domingo, 30 de maio de 2010

34651 até 34700

34651

Meus olhos sem saber deste horizonte
Ainda que pudessem crer no fato
Do dia aonde em mágoas me retrato
Ou mesmo outro momento já desponte
Vagando sem saber se existe a fonte
E nela dessedento ou me desato,
Arisco frente à fera, um mero rato
Bebendo a podridão onde se aponte
O passo rumo ao nada de onde venho,
E quanto mais desejo aumenta o lenho
E o fardo de sonhar pesa nas costas,
Meus olhos vagam sós e mesmo assim,
Resisto e bebo até o ledo fim
Em frágeis ilusões tão decompostas.

34652

Olhando quando passam os ciganos
Versando sobre a imensa liberdade
A frágua da ilusão tanto me invade
Desnudam dos meus dias velhos danos,
Os cantos entre tantos desenganos,
O corte mais profundo diz saudade,
E nada do que tento ainda agrade
A quem se fez espúrio em tolos planos.
As sendas mais bonitas, as campinas,
Os prados onde tanto determinas
Os dias que pudessem me trazer
Algum momento mesmo de emoção,
Mas quando vejo e quieto, a direção
Da morte preparando o amanhecer.

34653

Floresce este deserto dentro da alma
Daquele que se fez bem mais mordaz,
E o quanto do vazio já se faz
E nele sem querer a morte acalma,
O tempo mostra apenas cada palma
Do quanto poderia ser audaz,
E mesmo se inda fosse mais tenaz,
A vida não renega o velho trauma,
Vestindo esta fantástica emoção
Durante alguns instantes eu me iludo,
Mas quando me percebo quieto e mudo,
Ausente dos meus dias provisão
Mergulho no passado e me recolho,
Do todo que eu sonhara, vil restolho.

34654

Mananciais de sonhos, luzes fartas
E quando me percebo em tom sombrio,
O quanto do meu mundo em desvario
Jogando sobre a mesa velhas cartas
Assim a cada ausência mais descartas
O todo quando em mim já desafio,
Recebo a solidão do imenso rio
E tento novamente enfim me apartas;
Restando a quem pudesse ser feliz
A face mais atroz e assim desfiz
O quanto se quisera noutra cena,
Minha alma sem saída e sem provento,
Do vago e do não ser se me alimento,
Somente esta mortalha me serena.

34655


As trevas que cultivo dia a dia
Herdade recebida e num legado
O tempo noutro vago renovado
Apenas o vazio inda me guia,
Gerando a minha sorte mais sombria
O peso há tanto tempo avaliado
Nos ermos do que tento do passado
Sabendo que deveras nada havia
Senão a falsa luz em tom escuso,
E quando dos meus passos teimo e abuso
Abrindo esta cratera em que mergulho,
Riscando meu caminho em turbulência,
Do todo aonde tento vejo a ausência
Cenário se transtorna em pedregulho...


34656

Buscando em pleno mar a liberdade
Que há tanto desejara e nunca vinha
Sabia da esperança tola, minha
E quando o dia a dia me degrade
Roubando cada cena onde continha
A sorte desdenhosa e tão daninha
Porquanto já não sei felicidade,
Albergo uma esperança, mesmo vaga,
E quando a noite surge e o tempo alaga
Com fúrias e tempestas meu caminho,
Eu sinto a mesma angústia refletida
No pouco que me resta de uma vida
Gestada neste espúrio e torpe ninho.


34657

Quem dera algum espelho refletindo
Uma alma apodrecida pela vida,
O quanto se pensara e distraída
A sorte noutro tanto gera o findo
Caminho pelo qual nada deslindo
Somente a solidão e quando acida
Resume a minha senda desvalida,
Cratera da esperança, em sonhos brindo.
Restara muito pouco do que um dia
Pensara ser a sombra da alegria
Fugaz que adentraria a minha sala,
Mas quando me retrato e nada vejo,
Aquém do que pudesse ser desejo
Loucura em tempestade me avassala.

