sábado, 29 de maio de 2010

34601 até 34650

34601

Tentando levantar o olhar aonde
O tempo não permite mais sinais
Além dos tão constantes e venais
A própria fantasia não responde
E ali, ao crer no verme que se esconde
Na espreita de banquetes colossais
A morte se traçando em funerais
Porquanto a cada passo queda a fronde
Assim ao me entregar ao vil fastio
No peso de uma vida sem proveito
Enquanto neste vago inda me deito
E aos poucos gero em mim árido estio
Eu sinto esta benesse feita em morte
Aprofundando aos poucos cada corte.

34602

Ande é necessário ter coragem
Seguir contra os diversos vendavais
Meus olhos se negando e nunca mais
Terei além da vida uma ancoragem,
No porto que pensara em hospedagem
Os dias entre tantos são iguais
Palavras se perdendo em rituais
Idênticos caminhos, sem paragem.
Miragens tão somente os sonhos vãos
E quando acordo escuto os mesmos nãos
Sabendo ser assim até o fim,
O todo que pensara ser eterno
Adentra em plena vida neste inferno
Apodrecida face viva em mim.

34603

Enquanto ainda ao longe vejo uma obra
Diversa da que tanto imaginara
Imagem do passado, ainda clara
Noutro momento atroz já se desdobra,
O tempo sem parar deveras cobra
E o quanto a própria vida desampara
E nega em solidão, tramando a escara
Adentra no meu corpo em cada dobra,
E resta muito pouco do que tanto
Desejara durante a curta vida,
O tempo a cada instante mais acida
Gerando tão somente medo e pranto,
Restara dentro em mim uma esperança
Que agora no vazio enfim se lança.

34604

O tempo na verdade é curto, eu sei,
E a fome de viver não se sacia,
Mas quando envolto em trevas e agonia
Buscando no passado a morta grei
Do quanto que pensara desfrutei
Na face desdenhosa da ironia,
E tudo sucumbindo dia a dia
Nos ermos pesadelos mergulhei,
Escuto apenas restos do que há tanto
Julgara ser ainda um breve canto
Agora em ladainha se eterniza,
Minha alma se perdendo do seu porto,
O olhar de quem deveras está morto
Entrega-se à mortalha, mais precisa.

34605

Longínqua noite trama a sepultura
De quem ainda crê noutro momento,
E quando bebo a sorte e me apascento
A vida não perdoa e se amargura,
O corte se aprofunda e nega a cura
Aonde poderia algum alento
Aumenta dia a dia o sofrimento,
Aos poucos me entregando em tal loucura,
Amordaçado sonho nada diz
E o quanto ainda teimo em ser feliz
Traçando com sarcasmo, uma balela,
Aos poucos decomposto, pleno ocaso,
O tempo se esgotando, findo prazo
A morte em face escusa se revela.

34606

Do quanto quis em vida, tal mistério
Gerando outro caminho bem diverso
Agora me aproximo e assim eu verso
Singrando as solidões de um cemitério,
O tanto que pudera em falso império
Do todo um passo torpe e enfim disperso
Apenas no vazio sigo imerso,
A vida não traduz qualquer critério,
Assim ao perceber a despedida
Agora me entranhando em plenitude
A paz faz com que tudo enfim transmude
E encontro-a bem após a minha vida,
Da escória, simples pária agora eu vejo
Bem mais do que pensara em vão desejo.

34607

Meu peito em tantas trevas decomposto,
E quanto mais lutando maior luto
Assim olhar estúpido, reluto,
Porém sulcado em fúria vejo o rosto
Meu corpo a cada instante sendo posto
Nas tramas deste ser cruel e astuto
Porquanto na verdade, nada escuto,
Somente o tom atroz deste proposto,
Vagando pela fútil imensidão,
Uma órbita vazia busca o chão,
E o passo se transforma em vil novelo,
A cada instante entranho este terror,
A face atormentada dita o horror
De um vivo e tão presente pesadelo.

