sábado, 24 de julho de 2010

42801 até 42900

1
Não tendo amor que se implora,
Nem tampouco quem me dera
Um amor em primavera
Traduzido desde agora
Nada resta ou se demora,
Tempestade, o tempo gera
Mantendo viva a fera
Que aos poucos me devora.
Pois amar sem ser amado
É consumir em pecado,
Numa ardência já sem fim,
Conhecendo o inferno em vida
Tão somente a despedida
Inda existe viva em mim.
2
Nem tendo vida que atina,
Nem sorriso que talvez
Mudaria o que tu vês
E deveras desatina,
Cambiando a minha sina
Quem me dera a lucidez
Ao invés da insensatez
Que esta sombra determina,
Caminhando peito aberto
Procurando e não desperto
Mais vontades em ninguém
O meu passo se perdendo,
Sou agora este remendo
Que saudade e a dor contêm.
3
A minha viola clama
Por quem foi e não voltou,
O que agora me restou
Na verdade mero drama,
O caminho desta trama
Noutro tanto desfiou
Quase nada do que eu sou,
Traduzindo em fátua chama,
Incertezas tomam tudo,
E se ainda tento e iludo
O meu coração se cala,
Procurando algum detalhe,
Antes que a sorte atrapalhe,
Da saudade a alma é vassala.
4
Tanto medo sem motivo
Tanta história pra contar
Sob as tramas do luar,
Pelo menos sobrevivo
E prossigo e não me privo
E consigo até sonhar,
Quem me dera imaginar,
Mas apenas sou cativo.
O meu rumo representa
Solidão, medo e tormenta
Nada além deste vazio,
E quando procuro a paz
Outro engano então se faz
E meu passo eu não recrio.
5
Eu garanto pro senhor,
Pra senhora e pra platéia
Coração mudou de idéia
Já não quer saber de amor,
Outro dia, num favor
A minha alma quase atéia
Noutro tempo esta plebéia
Esperando o redentor
Caminhar que me permita
Uma vida mais bonita
E quem sabe até pudesse
Fosse um dia mais feliz,
Mas o mundo isto não quis,
Mesmo em reza, jura e prece.
6
Que, por mais que esteja aqui
Na verdade nunca veio,
O seu passo segue alheio,
Tanto amor eu concebi,
Desde o dia em que parti
Noutro rumo e devaneio
No meu sonho me incendeio,
Mas a sorte eu nunca vi.
Sigo assim na solidão,
Pelas tramas do sertão
Sem ninguém que inda me queira,
O meu canto, um passarinho,
Vai morrendo e busca um ninho
Com a amada companheira.
7
Nunca mais incomodou
Quem decerto já sabia
Desta estrada tão vazia
E do rumo que tomou
Quem num sonho clareou
E pensou ser novo dia,
Quando enfim a hipocrisia
Nos meus braços mergulhou,
Nada resta nem o sonho,
E se tanto eu me proponho,
No final não sobra nada,
A serpente dando bote,
Coração já se desbote
E não veja outra alvorada…
8
A gente tem, com certeza
A vontade de chegar,
Passo sigo devagar,
Enfrentando a correnteza,
Vez por outra com destreza
Morte tentando enganar,
No final nada a encontrar
Neste mundo sem surpresa.
Resumindo em verso e canto
O que busco e te garanto
Jamais pude ter coragem,
De seguir conforme dito
Este sonho no infinito,
Cada dia outra miragem.
9
Um pé atrás; sigo em frente,
Enfrentando de mansinho
Qualquer tombo no caminho
Ou delírio que apresente,
Neste rumo incontinente
Vou tentando e com carinho
Encontrar e me avizinho
Deste sonho mais contente,
Na verdade nada havia
Era só bijuteria
O que um dia pensei jóia,
A minha alma segue em vão,
E conhece a solidão,
No vazio, vaga e bóia.
10
Mas, em toda esta vontade
De seguir eu não consigo
Encontrar um braço amigo,
Só terror que me degrade,
Vou sonhando com saudade
E talvez mesmo comigo
Eu não tenha nem abrigo
Nem noção; digo a verdade.
O meu rumo está perdido,
Se este amor não faz sentido,
Como posso caminhar,
Sendo a vida solitária
Busco minha luminária,
Resta apenas o luar.
11
Vivendo a vida tão prosa
Sem paragem nem sossego,
Qualquer coisa diz apego
Nesta sina caprichosa,
A palavra é perigosa,
Tanta coisa eu não renego,
Ando feito um cabra cego
Numa estrada pedregosa,
Procurando algum remanso,
Mas jamais paro e descanso,
Sigo assim desde menino,
O caminho é traiçoeiro,
Num amor feito espinho
Desarvora o meu destino.
12
Tendo esse olhar mais perdido
Nas estâncias mais distantes
Onde quer e tu garantes
Já não faz qualquer sentido,
O meu passo decidido
Entre pedras e brilhantes,
Ruas belas e inconstantes,
No segredo distorcido,
A ventura desta vida
Preparando a despedida
De quem tanto quis; e nada.
Outro dia poderia,
Mas a noite segue fria,
Sem a lua, em vão, nublada.
13
De menino, ele assombrava,
Coração sem ter juízo
Acumula prejuízo
Na esperança mal se lava,
Cada passo vira trava
Onde tento ser preciso,
No final perdendo o siso,
Nada mais eu encontrava,
Tão somente a dor imensa,
Sorte amarga não compensa
E se tento algum alento,
No final de cada queda,
Noutro rumo se envereda,
Nele um novo sofrimento.