34658

Desenvolvendo o mundo em falsa luz,
Revejo a juventude em ares vagos,
E quando beijo a sombra dos afagos
Ainda dentro em mim algo reluz,
Mas quando a realidade trama a cruz
E o tempo seca enfim os torpes lagos,
Revelam-se deveras os estragos
E o todo se transforma em medo e pus.
O cardo costumeiro que coleto
O dia mais audaz, hoje discreto
Dos ritos e dos mitos, funerais.
A porta se fechando e sem saída
Ao longe vejo assim a minha vida
Traçada em riscos tolos e fatais.

34659

Quem dera algum abismo mais suave
E quando me percebo em plenitude
Ainda que este tempo a sorte mude,
O dia a cada ausência mais agrave
Resisto o quanto posso à dura trave
E nela sem saber outra atitude
Sem ter a fantasia que me ajude,
Caminho que o vazio já desbrave,
Deixando marcas fundas, cicatrizes,
E quanto mais atrozes os deslizes,
Os riscos de sonhar não mais pretendo,
Apenas o vazio dita a sorte,
E a boca escancarada espera a morte
Qual fosse a redenção, meu dividendo.

34660

Misturam-se decerto imensidões
E vejo no horizonte mar e céu
Bebendo desta imagem, sigo ao léu
Perdendo desde sempre embarcações,
Vivendo do que fossem ilusões
E nelas outro dia em carrossel
Gerando novamente frio e fel
Colhendo tão somente estes senões.
Restara do que tanto acreditei
A sombra e nela quando mergulhei
Buscando peroladas ostras vãs
Os templos destruídos por remotos
Caminhos entre torpes terremotos
Negaram dos meus sonhos as manhãs.

34661

De todos os abismos que cultivo
Numa alma em podres cenas dividida
Pudesse desvendar uma saída
E quando dos meus sonhos eu me privo
Ainda mal consigo e sobrevivo
Pensando noutra porta sem guarida,
Recebo o dividendo em voz perdida
E tanta solidão aonde eu vivo,
Resume o verso amargo que ora faço
Traduz realidade passo a passo,
Negando qualquer brilho e qualquer chance
Porquanto a face escusa da verdade
A cada novo tempo mais degrade
O sonho que ao vazio a vida lance...

34662

Conhecer os meus tesouros mais recônditos
Momentos em que possa acreditar
Na força incomparável deste mar,
E nele seus caminhos quase indômitos.
Os dias transcorrendo assim atônitos
Os medos entranhando devagar
O risco de viver e de sonhar,
Os versos quietos, mudos quase afônicos.
Resquícios do que fora a inexistência
De um tempo aonde apenas a inocência
Gestara imensurável temporal,
O fardo de sonhar ainda pesa,
E quando se prepara uma surpresa
O dia transcorrendo é sempre igual.

34663

Por séculos e séculos buscando
Algum alento ou mesmo outro cenário,
O mundo mais feliz, imaginário
Agora noutra face, vai nefando
O risco a cada passo se moldando
E tento resistir ao temerário
Delírio resguardado num armário
Por onde as esperanças já mofando
Não deixam que se veja uma alegria,
Resumo o meu caminho em tez sombria
E o parto sonegado, a morte vindo,
O quanto do que tento se esvaindo
Nas mãos de quem pudera preservar
Além deste horizonte o imenso mar.

34664

Vasculho os meus caminhos e ninguém
Concebe o que inda resta da verdade
Há tanto desejada e não mais brade
Jogada pelos cantos com desdém,
Um tempo mais feliz inda convém,
Mas como sonegar a realidade?
Apenas vejo então a ansiedade
Do quanto imaginara muito aquém...
Olhando para trás percebo oculto
O mundo que sonhara e quando ausculto
A voz se renegando à solução
Pereço um pouco mais a cada chuva,
Roseira exposta a fúria da saúva
Mergulho no passado e sigo em vão.


