terça-feira, 13 de abril de 2010

HOMENAGEM A DELFINA BENIGNA DA CUNHA

SONETO

Vinte vezes a lua prateada
Inteira o rosto seu mostrado havia,
Quando um terrível mal, que então sofria,
Me tornou para sempre desgraçada.

De ver o céu e o sol sendo privada,
Cresceu a par comigo a mágoa ímpia;
Desde a infância a mortal melancolia
Se viu em meu semblante debuxada.

Sensível coração deu-me a natura,
E a fortuna, cruel sempre comigo,
Me negou toda a sorte de ventura ;

Nem sequer um prazer breve consigo:
Só para terminar minha amargura
Me aguarda o triste, sepulcral jazigo.


DELFINA BENIGNA DA CUNHA








1

“Me aguarda o triste, sepulcral jazigo”
E sei que nada poderá fazer
Quem tanto busca e não consegue ter
Além do vago e doloroso abrigo
Aonde mostra a face mais cruel
De quem se perde e segue sempre assim
Vestida de ilusões toscas medalhas
Trazendo pós pensar tantas batalhas
E ver a vida mesmo em torpe fim,
Vencida e nada resta senão isto,
A mera tentativa de saber
Buscando inutilmente algum prazer
Deveras já cansada, enfim desisto,
E sinto o meu caminho em derrocada
Depois de tanta luta sobra o nada...





2


“Só para terminar minha amargura”
Pudesse ter sabe algum alento,
Mas quando me entranhando o sofrimento
A sorte com certeza não perdura,
Vestindo esta mortalha, o que me resta
Num luto eterno, apenas não consigo
Mergulho no passado e o desabrigo
Traçando imagem tosca e tão funesta
Um traste caminhando sem destino,
Resíduo do que fora redenção
A vida se mostrando agora em vão
Somente sem ninguém, pois desatino
E sinto estar alheia a cada passo,
E a morte sem remédio, em vão eu traço.

3


“Nem sequer um prazer breve consigo”
Ainda se pudesse acreditar
Na noite que surgindo sem luar
Traduz somente o medo, e algum perigo,
Nefasta realidade me tomando
O peso do viver, insuportável
Aonde se tentara mais amável,
Um mundo que pudesse ser mais brando
Apenas o vazio e nada mais
Apenas sofrimento e sinto assim
Que todo o meu prazer chegando ao fim,
Restando noites frágeis, temporais
E tudo não passando do vazio,
E dele solidão vejo e recrio.


4


“Me negou toda a sorte de ventura ;”
A vida incontrolável cachoeira
Que tanto pelas mãos agora esgueira
Depois de tanto tempo e me amargura
Gerindo a tempestade que me sobra
Gestando esta quimera em vento e frio
Inverno dominando e sem rocio
A morte a cada passo sempre cobra
O quanto de quinhão lhe pertencera
E tudo não servindo como alento,
Bebendo cada gole, sofrimento
Aonde bem mais fundo padecera
Esta alma que deveras se perdeu,
Num mundo feito em luto, treva e breu.


5


“E a fortuna, cruel sempre comigo,”
Não deixa qualquer sombra, sigo assim
Espero tão somente pelo fim,
E quanto mais atroz, mais desabrigo,
Ao menos se pudesse ter no olhar
O brilho de uma estrela em redenção,
Mas quando me percebo em solidão
Mergulho no vazio e a me tomar
Somente o frio imenso, esta mortalha
Trazendo a cada dia o dissabor
Aonde poderia crer no amor,
A vida aponta o corte da navalha,
Retalha cada sonho em mil pedaços
Do quanto desejei, sequer os traços.


6


“Sensível coração deu-me a natura,”
Mas a alma sofredora não descansa
E a sorte que procura uma esperança
Há tanto sem destino em vão perdura,
Apenas resta em mim leve momento
Aonde pude até ver outra sorte
Agora me preparo para a morte
E nela, com certeza me apascento,
Invisto cada verso que hoje faço
No sonho que talvez, o derradeiro
Encontre novo dia e se inda esgueiro
Por entre pedregulhos, pouco espaço
Encontro para um sonho que inda viva
O quanto da esperança não se priva.