14
Quem passasse no caminho
De quem tanto quis a vida
Ao sentir bala perdida
Da esperança feita espinho,
Percebendo quão daninho
O cenário desta lida,
Preparando a despedida
Sem ternura e sem carinho,
A viola desconsola
A saudade entra de sola
E no fundo, sigo assim,
O meu peito não descansa
Guarda apenas na lembrança
Um amor que sei sem fim.
15
Nunca que ele quis verdades,
Esquecendo desta sorte,
No final sem ter seu norte,
Erra em tolas falsidades,
E deveras quando invades
E talvez algo o conforte,
Com certeza não comporte,
Vive atrás de suas grades,
Coração de um sertanejo,
Tanto sonho enfim desejo
E se perco a minha estrada,
Vago à noite sem destino,
Qualquer coisa eu me fascino,
No final não resta nada.
16
Mesmo que andasse distante
Do luar onde eu te vi
Todo amor que existe aqui
Noutro rumo, doravante,
No que tanto já me espante,
O cenário eu percebi
Traiçoeiro e me perdi,
Cada passo noutro instante.
A verdade é dolorida,
Mas assim a minha vida
Passa além do que eu sonhara,
Noite escura já sem lua,
Perambulo pela rua,
A manhã não será clara.
17
Criado por quem não dera
Um segundo de atenção,
Nas cordas do violão,
Minha vida se tempera,
Lua cheia na tapera,
Na janela ou no portão,
Onde haja coração,
A saudade degenera.
O ponteio destas cordas,
É melhor quando te acordas
E me ouvindo noite afora,
Serenata em lua cheia,
Esta noite se recheia
E a saudade vai embora.
18
Sem ter noção do pecado
Nem dos erros que eu pudesse,
Nem por reza, nem por prece,
Procurando outro legado,
Se o meu mundo segue errado,
Coração nunca obedece,
Outro rumo já se tece
Noutro passo, um novo fado.
A morena na janela
O meu peito se revela
Sonhador e não tem jeito,
Solitário aventureiro
Dos canteiros jardineiro,
Mas sozinho quando deito.
19
Qualquer coisa que se apronta
Nessa vida tem a paga,
A saudade nunca apaga
Do passado dando conta,
O que a vida não desconta,
Nem temor, rancor ou praga,
Aumentando sempre a chaga
Alma segue quase tonta,
Nas histórias mal contadas
Outras tantas inventadas
Vou levando o meu caminho,
Roseiral já não brotando,
O que vejo vez em quando
Só me traz pedra ou espinho.
20
Nem adivinha o futuro
O cigano coração,
Vai errando a decisão
Que decerto inda procuro,
Se nos erros eu perduro,
E não vejo solução
Cada passo diz do não,
Neste chão que é sempre duro,
Meu arado não se cansa,
Mas decerto uma esperança
Já não mata minha fome,
A colheita sem proveito
Tão sozinho quando deito,
A saudade me consome.
21
Sendo feito de garrucha,
A verdade que me deste,
O meu canto vira peste
Esperança toma ducha,
A saudade, velha bruxa
Toda noite me reveste,
Deste amor demais agreste
Para o fim deveras puxa,
E o caminho que eu pintara
Com a cor suave e clara
Hoje fica mais escuro,
Tanto brilho que eu queria,
Mas inútil poesia
Já não traz o que eu procuro.
22
A caneta que escrevia
Neste campo, feito enxada,
Cada nova terra arada
Produzindo a poesia,
Nesta lida dia a dia,
Do começo da alvorada
Até noite anunciada,
Nada vale quem porfia.
O meu canto traiçoeiro,
O meu mundo, meu canteiro,
Na colheita sem proveito,
E o final da vida eu vejo
Bem distante do desejo,
Solidão aro em meu peito.
23
Se esfregando na saudade
Na procura de quem possa
Cultivar a mesma roça
Num caminho em liberdade,
Nada trago na verdade,
Outro passo não se endossa,
No final restando a fossa
Onde sonho ainda invade
Na certeza deste fato,
Vai secando o meu regato
Só resgato solidão,
O meu canto não se cansa
De trazer nesta lembrança
Dia triste; amargo e vão.
24
Pele dura acostumada
Com os calos da lavoura
Neste sol que tanto doura
E nos eitos de uma enxada,
Vou seguindo a minha estrada
O rastelo, uma tesoura,
Outra pedra além se estoura
Abrindo nova empreitada,
Incerteza de outro dia,
Cada passo não fazia
Nem por conta do viver,
Sol a sol, cigarro e palha,
Esperança então se espalha
No horizonte a se perder.
25
Sem medo de bala ou faca
Nem tampouco de conversa,
A verdade desconversa,
Mas a fome não se aplaca,
Coração quando se empaca
A saudade é mais perversa,
A cachaça, a dor dispersa,
Mas a vida não emplaca.
Resumindo a minha história
Num momento sem vitória
Desalento não tem fim,
Onde a vida poderia
Já trazer outra alegria,
Nem florada no jardim.
26
Sem temer Deus nem diabo
Prosseguindo vida afora,
A saudade se devora,
Dela jamais dando cabo,
Pouco a pouco então desabo,
Neste chão que desarvora,
Tristeza não vai embora
O passado mostra o rabo,
E eu me perco na labuta,
Quanto mais a gente luta,
Nada tem no fim do mês,
A viola abranda a dor,
Mas que vale um sonhador
Quando o mundo se desfez?
