domingo, 11 de julho de 2010

41201 ATÉ 41300 SUBTERRÂNEOS

1

Por vezes imagino em consonante
Delírios os ermos frágeis de minha alma
A velha solidão gerando o trauma
O sonho se mostrando mais distante,
Porquanto a própria vida me adiante
Vazio não traduz a mera calma
Quem sabe ao fim de tudo a morte acalma
Mesmo que nada exista doravante.
O quarto escuro traz a velha imagem
E o bêbado desnuda esta miragem
Vagando pelos antros mais sombrios,
Brumosa noite envolta em tal neblina
A lua entre estas nuvens determina
A história de quem vive em desvarios.


2

Augúrios tão nefastos; vejo quando
A trama se desenha em tom atroz,
Ausência de esperança dita a voz
De um quadro tão medonho quanto infando.
Arisco pensamento degradando
E ainda vive em mim em vagos nós
Passado pelo qual perdendo a foz
O rio num estio se acabando.
Alego ao menos ditas da ironia
Fortuna nos meus dias não cabia
Reveses costumeiros regem sonhos,
Transito entre os medonhos pesadelos,
E quando mais insisto em não mais vê-los
Retornam em cenários tão tristonhos.

3


Angustiadamente a vida passa
E nega algum caminho, mesmo até
O quanto poderia em sonho e fé
E a vida corroendo, torpe traça
Ao menos num momento feito em graça
A sorte poderia, mas não é
E o quadro se desbota e esta galé
Atando aos devaneios, morte grassa.
Eclodem mil demônios dentro em mim,
Percebo já bem próximo meu fim
Heréticos os pântanos que eu vejo
Nos ermos tão medonhos desta vida,
Apenas resta a mera despedida
Num tétrico e bisonho torvo ensejo.

4

São tantos costumeiros os estorvos
Aonde dessedento a minha incúria,
Minha alma lamacenta em tal penúria
Vislumbra esta presença dos vis corvos,
Refaço após rapinas outro sonho,
Mas nada resta em mim além do vago
Delírio; nele teimo e se inda trago
Somente a viva fera em ar medonho.
Aspectos tão complexos, mas reais
De quem se expôs à vida e em punição
Agora enfrenta a vaga hibernação
E aguarda em placidez seus funerais.
Ausência de esperança em abandono,
Somente da mortalha enfim me adono.

5


Aonde quis um dia mais suave
Não tendo estas respostas que buscava,
Do imenso lamaçal, agora em lava
O passo a cada instante mais se trave,
E vejo sem defesas, todo entrave
Uma alma em vaga noite segue escrava
Apêndice da vida, a sorte escava
A cova e me rondando em rapina, a ave
Além de meramente um vão fantoche
Exposto a tal sarcasmo onde deboche
A vida do meu ser; inútil fardo.
Apenas me restando alguns momentos
E nestes se refletem desalentos
Do velho roseiral, espinho e cardo.

6

Não tenho mais respostas nem as busco,
O passo que se tenta, na verdade
Não traz sequer a sombra em saciedade
E a cada ausência então; aquém me ofusco.
A vida perpetua em lusco fusco
A noite tão nublada aonde invade
A mera fantasia que inda agrade
Ao tolo pensamento rude e brusco.
As velhas rapineiras me rondando,
O quadro se afigura mais nefando,
E o inverno dita a sorte de quem fora
Sedento pela vida e hoje se esvai,
O passo rumo ao nada sempre trai
Uma alma tola e fútil; sonhadora.


7

Pensara em algo mais que uma saída
Um cais, ancoradouro ou coisa assim,
Viagem se aproxima do seu fim
Levando o quanto resta desta vida,
A morte a todo instante presumida,
Cenário tão nefasto, mas enfim
O tempo se desnudo e traz em mim
Apenas o retrato em despedida.
Assíduo sonhador, um ser tão mero,
O nada se resume ao quanto espero
E vejo se esvaindo em luz sombria
As tramas se tecendo num vazio,
Porquanto a própria dita eu desafio,
Não resta nem sequer talvez um dia.