34665

Combates entre tantos, resoluto
Adentro qual corsário em saques, guerras
E quando pouco a pouco já desterras
O mundo que eu sonhara, vivo luto
Rendido sem defesas não reluto
E tento enquanto a porta fechas, cerras,
E todos os destinos quando emperras
Tragando com terror, intenso e bruto.
O carma renegado, o duro enfado,
Herdando cada sombra do passado
Esgueiro-me por entre tais penhascos,
E sinto o quanto possa, mas em vão
Apenas vejo em mim a negação
Do todo imaginário, restam cascos...

34666

Total carnificina no horizonte
Gestando o que seria a liberdade
E quanto mais a podre cena invade
Maior a claridade que desponte,
O tanto que conforte e se confronte
Na fúria onde a verdade se degrade
O gládio temeroso em ansiedade
Gerando a cada dia nova ponte,
A podridão de corpos esmagados,
Os olhos pela fúria estão vidrados
Sonhando com talvez a recompensa
Deixada qual medalha, bala ou missa,
Minha alma se calando segue omissa
E em nada neste instante ainda pensa.


34667

Eternos lutadores do vazio
Exércitos sem rumo, comandantes
Olhando para a sombra em torturantes
Caminhos transformados, desafio,
E vendo este completo desvario
No quanto a cada dia te agigantes
Eu vejo a realidade por instantes
E tento desviar-me deste rio
Em sangue e podridão, duro cenário,
Dizer que este tormento é necessário
É como renegar a inteligência,
Ao menos a mortalha que me cabe
Tecida antes que tudo em vão se acabe
Qual fosse lenitivo ou vã clemência.

34668

Nos olhos implacáveis de quem luta
A sorte desairosa dita o rumo
E quando a minha morte quero e assumo,
A face mesmo atroz e resoluta
Demonstra-se decerto mais astuta
E bebe da inclemência todo o sumo,
Pudesse ser diverso e me acostumo
Embora uma alma aflita nada escuta
E escuda-se em funéreo temporal,
O mundo se repete sempre igual
E o todo se esvaindo em mil pedaços,
Aos poucos noutra senda imaginária
Ou mesmo em face rota e procelária
Eu possa renovar antigos laços.

34669

Numa onda efervescente em frenesi
Nefasta realidade em frio inferno
E quando nas entranhas eu me interno
Encontro cada sonho que perdi,
Qual fosse noutro espaço ressurgi
E deste caminhar agora eterno,
Percebo a discordância em verso terno
Distando-me deveras mais de ti.
Em hordas demoníacas, Satã
Reinando glorioso em tez malsã
Risonho em ironias e sarcasmos
Imensa multidão desnuda em festa,
Imagem que pensara mais funesta
Espalha-se em convulsos, mil orgasmos...

34670

Caronte em festa imensa e regozijo
Bebendo cada gota em louca orgia
Do quando renderia esta sangria
E nela também goles eu exijo
E quando ao Demo um templo em mim erijo
O quadro em noite turva e tão sombria
Reluz e produzindo esta alegria
Na qual e pela qual em sonho rijo
Adentro sem defesas este vão,
E vejo invés de turba evolução
Imagens irreais em cores várias
São tantas legiões, olhos bravios,
A turba insaciável, loucos cios
Refletem sobre mim as luminárias...

34671

Um pária algum mendigo em tom sombrio
Olhando para trás eu me percebo
E quanto mais do nada enfim me embebo
A própria liberdade eu desafio,
Resumo a minha vida no vadio
Caminho em que deveras eu concebo
O mundo com a fúria que recebo
E apenas de outra forma inda recrio
Velhuscas heresias, dias fartos,
As sombras adentrando velhos quartos
Nos goles de aguardente, tanto gozo
A vida se mostrando em realidade
Porquanto a cada dia mais degrade
Uma alma num cenário majestoso.

