domingo, 20 de junho de 2010

37781 até 37800

1

Enquanto foste glória e eu o declínio
Enquanto foste flórea e eu inverno
No olhar por vezes fero ou tanto terno
Aos poucos já perdendo algum fascínio,
E quando percebera o teu domínio
Em novas direções, agora externo
E quando na verdade; morto, hiberno
Não quero mais ouvir teu vaticínio
Tivesse em minhas mãos algum poder
Talvez não fosse assim, mas o que faço?
Errático na vida um mero passo
Ausente do que fora algum prazer,
Tramando apenas morte, o que me traz
Angústia de um final, somente em paz.

2

Fazendo mais tranqüilo o derradeiro
Caminho para o qual já me preparo,
No solo ora se abrindo, último amparo
Certeza de ser meu; único e inteiro,
E quando muitas vezes garimpeiro
Em busca da amizade, prêmio raro,
Aos poucos com ternura me deparo,
O chão nunca seria traiçoeiro.
Nos leitos que eu vivi; pedra cetim,
Momentos tão diversos dentro em mim,
Do sórdido vazio à bela alcova
Agora no final, com mansidão,
Aguardo a mais completa escuridão,
Neste conforto eterno em minha cova.

3

Análises e sínteses da vida,
Momentos discrepantes, mas iguais,
Os vários e terríveis rituais
Uma alameda, um beco, uma avenida
E agora a pressentida despedida
Em ritos tão medonhos, funerais,
Certeza de saber do nunca mais
Verdade derradeira sendo urdida.
Olhando para trás, já nada vejo,
O fim em paz ou guerra é meu desejo,
Alento; finalmente, encontrarei.
Do nada onde surgi retorno agora
Somente no final alma é senhora
De algum recanto meu na imensa grei.

4

As podres ilusões; já não carrego,
O vago se aproxima e nele entranho,
Enfim ao fim da tarde tenho um ganho,
Um derradeiro mar; em paz navego.
O quanto nesta vida ausente e cego,
O olhar sempre distante e quase estranho
O mundo aonde eu quis por ser tamanho,
Agora em mera cova enfim me entrego.
A sórdida figura de um passado
Há tanto pelo sonho abandonado
Cadáver toma a forma finalmente,
Da pútrida paisagem que apresento,
Sem medos ou terrores, sem lamento,
O pouco que restara enfim se ausente.

5

Carnívoros comparsas do festim,
Aonde sou servido em mesa farta,
Enquanto a vida além; sinto, se aparta
O resto decomposto existe em mim,
E chego mansamente ao ermo fim,
O quanto em esperança já descarta,
Do blefe feito em vida, última carta,
Aceso e sem ter volta este estopim,
O solo vai se abrindo e me recebe
Sabendo ser ali, única sebe
Aonde poderei ter meu descanso,
Depois deste vazio feito em vida,
Sem lágrimas, sem dor ou despedida,
A plenitude; em nada, agora alcanço.

6

Das serpes que em Jardins tu já criaste,
Ou mesmo dos demônios que cultivas,
Imagens do passado, mais altivas
Agora no final, mero desgaste,
Quem segue o seu caminho, um velho traste,
Palavras derradeiras; sei que vivas,
Depois de tantas horas, vãs, cativas
Adentro este vazio e mal notaste,
A perda dos meus cais, a sorte inerte,
O quanto fora nada se reverte
E ao pó eterno volve em placidez.
O túmulo cevado com ternura,
Agora em mansidão já se procura
E o pouco que foi vida se desfez.

7

O quanto fora em vão e agora sinto
Aos poucos se eximindo de uma sorte
E tendo no final, raro suporte,
O olhar ausente e o sonho eu vejo extinto
Um gole deste mago e bom absinto
Momento derradeiro me conforte,
E vejo a promissão na doce morte
E finalmente a paz; tento e pressinto.
Além já não vislumbro qualquer chance
E quanto mais ao fim minha alma avance
Percebo com total serenidade
A face desdentada dos parceiros,
Talvez no meu viver, os meus primeiros
Aonde este banquete me degrade.

8

Não vejo com angústia o derradeiro
Caminho que perfaço rumo ao nada,
A pouca vida agora abandonada,
Encontro o meu destino em tal canteiro,
E quando imaginara o verdadeiro
Sentido desta vaga e leda estrada
A morte, noutra face, abençoada
Traduz o meu caráter passageiro.
Dos ermos retornando ao mesmo vão
O pouco que inda resta é refeição
À terra de onde vim, e hoje mergulho.
Ausência do começo ao ermo fim,
Oferecendo à vida este festim,
De algum ato mais nobre, um raro orgulho.

9

Não tenho medo e mato algum temor,
Apenas reconheço o meu vazio,
E quando o meu cenário; aqui desfio,
Entranho nas veredas; desamor.
Não levo nem deixara muita dor,
Somente este caminho ledo e frio.
Percorrera sem luta ou desafio
Raríssimos momentos de calor.
Clamores mais diversos? Não os tive,
E quase mesmo nada inda retive,
Não levo uma lembrança ou sequer mágoa
Um ledo passageiro que se embarca,
Não deixa sobre a terra qualquer marca,
Apenas apagando a frágil frágua.

10

Não tenho nem realço uma desgraça,
Tampouco algum sorriso meritório,
O pouco que inda resta é ilusório
Meu corpo se esvaindo qual fumaça.
O tanto que sonhara? Tudo passa.
Não posso nem dizer que fora inglório
Talvez tão meramente merencório
A pálida figura em erma praça.
Agora me redimo, ou pelo menos,
Ao perceber momentos mais amenos,
E neles ser um pouco ou muito mais
Do que já fora outrora, um vago zero,
Tranquilamente e em paz, somente espero
Os derradeiros passos, funerais.