34608

A fúnebre presença da rapina
Beijando o que pudesse ser ainda
A vida que deveras já se finda
E ao mesmo tempo alheia se fascina,
No quanto nada mais a alma domina,
A fúria desdenhosa ora me brinda
E vejo esta figura podre e linda
Aonde o passo atroz se desatina,
Vivera e até pudera crer em Deus,
Agora ao perceber o vago adeus
Encontro os meus espectros, perco o rumo,
Do todo que sonhara, riso e festa,
Apenas o vazio inda me resta
E com tal sordidez eu me acostumo...

34609

A face desdenhosa e amortalhada
De quem se fez um dia majestosa,
Assim ao perceber a podre rosa
E nela toda a sorte já traçada,
Eu vejo no final o mesmo nada,
E nele cada noite caprichosa
Do quanto poderia o tempo glosa
Não resta nem sequer uma alvorada,
Eterna noite em trevas, nada mais,
Exposto após os ritos funerais
Ao vago e ao desencontro, uma alma cala,
E apenas por momentos insistira
Qual brasa se extinguindo, breve pira
Exposta num cortejo em plena sala.

34610

Apenas condenado – esquecimento-
O quanto fora em vida altivo e nobre
A morte pouco a pouco nos recobre
Depois não resta mais sequer alento,
O nome se perdendo em ledo vento,
O quanto imaginara já se cobre
Da terra e do vazio, uma alma pobre
Procura noutro ser o seu sustento,
E galga ao mais terrível dos infernos
Bebendo dos eternos vãos invernos
Negando-se talvez à própria luz,
E assim morte após morte, a vida trama
O etéreo reviver em parca chama
E dela se percebe o corte e o pus.


34611

Distante dos meus dias mais felizes
A morte toma forma e já me toca,
Ao mesmo tempo fujo em furna e toca,
Mas logo se percebem meus deslizes,
De tantos sofrimentos, cicatrizes,
A vida noutro tanto não se aloca
E o vento desdenhoso ronda a roca
Penhasco de ilusão que contradizes
E fazes dos meus dias infernais,
Momentos entre tantos desiguais
Rondando-me deveras fera e gula,
Ao mesmo tempo aumenta este ferida
Levando gota a gota minha vida
Até que a imensa chaga venha e engula.

34612

Qual fora mera flor em tempestade
O tempo não permite solução
O mundo que eu sonhara eu vejo em vão
E apenas um espectro ainda brade
Toando com terror o que degrade
Traçando num aspecto de emoção
A face da total imensidão
No quanto este vazio toma e invade.
Mesquinhos dias mortos vejo quando
O mundo noutra face deformando
O todo que julgara mais perfeito,
Depois de tanto tempo, nada resta
Somente esta figura em vão, funesta
Espelho de meus sonhos quando deito.


34613


Sentindo da mortalha o seu aroma
Entrando pela sala adentra o quarto,
E assim aos poucos vejo enquanto parto
O quanto a morte teima e já me doma,
Aonde no passado fora soma,
Agora tão distante, mero e farto,
Aos poucos desta vida me descarto
Torpores reluzindo em breve coma.
A cena se ampliando nada traz
Somente este vazio, e finda a paz
O mundo não trará qualquer alento,
Perfume de enlutado caminhar
Aos poucos me rendendo a tal altar
Entregue à profusão de um intenso vento.


34614

Profunda solidão tomando tudo
E quanto mais eu busco respirar
Não posso noutro tanto me mostrar
E apenas no vazio enfim me iludo,
O rosto decomposto e assim transmudo
Entregue aos dissabores, sem lutar
Buscara pelo menos um lugar,
Porém eu permaneço quieto e mudo.
O fardo de viver se aliviando,
Um ar mais tenebroso e até nefando
Espalha-se na casa e não escapo,
Do todo imaginado em pura seda
Imagem que ora vejo ausente e leda,
Não resta nem sequer resquício ou trapo.