7


“Se viu em meu semblante debuxada”
Quimérica loucura em dor intensa
E quando se procura recompensa
A vida repartindo o mesmo nada,
Cansada de lutar inutilmente
Cansada desta vida em dor profana,
Uma esperança mesmo já me engana
Enquanto a cada passo tanto mente
A sorte que pudesse ter no fim
Algum sorriso em mansa calmaria
E tanto do não ser a alma porfia
Gestando tanta dor que vive em mim,
Jogada contra as pedras e os penedos,
Do amor já nem conheço mais segredos...


8


“Desde a infância a mortal melancolia”
Gerando dentro em mim tal tempestade
E quando a solidão ainda invade
Matando o que restara de alegria,
A sorte se mostrando assim vazia
Enquanto houvesse sonho, na verdade
O mundo ainda em viva claridade,
Mas como se tal fato exigiria
Amor e deste amor já nem percebo
Sabendo quão inútil um placebo
Que possa tão somente dirimir
A dor que se entranhando me domina,
Desventurada sina da menina
Que um dia imaginara este porvir.


9


“Cresceu a par comigo a mágoa impia;”
E dela nada trago senão isso:
O mundo que sonhara já sem viço
O corte se aprofunda em agonia,
Medonha face eu vejo neste espelho
Grisalhos entre rugas tão somente,
O fim a cada dia se pressente
E quanto ainda tento e me aconselho
Responde-me a verdade nesta face
Exposta em torpe imagem retratada
Assim ao não saber de uma alvorada
A cada novo dia, a dor se trace
Mudando o que me resta por viver,
Matando o que sonhara amanhecer.


10


“De ver o céu e o sol sendo privada,”
Não tendo mais quaisquer belezas, faço
Do mundo tão somente este cansaço
E dele resultando o mesmo nada,
Andejo coração não mais responde
E tento disfarça n’algum sorriso,
O quanto se acumula em prejuízo
A sorte se escondendo e não sei onde,
Vasculho cada canto de minha alma
Sobejas dores trazem desencanto,
E quando ainda tento já me espanto
Somente o saber fim agora acalma,
E teço esta mortalha com carinho,
É nela que deveras eu me aninho...


11



“Me tornou para sempre desgraçada”
A vida em luzes fartas que eu sonhara,
E agora se mostrando assim amara
Seara do passado destroçada,
Não posso imaginar outro momento
Apenas podridão em vil carcaça
E assim enquanto o tempo foge, passa
A cada ausência vejo o sofrimento
Legado que carrego dentro em mim,
De tempos onde tanto pude crer
Ainda em algum risco de prazer
E a seca dominando este jardim,
E numa sensação venal e agreste
O quanto de carinho tu me deste.


12



“Quando um terrível mal, que então sofria,”
Tomando a dura face da verdade
Porquanto ainda lute ou mesmo brade
Não vejo mais resquício de algum dia
Medonha face vejo então no quarto
Deitada em minha cama vejo a morte
E dela qual sorriso que conforte,
Hipnotizadamente eu não me aparto,
Vivenciando a glória do final
Que tanto procurei a vida inteira
A sorte na benesse derradeira
E o rito se mostrando sempre igual,
Veneno, cada gota me consola,
A morte mansamente tudo assola...



13


“Inteira o rosto seu mostrado havia,”
Enquanto delicia-se a quimera
Tocaia traduzindo a dura fera
E nela toda a forma de alegria,
Nefanda? Não, somente salvadora,
A caricata imagem que hoje sou,
O quanto do cadáver, pois restou,
Diverso do que tanto quis ou fora,
Assim ao me mostrar toda desnuda
Entranha-me a loucura a cada verso,
E neste nada ser o peito imerso
A morte a cada passo mais ajuda,
Assim ao me sentir envelhecida
Aos poucos abandono a minha vida.


14


“Vinte vezes a lua prateada”
Deitando cada raio sobre o leito
Aonde sem defesas eu me deito
Sabendo não verei outra alvorada,
Risonha face mostra a lua imensa
E dela se bebendo cada gota,
A minha força aos poucos já se esgota
A morte, com certeza a recompensa
Mordaz de quem se fez tão sonhadora
Poeta não consigo novo encanto,
E quanto mais profundo o desencanto
Minha alma revivendo o que já fora,
E assim ao mergulhar neste jazigo
Encontro, finalmente, paz e abrigo!

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