônio embora em dias ledos
Soubera desvendar alguns dos seus segredos
Revive sem saber momentos já vividos.


30097


Na farsa que se impõe em faces tão diversas
Demônios são comuns e deles adivinho
A embriaguez audaz expressa em todo vinho
Sanguínea realidade; aonde queres, versas
E tendo com terror as tétricas conversas
Percebes sem saber o lúbrico caminho
E nele o que talvez pudesse ter carinho
Satânica vontade em sendas mais dispersas.
Perversa fantasia? Ao menos verdadeira.
Do quanto se demonstra em face mais venal,
O amor não se traria além de um ritual
E dele se transforma em luta que não cessa.
Mas nada do que traz a vida em falsa imagem
Permite alguma senda e sinto ser miragem
O que talvez pareça a ti uma promessa...


30098


Desde que a vontade ainda me trouxesse
Momento mais feliz e nele renovando
O fardo do viver que sei tanto nefando,
E dele não se vê sequer a sorte e a messe,
Portanto o caminhar enquanto recomece
Permitindo a luz embora sonegando
O quanto posso ainda em trevas me guiando.
Não tendo outro momento além do que se expresse
Em dor e tempestade, amortalhada estrada
E sendo sempre assim a morte dita o rumo,
O quanto do vazio em mim teimo e consumo
Pudesse ter a senda em sóis já desvendada.
É ledo o meu destino e nada se transforma
Num pantanal minha alma, espúria e torpe forma...


30099


Egresso do naufrágio esgoto a minha sorte
E tento ao menos ver um cais, pura ilusão
O luto em vida vejo e nele a direção
Do quanto nada sou e nada me comporte,
Ainda poderia enfim na minha morte
Sentir um resto ledo, ausente meu verão,
Esboço em ironia a tétrica aversão
Aprofundada em mim, a chaga, escara o corte
Resíduos do que fui andando pela casa,
E tanto sinto assim que este final se atrasa
E nada poderia ao menos consolar,
O riso do passado, o risco do futuro
Carcaça que hoje sou, meu passo neste escuro,
Aonde não se vê nem crê na luz solar...


30100

Persiste sem saber quem tanto quis a glória
E vendo o seu retrato agora amarelado
Jogado na gaveta expressa o seu passado,
A morte então seria ao menos a vitória.
Um pária apodrecido, apenas uma escória
Nefasta realidade, ausente algum legado,
A fétida mortalha em solo aprofundado
E tudo se transforma em leda e merencória
Imagem do que fora outrora um ser vivente,
E o rosto decomposto é o que se vê, se sente
Traduz o quanto um dia ainda quis diverso.
E não sobrevivendo à neve que me toma,
Aonde a divisão domina antiga soma,
Semente se gorando, expressa-se em meu verso

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