27
Fincando o chão com a estaca
Da esperança que inda resta,
Aproveito qualquer fresta,
Mas a dor já vem e ataca,
Meu olhar ali se empaca,
A saudade nunca presta,
Aparando alguma aresta,
Esta vida, uma bruaca.
Na cumbuca mais vazia,
Outra mão já se metia
Procurando no palheiro,
Mas no fundo espeta o dedo,
Este amor quando o concedo,
Perco o rumo por inteiro.
28
De vivente resta nada,
Onde teve a sorte assim,
Do começo vejo o fim,
Nesta curta e vaga estrada,
A manhã ensolarada,
A esperança em meu jardim,
Mas no fundo, de onde eu vim,
Preparei a derrocada.
O saber e não poder,
O querer e sem prazer
Dita a vida de quem sonha,
Na saudade da morena,
Esta vida me envenena,
Vai passado, então, medonha.
29
Foi moleque temerário
O danado coração,
Dando voltas no portão
Deste sonho imaginário,
Muitas vezes necessário
Encontrar a decisão,
Mas em mim a solidão
Toma conta deste armário,
Na viola e nesta lida,
Vou levando a minha vida
Bem distante de um amor,
Mas se a noite traz a lua
A minha alma então recua,
Volta em mim o sonhador.
30
Dono de todo o sertão
Onde a lua já descansa,
Meu olhar ao longe avança,
Mas encontra a solidão,
Na incerteza desde então,
Outra vida bem mais mansa,
Resta apenas na lembrança,
Nas cordas do violão,
Disparando o peito agita
Uma história tão bonita
Já não tendo quase nada,
Resta apenas este olhar
Sem ter nada a procurar
Numa longa e dura estrada.
31
Não precisava honorário,
Nem tampouco alguma renda
Só queria aquela prenda
Num momento imaginário,
Amor dita itinerário
E a certeza se desvenda
Quando vivo nesta tenda
Este sonho necessário,
Violeiro e repentista,
Coração já não desista
E procura novamente
Quem dê conta deste encanto
E por isto mesmo eu canto,
Mas a vida me desmente.
32
Nem tampouco gratidão
Esperei de quem um dia
Num momento em fantasia
Dominou meu coração,
A incerteza desde então
Nada mais eu poderia,
A não ser na melodia
Ou num canto mesmo em vão,
Encontrar quem tanto quis
E quem sabe ser feliz,
Num instante abençoado,
Mas o mundo não se faz
Deste jeito e sem ter paz,
Sigo só e desolado.
33
A morte feito lazer
Prá quem tanto amou e nada,
A incerteza demarcada
Nos anseios do querer,
Onde pude até saber
Qual o fim da dura estrada,
Coração não fez morada,
E perdeu o seu prazer,
A verdade dói demais,
E se fala em nunca mais
Os meus olhos enchem d’água
Onde havia uma esperança
Este amor também se cansa,
Resta então a dor e a mágoa.
34
Não precisava pagar
Desse jeito, com promessa,
Quando a vida já tropeça
E não deixa caminhar,
O que resta então? Sonhar.
Coração bate depressa
Na procura de um lugar
Onde possa descansar,
Mas saudade se confessa.
Navegando em mar bravio,
O que tenho? Um triste rio
Que não sabe sua foz,
O meu mundo se transforma
Vai sem regra, perde a forma,
Ninguém ouve a minha voz.
35
Não queria nem saber
Do futuro ou de outro dia,
Só bastava a fantasia,
Nela algum manso prazer,
O que tenho por viver
Já nem mesmo caberia
Nos quintais desta alegria,
Tão cansado de sofrer.
Madrugada, noite e lua,
Eu caminho pela rua
E não vejo mais ninguém,
O meu canto sem resposta,
A minha alma se desgosta
Nem um sonho mais contém.
36
Tinha prazer no matar
A saudade de quem ama,
Mas no fundo a velha chama
Já não posso adivinhar,
Incerteza a me tomar,
O passado dita o drama
Quando deito em minha cama,
Sob os raios do luar,
Vejo além o olhar de quem
Tantas vezes quis tão bem
E decerto nunca veio,
Meu amor se nunca vem,
Procurando um novo alguém,
Mas o mundo segue alheio.
37
Pouca gente duvidava
Do cantar de quem se dera
Numa dura e triste espera,
O meu peito explode em lava,
A minha alma, tua escrava,
Aguardando a primavera,
Mas deveras destempera
E o passado então me trava.
Risco o nome do caderno,
No vazio eu já me interno
E procuro algum sinal,
Nada resta do meu sonho
E se um novo até proponho,
O caminho é sempre igual.
38
De toda essa valentia
Tão cansado já não quero
E decerto eu sou sincero
No falar do dia a dia,
Quem decerto assim porfia,
Tendo o mundo duro e fero,
Noutro passo destempero,
E me esqueço o que podia.
Recebendo na verdade
Cada tapa da saudade
Encontrando este vazio,
O meu barco perde o porto,
Meu amor mais triste e morto
Naufragando no teu rio.
39
Sua fama é traiçoeira,
O danado não descansa
E matando uma esperança
Dá no sonho uma rasteira,
Este amor, qualquer maneira
De lutar com faca e lança
No final resta a lembrança,
Derradeira companheira.