34672

Olhar que poderia ser mais fero
E traça com sarcasmos, ironia
E quanto mais percebo a hipocrisia
Satã com sua glória, mais venero,
Eu tento perceber o quanto espero
Do que pudesse ainda em alegria,
Resumo o meu caminho em agonia
Somente deste nada eu me tempero.
Ascendo ao mais sublime paraíso
Ao ver em cada dia este granizo
E rendo-me ao que fora mais ingrato,
Sedento da mortalha que se tece,
A ofensa se transforma em minha prece,
E assim da sacristia enfim desato.

34673

Um braço que pudesse vingativo
Erguido neste gládio costumeiro,
E nele com terror o mensageiro
Das trevas dentro em mim deveras vivo,
Dos seus caminhos sigo qual cativo
E bebo o vinho amargo e derradeiro,
E quando nos seus ermos eu me inteiro,
Apenas por enquanto sobrevivo,
Numa alma pacifista, enganos tantos
Somando os meus diversos desencantos,
Arcando com palavras, ditos, rumos,
Escravo dos desejos, ser hedônico
Um passo dado em paz, mas desarmônico
Traduz o que transcendo em raros fumos.

34674

Dos seios torpes, flácido cenário
Desnuda a velha musa desdentada,
E quando se percebe a degradada
Imagem já mofada neste armário
Do tempo aonde tudo é temporário
E o quadro noutra tela desdenhada
A roupa da esperança ora rasgada
Eu sei o quanto o fim é necessário,
Olhando para trás e vendo assim
O todo que restara dentro em mim,
Beijando este cadáver em carne viva,
A sorte dessedenta esta vontade,
Por mais que a fantasia se degrade
A morte redentora se cultiva.

34675

As roupas já puídas da esperança
Retalhos sobre a cama da ilusão
Enquanto novos dias moldarão
O que este olhar deveras não alcança
A morte a cada instante já se lança
E traça a mais dorida direção,
Ainda que pudesse no perdão
Um lenitivo apenas, temperança.
Mas nada do que trago inda permite
Viver além do frágil vão limite
E ter nas mãos o todo já desfeito,
O fim se aproximando a cada instante
O todo num cenário degradante,
E a redenção da morte, assim espreito.

34676

Retorcem-se cadáveres do sonho
Vagando sem destino em ermo espaço
E quando novos rumos inda traço
Num ar quase temível e medonho,
O tempo ao qual decerto eu me proponho
E bebo enquanto aos poucos me desfaço
Resumo esta incerteza passo a passo,
E tento novo prumo, e me reponho
Nos antros mais vorazes e sutis,
Queimando cada traço onde desfiz
O quadro alentador de uma esperança
Enquanto esta mortalha o tempo trança
A parte que me cabe se esvaindo,
E vendo o meu final em rota veste,
O todo que pudesse se reveste
Do podre ao qual deveras inda brindo.

34677

O negro firmamento em turvas cenas
Brumosa esta manhã onde pensara
Na sorte desdenhosa, porém clara,
E ainda quanto vens e me envenenas
As almas com certeza são pequenas
A porta do vazio se escancara
E nada do que possa ainda ampara
Enquanto procurar noites amenas,
Resido no vazio que legaste
E a cada novo tempo outro desgaste
Restando tão somente a morte em gozo,
O templo desabando dentro em mim,
Ausência do que fosse algum jardim,
O mundo se mostrando desairoso.


34678

Qual fosse algum rebanho em desvario
Descendo as velhas tramas da ilusão
Enquanto se procura a direção
A ponte se tornara um desafio,
Além do que pudesse ser um rio
O mar se erguendo em toda esta amplidão
Tramando com voraz satisfação
O extremo caminhar em que desfio
Meu mundo sem sentido e sem proveito,
E quando nos meus ermos eu me deito
Resumo a cada noite a inexistência
De quem se quis além do que pudera
E tento disfarçar velha quimera
Fugindo desta torpe convivência.

34679

Dos sonhos que tivera algum sentido
Resumo na promessa desvairada
A sorte destruída desta estada
E nela não se ouvindo um só gemido,
Restara do rebanho este mugido
E dele esta presença desviada
Por ritos entre luzes e alvorada
Marcando com engodos cada olvido,
Esboço reações embora saiba
Do quanto deste mundo inda me caiba,
Resquício, mero escombro e nada mais.
O verso transgredindo qualquer senso
Transcende na verdade ao que inda penso
Quebrando quaisquer sobras de cristais.