8


Por vezes me imagino mais audaz,
Mas quando a realidade vem à tona
O passo em força e fúria me abandona
E a morte sem defesas já se faz,
Ardência, insensatez; nada compraz
A vida se perdendo em vão ressona
Uma alma traiçoeira ora se adona
Somente deste espelho tão mordaz,
A face carcomida pela vida,
O olhar ausente mostra a dimensão
Neste enrugado rosto, a podridão
Demonstra a minha história carcomida
Nos ermos da nublada persistência
Mostrando a invalidez desta existência.


9


A fúnebre canção se ouvindo quando
O rito se aproxima do seu fim,
Quem sabe ao adubar outro jardim
No estrume onde me sinto transformando
O mundo se mostrara em contrabando
Negando a consciência, morto enfim,
O prazo terminando e sigo assim
Aos ermos deste nada me inundando.
Ao menos sei que um dia poderia
Viver além da mera fantasia,
Mas tudo se esvaíra plenamente,
A faca com seu gume mais feroz
O sonho se mostrara um vago atroz,
Porém a morte chega e jamais mente.


10

Fazer da poesia algo bem mais
Que simples verso e crer nesta verdade
Ao menos, ao trazer tranqüilidade
Mostrasse meus caminhos desiguais,
As súcias que eu freqüento em vendavais
Herético delírio me degrade
Apenas no enfadonho a saciedade
As dores tão sutis quanto ancestrais.
Herdando apenas isto; um ilusório
Caminho aonde mostre merencório
Delírio de um poeta em turbulência,
Assim ao me mostrar leda excrescência
Desnudo-me e deveras me anuncio
Um turvo fardo em vida; em vão, sombrio...


11

Das sombras nada além deste retrato
Que exponho sem pudor em verso e tento
Vencer o quanto resta, alheamento
E ter mesmo que seja em mundo ingrato
Ao menos a certeza de algum fato
Que sirva ou se aproxime de um alento
Domando o meu enorme sofrimento
Aliviando o estio em tal regato,
Resgato velhas cenas do passado,
Momentos onde o tempo azulejado
Talvez mesmo trouxesse uma esperança,
Mas quando vejo especular verdade
Apenas este não retorna e invade
E o sonho ao desespero enfim se lança.


12


Das duras e terríveis fantasias
Negando alguma chance de futuro,
Herético caminho sempre escuro
No quanto além do nada me darias
A morte revelada; noites frias,
Nublada consciência eu me seguro,
Mas sei o quanto é vago e deste muro
Jamais os pés além tu transporias.
Esgarço a todo instante o já puído
Retalho deste sórdido vivente
E quando alguma luz ainda tente
O quadro se demonstra destruído,
Vagando pelas hordas, mero pária
A vida se desnuda, procelária.


13


Negar alguma luz a quem se tece
Em turbilhão instável; ledo crime,
A face que deveras já substime
Transcende ao quanto eu quis, mera benesse.
Precocemente o dia se escurece
Nem mesmo o sonho ou lua em paz redime
Por mais que a solução inda se estime,
Ao vento esta esperança se esvaece.
Evanescente vida se perdendo
Transcorro como fosse algum remendo
Frangalhos entre cortes mais profundos,
E ter a consciência deste nada
Permite a vida agora agrisalhada
Imersa nos meus charcos, tão imundos.

14


Quando ocasionalmente algum sorriso
Expressa-se no olhar de quem não cabe
E tendo esta certeza, logo acabe
Enorme dia a dia em prejuízo,
O caminhar em trevas impreciso
Ao menos que a verdade em mim desabe
E o verme alimentado agora sabe
Ao menos no final eu fui preciso.
Esgoto em vida; um pária e nada além,
O bêbado fantasma quando vem
Perambulando em busca da sarjeta
A morte apascentando, quem me dera.
Somente a solidão, imensa fera
Sorriso? Não passando de um cometa.


15


Aprendo com a dor e isto me basta,
Não quero mais as preces nem as rezas
Se ainda na verdade tu me prezas
Permita a minha história turva e gasta,
O sonho a cada instante já se afasta
E quando tu me vês logo desprezas
Confessas o teu pejo enquanto pesas
O olhar sobre o cadáver de outra casta.
Não quero mais a voz reconfortante
Apenas o final ora garante
Descanso a quem em vida se fez podre,
O vinho avinagrando mostre que o odre
Deveras nunca teve uma valia,
Alento? Não! Jamais, pois caberia.