Nada quero nesta vida,
Já percebo a despedida
E num verso mais feliz,
Encontrar algum momento
Onde o sonho até invento,
Nele eu tenha o que mais quis.
40
Pelo sertão, percorria
A vontade de colheita,
A verdade não se aceita
Quanto mais a fantasia.
O meu canto não podia
Sem certeza numa espreita
Procurar quando se deita
Escapar desta agonia.
Eu tentei e não mais vira
Senão traço de mentira
Neste olhar de quem promete,
Outra vez a solidão,
Toma o rumo e a decisão,
E o vazio se repete.
41
Mas, na semana passada,
Depois de outra traquinagem
O meu peito fez bobagem
E caiu noutra cilada,
Onde houvera outrora nada,
Ao mudar a paisagem
Novo amor fez ancoragem
Nesta alma destroçada.
O que faço desta vida
Não encontro uma saída
Nem dou jeito no danado,
Vou levando o barco assim,
Naufragando até o fim,
Coração enluarado.
42
Um fato então lá se deu
Nas paragens mais sofridas
Onde tantas ermas vidas,
Neste escuro imenso, breu,
O caminho que era meu
Não achando mais saídas,
Noutras sortes decididas
Também ele se perdeu.
Ao sentir em cada estrela
A vontade de sabê-la
Mesmo ausente dos meus braços,
Os meus olhos rasos d’água
Solidão vem e deságua,
Nestes passos, tristes, baços.
43
Nas matas do meu sertão,
Lua cheia reina em prata,
O seu brilho desacata
A danada solidão,
E se tenho um violão,
A vontade me arrebata
Mesmo a moça sendo ingrata,
Eu encontro a direção,
Serenata em madrugada,
A janela está fechada,
Mas o peito sempre aberto,
O meu canto vaza a noite,
Mesmo o frio que me açoite
Deste sonho eu não deserto.
44
Onde o capeta nasceu
Nem capim nem tiririca
A vontade não se explica
E o desejo que era meu,
Noutro instante se perdeu,
Moça bela, nova e rica
O meu peito se complica,
Novo verso mereceu,
E depois desta besteira
A verdade é traiçoeira
Dá rasteira no meu sonho,
A viola não me larga,
Mesmo quando a voz embarga,
Outra moda; então componho.
45
Tocaiaram o sentimento
Deste velho trovador
Já cansado de um amor,
Noutro fato não mais tento,
Mas sem jeito logo invento,
E de novo sonhador,
Noutros braços, sem pavor,
Um delírio eu alimento.
Quem me dera sentinela
Que me desse algum juízo,
Mas amor quando revela
E não deixa descansar,
Para inferno ou paraíso,
Qualquer dia me levar.
46
Deram três tiros de sobra
Nos meus olhos, num olhar
Onde fui então parar,
Neste ninho em pura cobra
A saudade já recobra
O que tanto quis achar,
E se busco outro lugar,
Meu caminho se desdobra,
Resolvendo desde então,
Desfilar o coração
Nas veredas deste sonho,
Violão trago de jeito,
No cantar eu faço o pleito
Deste amor não me envergonho.
47
Fora esse envenenamento
Deste olhar tanto guloso
Prometendo dor e gozo,
Quando o sonho eu alimento,
No final, o sofrimento
Velho amigo doloroso,
Tantas vezes caprichoso
Toma todo o sentimento,
Mas não canso e novamente
Novo encanto se apresente
No horizonte; esta morena.
Pude então falar da sorte
Que deveras não comporte
Quem jamais peito serena.
48
Da mordida deste bicho
Que não cansa na tocaia,
Pois ao ver rabo de saia,
Grudo fosse um carrapicho,
Num olhar comprido espicho
E se logo a vista traia
Ou decerto se distraia
Outra vez este capricho.
Já tou velho pra esses sonhos,
E se são bem mais risonhos
Minha queda é bem pior,
Esta história enfim conheço,
Novo amor, velho tropeço,
Rumo eu sei até de cor.
49
Cascavel que deu o bote
Num momento em distração,
Vai causando confusão,
Sem ter nada que rebote,
Sem ter doce inda no pote,
Eu quebrei na imprecisão
E de novo ouvindo o não
Sem fungada no cangote.
Passo o tempo deste jeito,
E maltrato o velho peito
Já cansado desta lida.
A beleza da mulata,
O meu sonho desacata,
A alma fica distraída...
50
Mas um cabra sertanejo,
Esse velho repentista,
De repente “está na pista”
Procurando algum desejo,
Cada perna que inda vejo,
Coração já não resista,
Vou bancando o equilibrista,
Mas a queda enfim prevejo.
Não desisto nem que morto,
Inda encontro qualquer porto
Mesmo velho e já banguela,
Um pé mesmo tão cansado
Num sapato amarrotado
Seu destino ali se sela.
51
Resistindo até a morte
Não me canso mesmo quando
No meu peito desabando
Qualquer coisa que suporte
O meu mundo traz o corte,
Mas também já vai curando
Noutro canto, ponteando
A viola que conforte,
Jamais pude acreditar
Nas veredas do enganar,
Cavaleiro sem paragem,
As estrelas em tropel,
Caminhando lá no céu,
No meu peito uma estalagem.