34680

A vida se cobrando em alta paga
Resume o meu passado e meu presente,
No quanto este futuro vejo ausente
Apenas me restando a imensa chaga
Vagando sem destino torpe plaga
No todo que deveras me apascente
O fato costumeiro se lamente
Enquanto esta mortalha ainda afaga
Quem tenta em desafio alguma luz,
Mas sei o quanto posso e recompus
Os ermos de meu mundo nos retalhos
Que erguendo sobre a cama são lençóis
Marcados pelas ânsias de outros sóis
E neles se percebem fundos talhos...

34681

Um dedo tenebroso toca a face
De quem em trevas fez o seu caminho,
Resumo a minha vida em todo espinho
Aonde o meu delírio ainda grasse,
Restando o que pensara noutro impasse
Vestindo as velhas sobras do carinho
No quadro sem censura já me alinho
E tento renegar o que desgrace
O manto denegrido da verdade
E nele com terror e ansiedade
Gestando novo tempo aonde eu possa
Quedar além da pútrida senzala
Minha alma se perdendo em tosca escala
Adentra neste instante a imensa fossa.

34682

De todos os meus mortos, a esperança
Capitaneia as dores que eu carrego,
O quanto ainda sigo sendo cego
Ao fardo do vazio o tempo lança,
Mergulho aonde o nada já se alcança
E dentre tantas mortes eu navego
No sangue qual repasto recarrego
A força inusitada em ponta e lança.
Aprendo a caminhar por entre espinhos
E sei dos meus desvios, bebo os vinhos
Ardentes sensações em falsos risos,
Irônica emoção refaz em festa
Imagem que entranhara e sei funesta
Tentando disfarçar os meus granizos.

34683

Porquanto ao navegar nestes vazios
Sonhando com arroios e ribeiros,
Os dias entre tantos, corriqueiros
Marcando com terrores velhos rios,
Ainda se percebem tênues fios
E neles os meus versos mais ligeiros
Os tempos de outros tempos mensageiros
Adentram os completos desvarios.
Aportam-se nos sonhos mil demônios
E quando se percebem pandemônios
Aonde a calmaria se quisesse
Não resta sequer mais algum momento
Cevado nas entranhas de um alento
Negando ou transformando qualquer prece.

34684

Audacioso passo rumo ao nada
A velha face esgota a realidade,
O peso mais cruel de cada idade
Teimando em renegar outra alvorada,
Ainda que pudesse crer florada
Apenas este inverno que degrade
Ainda bem mais forte, teime e brade
Deixando para trás qualquer estrada.
Esquivo-me dos vãos e tento ainda
A sorte aonde o mundo goza e brinda
Em falsos ritos, velhos e mesquinhos,
Os tantos versos feitos sempre em vão
Levando o meu caminho em exaustão
Destroem quaisquer portos, rotos ninhos.

34685

A fronte já nevada pela vida
Em sulcos demarcados, rugas, cortes,
E assim ao se sentir diversas sortes
E nelas cada passo se duvida
Gerando a persistência onde vivida
História feita em dores, sombras, mortes
Ainda que deveras me confortes
Não tenho e nem procuro mais saída.
Um bêbado caminha em noite vaga,
Somente a solidão ainda afaga
E trama esta sarjeta costumeira,
Esgueiro entre os bocais, bares e sonhos,
Os ritos que inda escuto mais bisonhos,
A morte aos poucos vejo e já se inteira.


34686

Percebo nos teus lutos esta ausência
Do quanto inda pudera ser a luz,
E quando a mesma imagem reproduz
E nela se percebe a consistência
Do quanto não gerara a convivência
E tantas vezes louco em vão me opus
E sei que quando vista em contraluz
A morte representa uma clemência.
Partir e deixar nada por legado,
A voz já se calando e sem recado
Algum que se aproveite, traz enfim
Apenas persistência de um vazio
Aonde a cada verso eu me recrio
Desnudo um pouco mais do quanto em mim.