34615

Vivera sob a luz e a claridade
Da lua, sol, das ânsias do futuro
E agora neste instante mais escuro
Apenas o terror ainda invade,
E a cada ausência o tempo mais degrade
Deixando no passado o que procuro,
O solo imaginário vejo duro
Da ausente liberdade, imensa grade,
Aos poucos minha vida não se vê
O quanto busco e sempre este cadê
Responde como ausência em solidão,
Aonde quis a glória nada tendo
Mistérios do vazio ora desvendo
E sei desta alma ausente direção,

34616

Aonde quis os sóis em plena praia
Desértico caminho desnudara
A vida que talvez pudesse clara
Agora a cada instante já se esvaia
Morrendo pouco a pouco, o sol desmaia
E a morte em noite escusa se declara
O passo a cada instante desampara
Porquanto uma ilusão sobeja traia.
Resisto o quanto posso, mas bem sei
Da vida eterna e amarga, leda lei
E assim ao se findar mais uma história
Por vezes sonhadora e prazerosa,
Enquanto o esquecimento dita a glosa
Do corpo resta mera e tosca escória.

34617

Dos templos do passado, este pilar
Agora destroçado já não vejo
Sequer a menor sombra do desejo
E neste vão insisto em mergulhar,
O peso do viver a me envergar
O corte cada vez mais o prevejo
E quando alguma luz ainda almejo
Eu sinto o frio imenso a me tocar,
Resíduo do que fora um vão poeta,
A sorte noutro tanto se completa
Deixando para trás minha existência
E assim ao menos pude ver no fim,
O vento transformando o meu jardim,
Na rosa aberta, imagem de clemência.

34618

Frondosa e imensa imagem de um momento
Granítico tormento a vida traz
E quando ainda vejo o passo audaz
Nem mesmo alguma luz traduz alento,
Pudesse libertar meu pensamento,
Porém a vida dita em tom mordaz
O quanto do passado mata a paz,
E assim sobrando apenas sofrimento.
No fardo que carrego, uma esperança
A morte com terror adentra e avança
Denigre cada face dita o nada,
E o parto que se aborta em tal vazio,
Em versos minha senda assim desfio
Traçando em tez sombria a madrugada.

34619

As ondas bebem praias e se vão
Espumas de uma vida já desfeita
E quando a realidade assim se aceita
Nem mesmo outros momentos, mesmo não
E quando se pensara em solução
A fúria do vazio se deleita
A morte redentora sendo feita
Nos ermos de uma torpe ingratidão,
Razões entre diversas para crer
No fim anunciado e passo a ter
Apenas um sinal do que pudesse
Trazer ainda um brilho ou qualquer luz,
Mas quando me percebo em farto pus,
Esqueço este caminho em tola messe.

34620

Misturam-se cenários mais diversos
E neles os matizes grises sinto
Tomando toda a força e por instinto
Percorro novas sendas, vãos imersos,
E tanto poderiam universos,
Porém o meu caminho vejo extinto
E quando no vazio inda me tinto
Os passos quando os dou, sinto-os dispersos.
Rasgando a minha pele esta corrente
E nela esta vergasta se apresente
Gerando esta terrível cicatriz,
O mundo imaginário, torpe senda,
Apenas o vazio ainda atenda
Traçando no final o que eu não quis.

34621

Ouvindo da esperança seus acordes
Tentando desvendar algum futuro
No quanto de mim mesmo inda procuro
Diverso do que tanto inda recordes
Ainda quando mesmo não concordes
Esculpo do passado e me amarguro
No passo feito em trevas, eu perduro
Vivendo em medonhos desacordes
Adentro os funerais sei dos velórios
Os dias sempre foram merencórios
E neles sou escória e nada mais,
Vagando sem destino sigo enfim
Buscando o que inda resta e sei no fim
Apenas bebo torpes vendavais...