52
Na desgraça dando um jeito
Já não pude mais sentir,
As estradas do porvir
Nem decerto quando deito,
E se tanto assim aceito
O que tenho por seguir,
O meu passo a refletir
O caminho do meu peito,
Nada mais tenho na vida
E não quero a despedida
Carpideira? Nem pensar,
Bebo as gotas do luar
E seguindo contra o vento,
Libertando o pensamento.
53
Mas, para azar do destino
Quando quis a liberdade
A danada da saudade,
Neste troço eu me azucrino,
Vou voltando a ser menino,
Onde quis tranqüilidade
Outra vez o amor invade,
Sossegando o peregrino.
Andarilho das estrelas
Se eu não posso mais contê-las
O que faço nesta noite?
A esperança me socorre,
Mas eu sinto que já morre,
E me corta feito açoite.
54
Dessa ele não escapou
Coração moleque arteiro,
No momento derradeiro,
Novamente desandou,
A morena conquistou
E se bate mais ligeiro
Desta forma; aventureiro,
Novamente se estrepou.
Arriscando assim a queda,
No caminho onde se enreda
A incerteza diz a regra,
A verdade galopando
Neste céu tomando quando
O cenário desintegra.
55
Foi-se embora tal menino
Sem ter eira nem mais beira,
Onde quis a verdadeira
Provisão do meu destino,
O meu passo descortino
Procurando uma bandeira,
Mas encontro esta ladeira
Noutro tombo determino.
Caminhante sem paragem,
Ao fazer nova viagem
Capotagem eu percebo,
Mas que faço deste vício,
Este amor em precipício
Novamente, enfim, eu bebo.
56
Que a desgraça não se cansa
De chegar numa arruaça,
Este amor tanto trapaça
Quanto mata uma esperança,
O passado não avança
E se trama na fumaça
Viciando esta cachaça
Deixa a vida ao menos mansa.
Ao sonhar com a morena,
Se a saudade me envenena,
A lembrança me faz bem,
Outro beijo, outro carinho
E não vou mais tão sozinho,
Quando o meu amor já vem...
57
Por cima das tempestades
Meu olhar procura um sol,
Nada encontra no arrebol,
A não ser estas saudades,
E se tanto ainda invades
Com notícias do farol,
Recolhido caracol,
Não quero saber verdades.
Entoando uma cantiga,
Dessas tristes, mais antiga
Eu revivo o meu passado,
Beijo a boca da promessa,
Mas a sorte me endereça
Ao caminho abandonado.
58
Que a vida madrasta leva
Coração de quem procura,
Pela mata mais escura
Adentrando medo e treva,
Renegando qualquer ceva,
O desejo me tortura,
No final, nova amargura
No sertão do peito neva.
Outro estio num verão,
E de novo a solidão
Dita as cartas sobre a mesa,
Já não luto, pois cansado,
O meu mundo tão pesado
Não suporta a correnteza.
59
Esquecendo as malvadezas
Desta vida sempre ingrata,
O meu sonho já desata
E se perde sem surpresas,
Na verdade somos presas
Deste amor, dura cascata,
Que decerto me arrebata
Com as garras das destrezas,
Violeiro e repentista,
No final minha alma assista,
Este tombo costumeiro,
Não mais quero a primavera,
Neste inverno o que se espera
Diz agosto e não janeiro.
60
Que falam sempre de mim,
Já cansado de saber
Não procuro o bem querer,
Nem desejo o mal assim,
E se tento dentro em mim
Esperar algum prazer,
A lembrança não faz ver
Nem mais flores no jardim,
Esgotando o meu caminho,
Eu me dano e vou sozinho
Nada brota em solo agreste,
O delírio feito em verso,
Vai mudando este universo,
E o vazio me reveste.
61
Na verdade era um garoto
Quando o sonho me falava
Desta vida mesmo em trava
Preparando um tempo roto,
Do total não restou coto,
A palavra não mais dava
Garantia nem mostrava
Qualquer coisa além do esgoto,
E se tanto quero ter
Nesta vida um bem querer,
Não encontro uma saída,
Onde espero nada vem
E prossigo sem ninguém
Que me dê no amor, guarida.
62
Morte sempre esteve perto
De quem vive desta forma,
Meu caminho se transforma
Pouco a pouco num deserto,
Esperança não desperto,
Nem a vida mesmo informa
O meu tempo se deforma,
Mas o peito é sempre aberto,
Nos desmandos da paixão,
Outro dia novo não
Nova noite sem luar,
Quando tento alguma sorte,
Novamente vejo a morte
Na tocaia a me espreitar.
63
Da sorte só tem notícia
Quem se deu ao grande amor,
E se eu sou tal sonhador,
Nada resta da carícia
Quando o mundo com malícia
Vai traçando em seu rancor
O caminho feito em dor,
Na tortura e na sevícia.
Resultado disto tudo,
Eu por fim já nem me iludo,
Sigo só e isto me basta,
A corda do violão
Mesmo até a do bordão,
No final eu vejo gasta.
64
Inté que um dia sem ninho
Sabiá já não queria
Nem saber da cantoria,
E deixou bem mais sozinho,
Foi embora o passarinho
E levou minha alegria,
Quando a tarde é mais sombria,
Só restando então meu pinho.
Chora notas de saudade
Deste amor que inda me invade
E também já me deixou,
Na verdade a solidão
Faz nevar neste verão,
Meu caminho em dor; nublou.
65
Na casa antiga, de telha,
O meu canto ainda está.