34687


A pérfida lembrança de outro dia
Vestido em ilusões, a mocidade
Ainda quando em sonhos alto brade
Não deixa que se veja a hipocrisia
Do tempo onde deveras já se urdia
A merencória imagem que degrade
E quanto mais a fúria enfim invade,
Maior o temporal, a ventania.
Assisto à derrocada do meu sonho
E quando um tempo amargo eu me proponho
Gestado pela fútil palidez
De quem pensara outrora renascido
O quanto se perdendo em vago olvido
Demonstra o quanto a vida já desfez.

34688

Amante da ilusão, beijando a morte,
Na velha traição tão repetida
Perdendo qualquer termo vou sem vida
Sem nada que deveras me suporte,
Ausência de caminho dita o norte
E quando esta presença vejo urdida
Nas ânsias mais ferozes, dividida
Estrada sem saber do que comporte
Algozes caminheiros, vis mendigos
E neles encontrando os meus abrigos
Restando em noite escusa a embriaguez,
O tanto que pudera e nada vinha
A sorte desdenhosa sendo minha
Traçando a mais completa insensatez.

34689


Um sorriso supremo de ironia
Extremos caminhares por vazios
E sinto ainda vivos os vadios
Momentos onde incauta poesia
Vivera com terror farta alegria
E agora ao perceber tantos desvios
Os mantos mais sobejos são sombrios
E sei que na verdade nada havia,
Senão a mesma face decomposta
E nela nova senda a ser proposta
Marcada pela mesma virulência
E assim ao perecer um pouco mais
Exposto aos mais terríveis vendavais
Perdendo o que restara de inocência.

34690

Doçura de um tormento em julgamento
Dispersa realidade dita o tom
Do quanto poderia ser tão bom
E a vida nega sempre este provento,
E quando deste podre me alimento,
Encontro dividido sonho e dom,
Ausência de carinho, ledo som,
O parto se renega em vil fomento,
E sendo a vida assim, somente insisto
E sei o quanto posso se persisto
Medonho e caricato, resto apenas
Convivo com mortalhas costumeiras
E tanto quanto posso ainda esgueiras
Enquanto ao longe foges e inda acenas.


34691

A vida se desfila em minha frente
Nas ânsias e desejos mais sutis,
E quantas vezes mesmo o quanto eu quis
Pudesse noutra face imprevidente,
Por mais que ainda veja ou se pressente
Momentos delicados e gentis
No amor a imensa chaga e a cicatriz
Deixando cada corte ora evidente
Prenunciando alguma sorte além
E quantas fantasias sempre têm
Quem mais deseja além deste segundo,
O tanto que te quero e não mais vês
O amor gerando assim a insensatez
Na qual a cada instante me aprofundo.


34692

O tempo este infiel e traiçoeiro
Trazendo nos seus braços a esperança
E quando se procura com pujança
O sonho se esgueirando, vai ligeiro,
Adentro outro cenário, e verdadeiro
Caminho aonde o todo já se alcança
Permite o penetrar da fria lança
Matando o que pudesse ser tinteiro,
Matizes mais diversos, noite afora
O medo aonde o sonho já se ancora
Transcendendo à vontade mais feroz,
Ausento-me dos sonhos quando acordo
E assim dos meus anseios se recordo,
Silente falta à vida a viva voz.

34693

Pudesse ainda crer no desatino
Que tanto me guiara em juventude
A vida noutra face desilude
E todo o meu caminho cristalino
Aonde se pudesse e me fascino,
Realizando em sonhos a atitude
Que tanto ainda possa e me transmude
Deixando para trás diverso tino,
Realçam-se caminhos discordantes
E vejo ainda agora os dissonantes
Delírios entre tantos que eu buscara.
Apenas o que tento move o dia,
E a morte noutra face se faria
Porquanto a realidade nunca é clara.