34622

Solenes noites vagas ilusões
E quando relembrando cada fato
Aonde sem saber inda retrato
Em velhas e insondáveis expressões,
Ainda longe sinto estes verões
E o gosto do passado já desato
No fardo carregado quebro o prato
Olhares em venais exposições,
A marca da existência em dor e pranto
O quanto inda pudera ver e canto
Apenas os meus ermos, nada além.
Sentir desta promessa uma inconstância
O passo rumo ao nada em discrepância
Vazio cada dia me contém.

34623

As cores do poente vejo além
E tento acreditar noutro momento,
Mas quando a noite trama o desalento
Apenas o terror invade e vem
O quanto do que fora tento alguém
E quando novo tempo ainda invento
Dos tantos dissabores me alimento
E sei quanta esperança diz desdém,
Recebo o vento frio desta noite
E quando me percebo em franco açoite
Não resta uma esperança mais sequer,
Sangrando dentro em mim o que pudera
Ainda ser talvez a primavera,
Lutando contra tudo o que vier...

34624

Meus olhos refletidos no vazio
As brumas domam logo este horizonte
Bem antes que algum sol inda desponte
As hordas mais sutis eu desafio,
E tento percorrer airoso rio
Vagando desde agora em plena fonte,
Mas quando a cada queda desaponte
Perdendo desta história logo o fio,
Apraz-me perceber ao menos isto,
E assim mesmo sozinho vou, persisto
Tentando acreditar nalguma foz,
Acordo em dissonância e nada vejo,
Ausente de meus braços o desejo,
Há tanto desatados laços, nós.

34625

Volúpias entre noites presumidas
Assim a vida fora em negação,
Perdera desde já embarcação
Deixando para trás as tantas vidas
E nelas não se vendo mais saídas
O corte gera imenso turbilhão
E tendo em minhas mãos outro senão
Não restam mais sequer as despedidas,
Assaz maravilhosa noite morta,
E quando o sol adentra a minha porta
Encontra-me sombrio e nada tenho,
Somente o que pudera acreditar
E assim neste terrível mergulhar
Apenas no não ser eu me contenho.

34626

Aonde imaginara imenso mar,
As ondas se afastando dos meus dias,
Areias movediças e sombrias
Invés desta beleza a se moldar,
No quanto pude mesmo acreditar
E sinto mais diversas agonias
E nelas outras tantas me trarias
Matando cada sonho devagar,
Perguntas sem respostas, nada escuto,
E quando o passo dado bem mais bruto
Transcende à própria sorte, eu me desfaço,
E nada do que tanto desejara
Agora a vida traz porquanto amara
E ocupa em desvario cada espaço.


34627

Ainda que restassem esplendores
Dos tantos que busquei e não sabia
Do vento quando atroz e a melodia
Reflete tão somente os desamores,
Vagando sem caminho em dissabores
Ausente claridade dita o dia,
E quando noutro tom eu tentaria
Apenas desvendar diversas flores,
O rumo se perdendo ausente cais,
Os sonhos belos, raros, magistrais
Imensos pesadelos, noite escusa,
Meu passo rumo ao tanto se desfez
Teimando dentro em mim a insensatez
Da vida tantas vezes mais confusa.

34628

Os passos entre nadas são vadios
Os olhos buscam luzes e não há
Sequer o que talvez pudesse já
Traçar entre cenários desafios,
Reluto quanto mais claros e esguios
Os passos quando a vida negará
A luz a quem deveras sonhará
Deixando para trás tempos sombrios.
Resumo de uma ausência persistente,
Porquanto outro país ou mundo invente
Não tenho mais talvez outra ancoragem,
E sem poder ao menos descansar
A morte se aproxima devagar,
Tomando em mim enfim sua hospedagem.

34629

Aprofundando em mim adaga e faca
O quanto do viver vai se esvaindo
Enquanto noutra face bebo e brindo,
A sorte mergulhara e nada aplaca
A sede desta luta que insensata
Produz apenas frio e nada mais,
O quanto dos meus sonhos são cristais
Realidade chega e tudo mata
Esqueço alguma luz que porventura
Pudesse ainda haver dentro de mim
Ao ver se aproximando assim meu fim
A noite a cada passo se amargura,
E o resto sobre a mesa, pura escória
Reflexo de uma vida merencória...


