quinta-feira, 15 de abril de 2010

HOMENAGEM A CORNEILLE

1

“Ou talvez que o prazer em luto convertido”
Gerasse tão somente a dor de uma saudade,
Mas quando se percebe o medo que degrade
Gestando agora em mim a dor de um vago olvido
O tanto que pudesse e nada se mostrando
Aquém do quanto sonha uma alma em luzes feita
A sorte traz o não e nada satisfeita
Mortalha de um amor em traço mais nefando
Atroz caminho eu vejo e quanto poderia
Viver noutro momento ainda alguma luz
E dela se traçando o fardo que conduz
À fúria do vazio e mata uma alegria
Acolhe-me o terror e dele vejo apenas
Medonha tempestade em duras, frias cenas...


2

“Depressa um tal terror vereis desvanecido”
Assim ao se mostrar a face em desencanto
Amor que imaginara agora ainda canto
Embora mesmo saiba há tempos esquecido
Domando o manso peito a incúria em tal libido
E tanto poderia a sorte sem quebranto
Vestindo o meu prazer em claro e doce manto,.
Mas quando me percebo incêndio desmedido,
A porta já se abrindo e nela se percebe
O quanto em desalento expressa insana sebe
Medalha traduzida em gozo indiferente
O amor que tanto quis e sei bem mais sutil,
Disperso caminhar aonde se previu
O peso de uma vida, ainda se apresente....


3


“E que maior presságio que o meu abatimento?”
Não pude controlar uma ânsia sem igual
E dela o corpo pede em louco ritual
A furiosa noite e nela me atormento
Singrando o mar imenso imerso em tal tormento
O corpo se desnuda em face sensual
E quando se aproxima o gozo magistral
Apenas se mostrando assim duro lamento
O amor não poderia ainda ser diverso
Do que tanto queria e nega cada verso
Composto em tez suave, ou mesmo mais atroz,
Senzala dita a sorte estúpida e mordaz,
E quando poderia ao menos manso e em paz,
Uma explosão de insânia agora toma a voz...


4


“O rosto da fortuna se muda num momento;”
Gestara há pouco tempo a mansidão, mas vejo
O quanto em desvario assenta-se um desejo
E dele não tendo além deste tormento
No qual se traduzindo imenso sofrimento
Pudesse ver enfim o céu num azulejo,
Mas tudo não passando apenas de um lampejo
O mundo sem caminho entregue ao sentimento
Atroz de quem se quer e sabe muito bem
Que tanta dor somente amor por si contém
Negando a melhor sorte a quem busca esperança
E ao medo mais feroz a vida se mostrando
Em ar tempestuoso, as luzes falso bando
No quarto em desespero, o gozo em dor se lança.


5

“Metade da alegria conhece já perdida”
Quem tanto desejara além de um só segundo
E quando nesta senda atroz eu me aprofundo
Perdendo o que restara ainda desta vida
A senda desvendada eu vejo sem saída
O coração audaz outrora um vagabundo
Agora deste pouco ou quase nada inundo
Sabendo tão somente a imensa despedida
Da qual não mais pretendo apenas perceber
O quanto se faria a vida em desprazer
Seria bem melhor ao menos ver deveras
O que não mais encontro em dores e tormentas
Decerto quando vês em faces violentas
Aquelas que gentis, pensara primaveras...

6

“Cumpriram; mas minha alma turbada, e abatida”
Ao ver assim a dor das cenas mais atrozes
Sabendo que encontrara assim os meus algozes
Deixando a minha estrada agora sem guarida
Esqueço a realidade e dela se duvida
Ainda em força e verso, enquanto ouvindo as vozes
Do tanto que jamais em mim souberam fozes
E destes temporais aos quais eu me remeto
Tomando cada verso, espúrio este soneto
Gerado pelo medo e nada me conforma,
O quanto poderia a sorte ser diversa
Assim mesmo se vê no nada em que se versa
A palidez criada aflora em triste forma.

7


“E se os vossos desejos se cumpriram, e já”
Do amor que concebera apenas o resquício
Do todo que sonhar, encontro o precipício
E sol onde entreguei a sorte moverá
Apenas o vazio e assim não brilhará
O peso do passado, imenso e duro ofício
Negando algum caminho e assim foi desde início
Servindo-vos de açoite e enquanto servirá,
Nefasto dia eu vejo e tanto quis outrora
A sorte bem diversa e em tez atroz decora
O dia mais sombrio aonde eu nada vejo
Somente a tempestade e dela se porfia
O quanto pode ser em doce alegoria
Matando em desvario, o fúnebre desejo...


8


“Bem podereis julgar, se o filho o deixará:”
E quando isto ocorrer na ausência deste filho
A morte se traçando em duro e amargo trilho
Desvenda o meu futuro aqui e desde já
Matando pouco a pouco o quanto em esperança
Pudesse imaginar quem tanto enfim sonhara
A sorte molda então nefasta chaga, escara
E o medo a cada dia aumenta e sempre avança.
Expondo o que se fez além de mero sonho,
O todo que pudesse ainda me trazer
Após a tempestade algum alvorecer
Esboça este terror num ar duro e medonho,
Assim eu vejo o fim e nada além do vago,
Apenas caricata a face que hoje eu trago...



SOBRE VERSOS DE CID
CORNEILLE

TRADUÇÃO DE ANTONIO FELICIANO DE CARVALHO

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