34694

Navego e enfrento as ondas mais bravias
E tento desvendar velhos segredos,
Os dias entre tantos, mortos, ledos,
Apenas o vazio propicias,
Amar e ser feliz se inda querias
Vestindo com ternura tais enredos,
Os mansos caminhares ditam medos
E os olhos entre as noites mais sombrias
Procuram qualquer luz que ainda alente
Porquanto a sorte atroz jamais contente
Deseja muito mais que um só momento,
Assim entregue ao fardo do viver
Mergulho nas entranhas do meu ser
E sorvo esta ilusão raro fomento...

34695

Quem dera se lançando-me nos ares
Em alas sonhos almas, sensações...
No quanto do vazio ainda expões
Diversos dos meus cantos, vãos altares
E ainda cevo em mim tantos pomares
E neles entre tantas emoções
Os dias se tramando em negações
Por mais que ainda teimas em sonhares.
Escusas mais freqüentes, desairosas,
E nelas não se vendo cravos, rosas,
Canteiros que cultivo não traduzem
Sequer os meus anseios nem os quero
No quanto poderia fui sincero,
Porém os meus momentos não reluzem...

34696

De todos os meus sonhos, peregrino
Buscando alguma fonte que inda possa
Trazer à realidade o quanto adoça
A vida pela qual me desatino,
Vestindo as velhas roupas do destino
E tento mesmo quando em vão palhoça
Cenário mais audaz aonde roça
O pensamento quando me alucino,
Resumo em verso e sonho esta inclemência
Do amor e da esperança, leda ausência
E o parto sonegado em vil aborto,
Abrolhos no canteiro, nada mais,
E o quanto deseja em magistrais
Delírios encontrando um semimorto.

34697

Divino caminhar em noite mansa...
O quanto poderia acreditar
Nestas promessas falsas do luar
Aonde nem a luz sequer alcança,
O tempo desejando outra mudança
E nada do que posso inda encontrar
Tramando novo sonho, a divagar
O olhar em desespero ao nada lança
E sorvo esta terrível fantasia
E nela cada sonho se recria
Gestando o que pudesse ser ainda
A sorte mais atroz ou mesmo vaga,
A morte se aproxima e dita a chaga
Enquanto uma esperança em vão deslinda.

34698

Uma manhã me abraça, inutilmente,
O tempo diz mudança e o temporal
Aproximando volta ao seu normal
A vida que este sonho trama e mente.
Percebo a sebe amarga e um penitente
Adentra tolamente imenso astral
E vaga sem destino, em desigual
Caminho feito em dor rara e inclemente.
A sorte desairosa dita o rumo
E quando para o nada eu me acostumo
Vencido pelas ânsias de um desejo
E dele se desnuda a realidade
Mostrando a falsa imagem que me agrade
Qual fora tão somente algum lampejo.

34699

Um corpo exposto e morto em desvario,
Vontade de sonhar e não podendo,
Um mundo imaginário se perdendo
Nas ânsias deste imenso e amargo rio,
Encontro os meus delírios e recrio
O quadro que sonhara em estupendo
Momento, mas aos poucos vem se erguendo
Estúpida verdade em tom nefasto,
E quando deste encanto eu já me afasto
Voltando à minha ermida costumeira
Uma ave em liberdade alçando espaços,
Seguindo dos seus cantos, ritos, passos,
Minha alma sem sentido em vão se esgueira...

34700

Estéril caminhar em vagas sendas
E tento algum sorriso, mesmo falso,
A cada dia penso outro percalço
E nele com certeza não entendas
Os sonhos entre torpes, foscas vendas
O mundo se transforma e vou descalço
Cevando a cada passo o que realço
E nada do que busco inda desvendas,
Acendem-se faróis e posso ver
Ao fim do duro e tosco entardecer
Alguma luz ao menos no horizonte,
Inúteis caminhares vida afora,
O quanto desta tênue luz decora
Estrada aonde o sonho inda desponte.

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