34630

Pudesse ainda crer nalguma sorte
Após a tempestade, uma bonança
Apenas o vazio ainda alcança
Traçando dia a dia a dura morte,
Sem ter sequer um rio que me aporte
A seca molda assim torpe mudança
E quanto mais o medo ali se avança
Sentindo bem mais fundo o intenso corte,
Resgato vez em quando alguma luz,
Porém outra mortalha reproduz
O quanto poderia, mas extinto,
Galgando uma ilusão, imensa queda
O passo a cada dia já se veda,
E assim na imensa dor eu já me tinto...

34631

Ausente juventude no horizonte
Repete a mesma ausência do passado,
E quando se percebe este legado
Sem ter sequer caminho que se aponte
Porquanto se repete e se desponte
O mundo há tanto tempo amortalhado,
O passo no vazio sendo dado
Por vezes necessito alguma fonte
E embora saiba bem quanto é tardia
A luz que ainda possa me tocar,
Meu corpo; aos poucos, sinto se levar
Nos ermos de uma noite sem o dia,
Vacância de esperança em sordidez
Resulta do que o tempo nunca fez.

34632

Em vários descaminhos desde quando
Soubera ou mais tocara uma existência
E assim ao perceber farta inclemência
Uma esperança sempre sonegando
Não quis outro cenário e me afastando
Do quanto inda pudesse providência
O mundo se tornando em evidência
Penhasco com seu ar turvo e nefando,
As mãos já lapidadas pelo vão
Nos olhos horizonte e meu timão
Há tanto com vigor traçando o norte,
E quem ao se fazer precocemente
Aborta desde sempre uma semente
E aguarda tão somente a sua morte.

34633

Desastre após desastre a vida erguendo
Um muro entre meus sonhos e a verdade,
O quanto do não ser tomando invade
E o tempo de esperança se perdendo
Nos ermos caminhares, nada vendo
Somente a dor amarga e sem saudade
Riscando com a lágrima não brade
O coração espúrio se embebendo
Do fel que me envenena passo a passo
E gera a cada dia outro percalço
Condeno-me à masmorra e ao cadafalso,
Enquanto desta forma me desfaço
Não restam senão brumas e neblinas
Em tardes que eu quisera cristalinas.

34634

No meu jardim há tanto abandonado
Nem sombras do que fora algum cultivo
Apenas, relutando, eu sobrevivo
Trazendo esta mortalha bem ao lado,
O quanto que desejo sonegado,
Dos sonhos e esperanças se me privo
Somente do vazio ainda crivo
O passo rumo ao nada, transtornado.
Angustiosamente o quanto resta
Da torpe desventura dita vida
Não me deixa pensar numa saída
Encurralado ser, leda floresta,
A morte talvez inda me redima
E possa serenar tão turvo clima.

34635

Chegado meu outono, nada trago
Somente esta semente apodrecida,
O quanto inda pudera desta vida
Em sonhos mais dispersos, sem afago,
E o quadro desdenhoso aonde vago
Prepara-me somente esta partida,
E sem sequer pensar em despedida
Das ânsias e dos medos já me alago.
Dos antros mais recônditos desta alma
Nem mesmo uma ilusão sequer acalma
Sombrias noites feitas em procelas
O suicídio aos poucos se prepara
Na turva persistência da seara
Que ainda quando vens, bem mais revelas.

34636

Tentando descobrir qualquer sinal
Do quanto poderia e não redime
Ainda que uma luz ao longe prime
Cenário com beleza sem igual,
O mundo em que caminho assaz venal
Presume a velha cena de algum crime,
E o todo se perdendo não estime
Sequer o quanto possa triunfal,
Dos louros e dos sonhos, meus lauréis
Apenas aspergindo dores, féis
O todo não pudera ser diverso,
Entranho-me nos vagos da existência
E bebo sem sequer sonho ou clemência
Apodrecendo em vida cada verso.