Coração ficou por lá
A esperança, uma centelha
Ferroando feito abelha,
Mas o mel quero provar,
E de novo mergulhar
Onde a sorte em aconselha,
Resumindo em verso e canto,
O que busco e desencanto
Digo assim do meu passado
Nesta casa, num sobrado,
O meu tempo foi feliz,
Porém vida o contradiz.
66
Rede posta na varanda
Lua beija a minha face,
A saudade ainda grasse
Coração então desanda,
Danço ao longe uma ciranda
O meu tempo já não passe,
Meu olhar então se embace
Fruta fresca na quitanda,
Verdureiro da esperança
Onde um dia fui criança
Não verdeja nem um sonho,
Rede posta no meu peito,
Se sozinho enfim me deito,
Nada mais eu me proponho.
67
Roupa quara no varal
Na saudade mãe e pai,
Mas o tempo sempre trai
Bicho doido irracional,
Esperando o meu final,
No cenário o pano cai,
Qualquer coisa não distrai
Quem espera o funeral,
Resta em mim outro vazio
A seca tomando o rio,
No final nem a nascente,
Onde quis amor profundo,
Na lembrança então me inundo,
Nada tenho que apascente.
68
Amor traz forte memória
De quem foi e não mais veio,
O meu mundo em devaneio
Repetindo a mesma história,
Lua ausente ou merencória
O meu canto segue alheio,
De saudade, o meu recheio,
Do que eu fui, sequer escória.
Resta apenas a vontade
E se tanto o peito brade
Nada escuta e ninguém vem,
O resumo desta vida
Nesta forma sendo urdida,
Um caminho em dor; desdém.
69
Trazendo a lua vermelha
Nos olhares de quem chora,
Refletindo vai embora
E não deixa nem centelha,
A saudade me aconselha
E deveras já devora,
Noutro tempo desarvora
O meu mundo ora se engelha
Nestas cãs tão prematuras,
A verdade que asseguras
Já não deixa mais se ver
Sequer sombra do que fomos,
Da laranja vários gomos,
Desunindo em desprazer.
70
Fazendo brilhar o sol
Na manhã bem mais bonita,
A minha alma necessita
Deste encanto, o seu farol,
E tomando este arrebol,
A morena em sua chita,
Outra vez não acredita
Neste canto em girassol,
Corro atrás do vento quando
O meu mundo se nublando
Não me deixa mais escolha,
O caminho diz da bolha
A redoma onde eu me vendo,
Sinto apenas um remendo.
71
Da felicidade ativa
Quem me dera poder ter
Um momento onde o prazer
Na verdade sobreviva
O meu passo, a vida priva,
E não deixa mais se ver
Nem querer algum querer
Onde o sonho se cultiva,
Resumindo neste fato
O que tanto aqui retrato,
Num ingrato caminhar,
O tropel ditando estrela
Minha amada, aonde vê-la
Nesta noite constelar?
72
Dos meus olhos o horizonte
Borrifando uma inverdade
O que trama esta saudade
Noutro fato já desponte
E decerto desaponte
Quando o tempo se degrade,
No vazio que me invade,
Seca a vida em qualquer fonte;
Restaurando a minha sina
Onde o medo determina,
Polvilhando esta esperança,
O meu canto não se ouvindo,
Num cenário outrora lindo
A tristeza enfim me alcança.
73
Um dia a mais, noutra sorte
Poderia desvendar
Cada passo em seu lugar,
No caminho onde comporte
Semeando bem mais forte
O que tanto quis cevar,
Noutro rumo me entranhar
Sem pensar em medo ou morte,
O restante deste tempo
Passo em tanto contratempo
Que no fim nada me resta,
Ao abrir o peito ao vento,
O que sinto e não mais tento,
Não traduz nem dança ou festa;
74
Noutro tempo fui sozinho
Hoje sigo assim também,
O caminho diz desdém
A tristeza forra o ninho,
E se fosse mais mesquinho,
Mas no fundo nada vem,
Da esperança sou refém,
Roseiral virou espinho.
Tramo um dia mais feliz,
Quando a sorte nada diz,
Eu prefiro crer na dita,
Mas bem sei que deste jeito,
Nada encontro e não aceito
A minha alma teima e grita.
75
Doendo a vida de quem
Procurava pelo menos,
Dias calmos e serenos
E em verdade nada tem,
Caminhando busco alguém
Que não trague mais venenos,
Quando vejo além acenos
Outro dia sem ninguém,
Mergulhando neste espaço
Um desejo apenas traço,
Galopando em noite clara,
Meu corcel dito esperança
Na verdade já se cansa,
Mas amor não se escancara.
76
A quem tempo diz contrário
E não sabe nem merece
O que tanto quis benesse
E pensava necessário,
Tempo sendo um adversário
No vazio onde se esquece
O caminho ainda desse
Outro novo itinerário.
Resumindo a minha sina
Na palavra que domina
E não deixa nem sinal,
Entro em pânico somente,
Quando o amor decerto mente,
Mas eu sei que isto é normal.
77
No meu tempo de moleque
Caminhando sem pensar,
Tanto sol a mergulhar
No desejo que não seque,
Traquinagem de quem peque
Nas veredas a buscar
O delírio de sonhar,
A esperança abrindo o leque,
No final, o que me gera
É a sorte em tal quimera,
Vasculhando cada canto,
Meu tormento não se cansa
E se trago uma lembrança
Vendo quem sou; hoje, espanto.