16


Das rocas e penedos desta vida
Naufrágios costumeiros de quem tenta
Vencer com seu saveiro esta tormenta
Não vendo no final qualquer saída.
A morte anunciada em despedida
Nem mesmo qualquer lume me apascenta
A face tão faminta quão sangrenta
A adaga aprofundando esta ferida.
No olhar a lividez de um semimorto
O caos trazendo em mim o torpe aborto
Jamais eu tive mesmo uma esperança,
A morte que ao chegar já me sacia
Negando o sofrimento de outro dia,
Ao túmulo em carinhos, pois me lança.



17


Funérea face exposta da verdade,
A pútrida razão tomando o senso,
E quando em meus espectros paro e penso
Nem mesmo o medo ou pânico inda invade
Ali ao perceber tranqüilidade
Depois de um turbilhão gigante, imenso,
O mar em turvas águas; já convenço
Melhor que o dia a dia se degrade.
Arranco os olhos, roubo este horizonte
Anoitecida trama onde se aponte
O fim indubitável, mas suave.
Demônios ou arcanjos? Tanto faz,
Apenas encontrar enfim a paz
Minha alma, se inda houver, libertária ave.

18

Afasto-me da vida como quem
Sacia seus demônios plenamente,
E sei o quanto cabe e me contente
Já que do próprio mundo sigo aquém
A noite em turva face quando vem
Traduz uma alma espúria e plenamente
Exposta ao mais cruel carma demente
Presumo no vazio o que contém
Restolho de uma mera criatura
À sombra, tão somente do viver,
Inútil tal fantoche, posso ver
Na face que a verdade transfigura
Apodrecido em vida, nada mais
Restando além dos torpes funerais.

19


Preparo em nuvens, corpos e rapinas
Cenário aonde eu possa enfim deitar
Em névoas sem presença de um luar
Enquanto outra paisagem determinas.
O quadro tão nefasto a que destinas
A vida de quem nunca pode achar
Nem mesmo uma esperança ao navegar
Andando sobre pedras, bombas, minas.
Escória de uma espúria persistência
O fim seria apenas a clemência
Que tanto desejei e ainda trago
Qual fosse a foz suave deste rio,
Durante o seu trajeto, tão sombrio,
Ao menos no final, um leve afago.


20

Atrelo o meu caminho ao mais profundo
Delírio aonde uma alma poderia
Seguir além do passo em ironia
Um pária simplesmente, um vagabundo
E quando deste esgoto eu já me inundo,
A face mais atroz, pois sorriria
E pelo menos tendo a companhia
Dos ratos e dos vermes, novo mundo.
Nos subterrâneos da alma eu me retrato
E vejo humano ser demônio ingrato
Vacante de expressões de divindade,
Mesquinha criatura onde o reflexo
Deixaria Satã, mesmo perplexo,
Na fria consciência que me invade.


21

Ao abandono a vida se transcorre
E nega qualquer passo enquanto eu pude
Tentar em harmonia uma atitude
E nada a cada ausência nos socorre,
No medo de seguir; o sonho morre
Ausente dos meus olhos, juventude
O canto tão longínquo não ilude
A morte aos poucos toma e o passo forre
Na farta indecisão na qual imerso
Percebo quanto inútil cada verso
Em universos frágeis, medo apenas,
E quando dessedento em fonte esparsa
Nem mesmo a alegoria já disfarça
Reflete dentro em mim doridas cenas.

22


Sombras dominam noites enfadonhas
E o verso sem respaldo diz somente
Da rapineira sorte que envolvente
Ausenta mesmo quando além proponhas
Caminhos tão diversos; enfadonhas
Verdades noutro espaço e claramente
O risco de viver já se apresente
Demente delirar em tais medonhas
Espúrias madrugas; ébrio e vago
Queria pelo menos um afago
E nada se apresenta que sacie
O rústico delírio de um ser tétrico,
O quanto se pensara mais eclético
A cada nova ausência se esvazie.