34637

As terras inundadas da esperança
Aonde poderia haver ainda
Cultivo que decerto não mais brinda
O sonho no vazio, enfim se lança,
E quando preconiza-se a mudança
Realidade torpe se deslinda
E o peso do sonhar aos poucos finda
O quanto vive além numa lembrança
A sórdida presença de quem tanto
Pensara noutra cena e em desencanto
Prepara-se somente para o fim,
Acumulando trevas dentro da alma
O féretro dos sonhos já me acalma
Na ausência permanente de um jardim.


34638

As tumbas preparadas desde quando
O mundo noutra face se mostrara,
A estrada na verdade desampara
E a queda a cada instante se formando,
Nos antros dos meus sonhos um infando
Delírio em voz terrível, quase amara,
O corte a cada dia aprofundara
A vida sem defesas se negando,
De tudo o quanto resta uma mortalha
Aos poucos se tecendo dita a gralha
E a velha rapineira em ironia
Sentindo esta carcaça decomposta,
Revoa e aguarda apenas a resposta
Que apenas por momento a morte adia.

34639

Sonhasse com as flores maviosas
Enquanto ainda posso acreditar
Nas ânsias de outro tempo a se formar,
Envolto por carícias, belas rosas,
Mas quando as noites surgem desairosas
E os dias se renegam, posso entrar
Nas ânsias do que tanto vi negar
Gerados pelas sendas pedregosas.
A morte toma conta do que fora
Uma alma muitas vezes sonhadora,
De um tolo e sem sentido jardineiro,
Apodrecidas flores vejo então
E delas não percebo a solução
Esgota-se a esperança de um canteiro.

34640

Meu solo se regando com venenos
Cultivo pelos sonhos abortado,
O quanto poderia ter traçado
Em dias mais suaves e serenos,
Porquanto os passos morrem, são pequenos
O vento se aproxima e desolado,
Resume a inexistência de algum prado
O quanto imaginara em dias plenos
Agora nada resta senão isto
E embora encarniçado, não desisto
E beijo as minhas últimas promessas,
Sedentas ilusões, nada afinal,
Aguardo sorridente o funeral
Acreditando em vidas às avessas...


34641

Um místico caminho em meio às trevas
Pudesse transformar cada momento
Em novo caminhar e em tal provento
Distâncias tão diversas tu me levas
E quando neste sonho tanto enlevas
Gerando cada passo aonde tento
Felicidade ou mesmo um manso vento
Porquanto em minha vida mortas cevas,
Ainda que acredite em novos tempos
Que possam redimir meus contratempos,
Eu sei quando no fim o nada toma
E tudo se transcorre em ar sombrio,
Do sonho mais audaz ora desfio
Esta impressão de ausência em ledo coma.

34642

O tempo devorando algum resquício
Do quanto fora vida e já não tenho,
Aos poucos se perdendo em vago empenho
Cavando com meus pés o precipício,
Ao menos pude ver e desde o início
O quanto na verdade de onde venho
Azeda-se o caminho e em cada lenho,
Entregue sem defesas, torpe vício,
Não quero uma esperança traiçoeira
Nem mesmo carregar torpe bandeira
Gerada pelos medos e inocências,
Após o meu final em podridão,
Apenas um destroço em pleno chão,
Perdendo quaisquer sensos, consciências...


34643


Não tenho qualquer medo de um castigo
Ou mesmo de um inferno imaginário,
Da vida tão somente este corsário
Vagando sem descanso, em desabrigo,
E quando à fantasia ainda obrigo
Um coração deveras temerário,
Talvez um mal terrível, necessário
E nele – uma defesa- inda prossigo.
Eu posso acreditar em redenção
Após a imensa e turva negação
Do que fora clemência em plena vida?
Não quero esta mentira que me alente
Se queres sou deveras um descrente
Que até do próprio ser inda duvida.