78
Foi solitária agonia
Companheira de quem tenta
Enfrentar a violenta
Noite em dura fantasia,
O meu passo mudaria
E bebendo da tormenta,
No final a sorte alenta
Quem espera novo dia,
Mas a vida se repete
E sem festa e sem confete,
O retrato é traiçoeiro,
Meu olhar em triste espreita
No vazio já se deita
Só encontra outro vespeiro.
79
Que me fez perder o rumo
Quando tanto precisava,
A minha alma não se lava
Nem sequer bebendo o sumo,
Se deveras eu assumo
O caminho feito em trava,
A saudade logo entrava
E em vazios me resumo.
Tento assim nova viagem
E mudando esta paisagem
Talvez veja um horizonte.
Quando a noite se aproxima,
E mantendo o mesmo clima,
Nada tem que ao novo aponte.
80
Que me trouxe solidão
Cada verso aonde eu pude
Mergulhar a juventude
Sem saber da indecisão,
Nem dos dias que virão,
Ao manter esta atitude
Nada mesmo ainda mude
Persistindo esta estação.
Das estâncias do passado,
O caminho demarcado
Por tormentas e por medo,
Quando busco nova senda,
A verdade se desvenda,
E ao temor eu me concedo.
81
Nunca sim, somente não,
Esta vida me condena
E não vejo quem acena
Com caminho e decisão,
Outros dias mostrarão
Com certeza a mesma cena,
Sem consolo ou qualquer pena,
Vou buscando esta amplidão,
Lua cheia, noite clara,
Coração então dispara
E procura alguma estrela
Solitário nesta mata,
O meu peito em serenata,
Não consegue sequer vê-la.
82
Naufragando a poesia
Onde tanto quis um riso,
Vou somando em prejuízo
Aumentando dia a dia,
O meu sonho, a vida adia,
E se tenho algum juízo
Do que tanto mais preciso,
Pelo menos a alegria,
Resta pouco ou quase nada,
No final a mesma estrada
Transcorrendo em dor e medo,
Quando tento alguma sorte,
O meu passo sem suporte,
No vazio eu me enveredo.
83
Vai meu mar amar maré
E buscar a maré cheia
Quando a vida me incendeia
Sem saber mesmo o que é,
O caminho dita a fé
Cada passo devaneia,
E buscando outra sereia,
Quero apenas cafuné,
O restante desta história
Já me foge da memória
Ou não posso aqui contar,
Eu só sei que após a lua,
Minha sina continua
Entranhada no luar.
84
Maresia mar e sina,
No marulho da esperança
Quando a noite assim avança
E decerto me fascina,
Beijo a boca da menina
Coração nunca se cansa
E se volto a ser criança
A ciranda me domina,
Encontrei linda morena,
Nesta rua em diamantes
Ladrilhada e me garantes,
Na verdade a vida acena
Com o bosque aonde este anjo
Num prazer ousando esbanjo.
85
Amando amar e Marina
Verso versa em diversão
E bebendo da amplidão,
Nova sorte determina,
O que o tempo sempre ensina,
E aprendi esta lição
Quando é sim, às vezes não,
O contrário me alucina.
Resumindo cada fato
Neste amor quando o resgato
Traço um rumo mais audaz,
O desejo impertinente
Sem ter nada que o contente
Toda a noite o sonho traz.
86
No meu mar, morreu a sorte
De quem tenta navegar
Contra a fúria a se mostrar
E não tendo mais seu norte,
Nada mais dita o transporte
De quem tenta desvendar
Os caminhos do luar
Que esta nuvem logo aborte.
Resultado desta queda
Onde o tempo se envereda
E se enreda a solidão,
Nada além do que pudera
Acalmar qualquer quimera
Nem as chuvas que virão.
87
Nadava contra a corrente,
Mas no fundo bem sabia
Que deveras cansaria,
Não tem quem mesmo isto agüente,
No meu passo imprevidente
Bebo cada gota fria
Da saudade dia a dia,
Sem ter nada de repente.
Consistência variada,
A saudade já velada
Não permite novo passo,
E se tento ou me aprofundo,
No vazio deste mundo,
Tal e qual eu me desfaço.
88
Fui tragado em movediça
Praia quando quis sereia,
No final a noite alheia
Na incerteza nunca viça,
Meu olhar; pura cobiça
Teu olhar sempre rodeia,
Mas deveras incendeia
A palavra que me atiça.
Fico aquém do que sonhava,
Onda forte, dura e brava,
A procela não se cansa,
E meu mundo em seu final,
Enfrentando o temporal
Já não vê qualquer bonança.
89
Que cantando leve a vida,
Inda entendo, mas não vejo
Outra forma de um desejo
Que não seja a despedida,
Minha sorte sendo urdida
Neste rumo malfazejo
Já dizia o realejo
Desta sina corroída
Pelas tramas da ilusão
Dominando o coração
Deste tolo trovador,
Volta e meia em meia volta
A minha alma se revolta,
Mas de novo busca amor.
90
Que prendeu numa corrente
Este andejo sentimento,
Quantas vezes; busco e tento,
Mas não tendo quem sustente,
O meu canto de repente
Solto e livre bebe o vento
Resta apenas sofrimento,
Onde outrora fui contente.