11

Não tenho as ilusões que me vendeste
De um mundo após o nada onde tivera
Sem ter jardim, ausente primavera
O todo que eu conheço; apenas este.
Nos deuses e demônios que tu creste
Figuras tão diversas, mesma fera
Apenas o vazio já me espera,
Diverso do que em sonho conheceste.
A falta de lembrança me alivia,
Quem nunca conhecera a fantasia
Tampouco da agonia foi parceiro,
O nada meramente respirando,
Num mundo nunca agreste nem tão brando
Começo, meio e fim; mesmo canteiro.

12

Se cabisbaixo eu sigo e nem reparo
Nas cenas deste vão cotidiano,
Não levo nem paixão nem desengano,
Não quero nem suporte ou desamparo,
Um cão que já perdera há muito o faro,
Um ser sem ato nobre, ou tolo e insano,
Não tive mais coragem de ter dano
Tampouco algum momento turvo ou claro.
Passando pela vida e tão somente,
Redimo o meu vazio na semente
Que fartará no fim, única festa,
O corpo se entregando sem defesa
Talvez num ato raro de nobreza
Que alguma serventia em mim atesta.

13

Total indiferença; nada tenho
Senão a mesma marca quase humana,
Minha alma do vazio não se ufana,
Não fora impaciente nem ferrenho,
Apenas retornando de onde venho
Paisagem mais alheia que profana,
O nada noutra face não se empana.
O zero traduzindo o desempenho
De quem se fez ausente e desta forma,
Na ausência novamente se transforma,
Resgate de uma vida inútil, vaga.
O solo que me dera esta existência
Agora com fatídica inclemência
De novo, com furor, o resto draga.

14

O inverno toma conta dos meus dias,
E sei que após o fim desta estação
Somente encontrarei a podridão,
As horas não serão jamais vazias.
Sem mágoas, sem temores e agonias
Os tempos em total fastio irão
Ao confirmarem logo a negação
Inconsistência tola em sacristias.
Preparo esta saída desde quando
No início de meus dias, renegando
Qualquer consolo após minha partida.
Sem chamas nem a glória em paraísos,
Às trevas eternais sem prejuízos,
Na tradução perfeita de uma vida.

15

Edênicos e hedônicos, diversos,
Porém mesma faceta do pecado,
O fim desde o começo anunciado
Ditame soberano em universos,
Não cabem na crueza dos meus versos
O sonho desde sempre sonegado,
O fardo de viver, não compensado,
Os dias entre dias; vão dispersos.
Meu leito como um túmulo, eu declino
E sei quanto se mostra este destino
Resgate do que um dia recebi,
Se nada deste tanto usufrui
Tampouco com terrores me alucino,
A sombra se perdendo? Ora; eis aqui.

16

Uma ávida e também incontrolável
Cratera me levando a cada instante
Ao nada aonde o brinde se garante,
Num ato tão cruel e renovável,
Um ciclo; reconheço, interminável,
A vida na verdade esta farsante
Enquanto se desfaça degradante
Noutro caminho agora é mais louvável.
E como fosse um elo da cadeia
Começo permitindo outro começo
Após a podridão, meu endereço
Transfere-se ao submundo que rodeia
E dele noutra rota se refaz
Num ato nem feliz e nem mordaz.

17

O tempo vai se haurindo mansamente,
Depois já não terei qualquer lembrança
Sequer de ter havido uma esperança
Ou mesmo do terror que se apresente,
Um elo tão somente da corrente,
Enquanto o tempo adentra e sempre avança
Assim do corpo apenas a mudança
Do que resiste aqui, eternamente.
Meus filhos são deveras o que fiz
Não sendo nem mais triste nem feliz,
Apenas passageiro e nada além,
O todo aonde o orgulho em vão se atira
No fundo é meramente uma mentira,
Do nada o mesmo nada ao fim já vem.

18

A terra se oferece qual matrona
E dá do leite farto a quem precisa,
Porém quando esta fera se matiza
E desta dama nobre ora se adona,
Aos poucos os sentidos; abandona
Gerando tempestades desta brisa,
E quanto mais em fúria, a Terra avisa,
Conduta desta raça desabona.
Numa insistência tola, deuses bons,
Dominam pensamentos em seus tons
Justificando enfim tanta mentira
Resgate após a vida? Uma falácia,
Ao ver esta canalha em sua audácia
Bem mais que o sacro leite se retira.

19

O sexo dominando a natureza
Do pólen ao esperma, é sempre assim,
Renovação se faz neste festim,
E nisto não se vê qualquer surpresa,
A podre consistência sem nobreza
Da raça que domina e sela o fim,
Transforma o natural e diz enfim
Pecado, ou heresia tal certeza.
Os donos do perdão e dos pecados,
Vestidos de bufões, engravatados,
Ousando interferir nesta matéria,
Gerando a vara e o açoite onde há prazer,
Hipócrita canalha eu passo a ver
Deste ato mais sublime, uma miséria?

20

As marcas deste sangue inutilmente
Jogado sobre a Terra, ainda vejo
E quando mais a paz enfim almejo,
Maior a fúria intensa que apresente
A súcia apodrecida se apresente
E torna qualquer passo em vil desejo,
E espalha sem juízo, pena ou pejo
A face mais escusa e incoerente.
Em nome dos seus deuses e demônios
Pensando nos poderes, patrimônios
Transformam em total carnificina
Esgoto perambula sobre o solo,
E neste olhar escuso, feito em dolo,
O gozo em mortandade o alucina.

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