34644

O sangue que alimenta a liberdade
A rosa cresce em pútridos cultivos,
Os dias mais sobejos são altivos
Enquanto esta tormenta ainda invade,
Rompendo com terror a imensa grade
Ambíguos caminhares são esquivos
E deles adivinho os vários crivos
Na fúria que decerto ainda brade,
Roubando cada passo rumo ao nada,
A imagem do futuro destroçada,
Regando com meu sangue este canteiro,
No quanto sou apenas jardineiro
E assim ao me fartar em podres cenas
Arando; pois o solo me envenenas.

34645

Levanta-se este peso dito vida
E tenta-se outra forma de ilusão
Vendida pelas ruas a emoção
Há tanto noutra face destruída,
Resumo o que pudesse na partida
E beijo os meus anseios desde então
Rasgando cada capa, se verão
Desnuda uma alma tanto repartida.
Os pés apodrecidos, meu olhar,
Ausentes horizontes, nada além,
E quanto do meu verso me contém
É como num sutil desabafar,
Ousando desnudar-me ao se exposto
Imagem de um ser vil, vão, decomposto.

34646

Proféticos cenários me desnudas
E vês a minha sorte em tramas feita,
E quando a realidade ao longe deita
As horas se prometem, falsas mudas,
Os corpos que carrego, almas miúdas
As mãos ainda tramam a desfeita
E toda a caminhada já refeita
Em sendas mais distantes ora agudas
Expressa o quanto fora em mim sutil,
Mergulho no que tanto se previu
E vejo algum sorriso – em ironia...
A cena desenhada em redenção
Ao fundo se mostrara em podridão
Aonde turva imagem não veria.

34647

Pupilas midriáticas, ardentes,
Vontades e delírios... Ledo engano,
O dia se promete em dor e dano
Porquanto se iludindo também mentes.
Ainda quando em sonhos apresentes,
O mundo se mostrara soberano,
Mas quando na verdade o vejo insano
A faca carregando entre meus dentes.
Espúria madrugada em tez sombria
A sorte quanto muito o tempo adia,
E o fim se aproximando nada deixa
Senão este resquício de um passado
Aonde poderia ter mudado
A voz que ora traduz somente queixa.


34648

Caminhando entre os medos levo a cria
Por sobre os velhos ombros já cansados,
Os dias que deveras são legados
Do tempo onde esta história se recria,
O fardo mais pesado esta agonia
Dos olhos pelo tempo esvaziados,
Os ritos repetidos, os enfados
Sem ter sequer promessa de outro dia,
Nem sombras deixarei por sobre a terra
Que quando abrindo a boca já descerra
Apenas podridão e nada mais
Os versos que imagino, o tempo leva,
Na imensa solidão, temida treva
A vida preparando os funerais...


34649

Tesouros que esperança acumulara
Nas ânsias de um desejo mais feliz,
O quanto da verdade jamais quis
E o tempo sem defesas escancara
A morte prenuncia a sorte amara
E trama outro momento em que desfiz
Cenário mais diverso, gris matiz
Alimentando uma alma em vaga escara,
Restando em funerais escombro apenas,
E quando ainda vens e me serenas
Apenas lenitivos espalhando
Por sobre os meus cadáveres que em vida
Adentram e preparam despedida,
A eternidade aos poucos sonegando.

34650

Luzentes armas trago em minhas mãos,
Tocaias pela frente, velhos dias
E neles entre tantas ironias
Caminhos repetidos, turvos, vãos
E quando se pensara em novos nãos
Ao ver-me quase inerme sempre adias
E tentas com terríveis sincronias
Moldar as minhas trevas, velhos chãos.
Do caos que se gerara dentro em mim,
Apenas o vazio e de onde vim
Não tendo mais sinais de um novo encanto,
Mergulho na defesa dos meus erros,
E sei quanto de mim ditam desterros,
Restando a cada ausência outro quebranto.

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