Resumindo a minha sina
Na palavra que domina
E alucina quem se traz
Num momento em dor e canto,
O que busco e te garanto,
Pelo menos, qualquer paz.
91
Nem por reza ou por favor,
Nada além do que inda trago
Seja a vida mero afago
Seja o mundo em desamor
Sou apenas refletor
Na pureza deste lago
Cristalino se me alago
Ou me perco em nova cor,
Resumindo a minha dita
No que tange e necessita
Outro passo se prevendo,
O meu canto sem remédio
Espantando em mim o tédio,
Vai cerzindo este remendo.
92
Cessou brasa, que incendeia
Coração enamorado,
Deixa a vida no passado
E procura quem rodeia
Novo tempo e nele creia
Ou desfaça este traçado,
Onde o sonho mareado
Já não traz sequer sereia.
Vejo assim a minha dita
E se tanto se acredita
No que pode ainda vir,
O tormento se aplacando
Neste dia desde quando
Esperança, um elixir.
93
O meu verso se mostra em vária forma
E tenta discernir qualquer momento
Enquanto com meu sonho sigo atento,
A vida noutro instante me deforma,
O peso do viver, a sorte informa,
E o quanto poderia num provento
Cerzir sem tanto medo e sofrimento
Obedecendo à métrica, esta norma.
O canto se transcorre em dor e riso,
E sei que mesmo assim não sou preciso,
Vacantes emoções; não reconheço
E tento vez por outra ser diverso
Invado mesmo assim novo universo,
Incerto caminhar sem endereço.
94
Espalho ao vento o sonho aonde eu pude
Cerzir com letras algo que inda sinto,
E mesmo quando em mim morrendo, extinto
Carrego deste a leda juventude.
O quanto imaginar além me ilude,
E neste desvendar o mero instinto
Por vezes, com certeza teimo e minto,
O sonho me permite esta atitude.
Alheio ao que deveras eu descrevo,
Porquanto ser diverso; mesmo devo
Não me desnudaria inteiro, sabes disto.
Um mero retratista e nada mais,
Invento calmarias, vendavais,
Ainda quando os sinto, não existo.

95
As sórdidas lembranças, ledos fatos,
E os dias são iguais, velha rotina,
O verso noutra face determina
O renascer de vários, vãos regatos,
E mesmo quando os sinto ou não ingratos
Apenas por sonhar, a alma fascina
E bebe em privilégio a rara mina
Também vê iguaria em finos pratos,
Ascende-se ao que tanto imaginar,
Sem freios nem arreios, galopar
Entre tropéis de estrelas, ou no abismo,
O quanto do falsário existe em mim,
Omite ou mesmo mente e sendo assim
De variada cor eu já me prismo.

96
Legar o quanto posso a quem quiser
Ouvir alguma voz em acalanto,
Por vezes esperança eu tento e canto,
Embora sei que a vida é um vão qualquer
Mergulho quantas vezes eu puder,
E tento adivinhar o farto encanto
Vencendo qualquer medo, e sem espanto
Palavra tinge o sonho que vier.
Inovo e até renovo ou mesmo invento,
E quando novo passo em alimento
Neologismos traço e mesmo assim,
A liberdade dita norma e lei,
E quantas vezes tolo eu me enganei,
Negando ou travestindo o que há em mim.

97
Escassos sonhos ditam poesias?
Não sei e não consigo perceber
O quanto da verdade há de conter
Naquilo que me dizes ou tu crias?
As noites são de lua, mas sombrias
E o vento traz o gozo ou desprazer,
E tanta vez eu tento parecer
Diverso do meu verso em agonias.
A porta escancarada e libertária
Ousando usar da voz qual luminária
Vasculha qualquer canto da alma humana,
Profético ou talvez um sonhador,
Poeta, repentista ou trovador,
Decerto ao te jurar, também se engana.

98
Repare nesta estrela e veja bem
O quanto em magnitude é tão diversa
Daquela que em verdade não mais versa
E nesta discrepância a vida vem,
Gerando enormemente algum desdém,
Sonega até se o rumo desconversa,
E quando nesta falsa luz imersa
O olhar noutro momento se detém.
Assim dos sortilégios e benesses
Enquanto ao teu prazer tu obedeces
A vida presencia em inconstância
O passo mesmo firme titubeia
A sorte preparando em si a teia
Traduz desde a riqueza à mendicância.

99
Apreços e desprezos, variantes
De quem se faz também igual; aquém
Do todo que decerto já contém
Aquele a quem renegas por instantes,
No fundo nada sabes nem garantes,
A vida te mantendo qual refém
Prepara com prazer farto desdém
Ou mesmo te lapida em diamantes.
Em firmes cinzeladas se envereda
Prenunciando este auge após a queda
E vagamente tens qualquer noção,
Mas nada se aproxima do real,
Tolo maniqueísmo, bom ou mau
Na mesma alma se vê a imprecisão.

100
Determinar o fato antes; cigana,
Astróloga e diversa profecia,
Assim também se faz a poesia
Enquanto na verdade tanto engana,
A liberdade plena e soberana
Há tanto que a desejo e mostraria
A vida na sutil dicotomia
Excêntrica vontade em face humana.
Qual fosse um alquimista, a panacéia
Gerando do passado nova idéia,
Arrisco a cada verso, quando invento,
Mas sei que na verdade estou liberto,
E mesmo se o caminho enfim deserto,
Ninguém cerceará meu pensamento.

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