23

Apresentando o fim dos meus anseios
Em versos ou na face desdenhosa
De quem a cada instante sabe e glosa
A vida entremeada em devaneios
Os dias prosseguindo mais alheios
Resultam nesta estrada pedregosa
A sorte muitas vezes tenebrosa
Adentra os mais terríveis, turvos veios
E o canto em dissabor deveras trama
A essência de uma vida enfastiada,
A pútrida visão da escassa estada
Ausente dos meus olhos a esperança,
Apresso a desvendar o meu final,
E sei do tumular caminho igual
Na voz que sem respaldo algum se cansa.

24


Um marco que pudesse ter além
Do mesmo vago olhar, mero e sombrio
O tempo se transcorre em vago estio
E sei o quanto apenas me contém
A marca em cicatriz dita o desdém,
E tento desvendar o desvario
E quando insanamente desafio
O mundo e na verdade nada vem
Sequer o que pudesse traduzir
Alguma luz diversa em meu porvir,
Esforços se perdendo inutilmente
O vandalismo reina sobre o fato
Num ato mais venal se eu me maltrato
Apenas o final já se apresente.

25


Esquálida figura transitando
Nos ermos de uma turva madrugada
Mortalha pelo tempo já traçada
E o olhar adentra em trevas e é nefando.
Ao longe tumular caminho quando
Esboço em verso ausente paliçada
A morte noutra face desenhada
O manto a cada passo se esboçando
Vetusto ser em torno desta sombra
E nela a realidade já me assombra
E o marco constitui em negação,
A pútrida verdade se anuncia
Na face desdenhosa e tão sombria
Na decomposta imagem da ilusão.

26

Caquética verdade infaustamente
Na decomposição traduzo o que ora sinto
O sonho se inda existe, sinto extinto
E o corpo se apodrece lentamente,
Que aos vermes este inerme ser fomente
Num tétrico delírio, mero instinto,
A marca demoníaca; onde tinto
O olhar em turbulência de um demente.
Avanço entre os meus charcos movediços,
Os dias se perdendo sem os viços
Que tanto procurara em vão canteiro,
Amante das espúrias criaturas
Nos ossos a lembrança em tumular
Caminho de quem tanto quis amar
E agora ressonância onde torturas.

27

Num outonal delírio o inverno trama
Esta última mortalha que me resta,
A face demoníaca e funesta
Convida para o fim, nefando drama,

Nublosa e dolorosa a velha chama
No quando de Satã em mim atesta
À morte dedicando então a festa
Na qual se percebendo o quanto clama

Um espasmódico demônio em gozo
O ser entre os mais lúbricos, formoso
Na majestade sinto tal Mefisto

E rendo-me ao terrível soberano
E sei que quando o faço, enfim me dano,
Porém aos seus apelos não resisto...


28


E morto embora ainda em vão respire
Alimentando em mim carnificina
Imagem tão nefasta determina
O sonho que em verdade já se expire.

No quanto este terror ora transpire
A vaga sensação não extermina
Altares erigidos, queda e mina
Nascente aonde o rumo determine

Na frágil sensação de ser humano
A cada nova prece ao soberano
Esgoto esta esperança e me amortalho

Dos ermos de minha alma, vou entregue
Por mais que ainda tente e até renegue
Ao tétrico delírio sigo o atalho.

29

Aspiro liberdade em tal masmorra
Respiro esta sombria magnitude
E quando morta em mim a juventude
Somente o desvario me socorra,

Por mais que a cada dia, enfim eu morra
O passo rumo ao nada não me ilude,
Rendendo em orações bem mais que pude
Caminho tão nefasto se percorra.

As marcas tatuadas, minha pele
Entregue aos vão domínios de Satã
A morta não seria inteira vã

Enquanto este domínio ora se sele,
Sorvendo deste fel que me abençoa
Em Hades o canto em paz ecoa.

30


No reino de Plutão eu me sacio,
E sigo sem temor este Satânico
Domínio desdenhoso, nunca em pânico
Tomado pela insânia em desvario,

Ao senso mais comum eu desafio
Herético pendor num ar tetânico
Louvores a Mefisto no vulcânico
Delírio me completo e me recrio.

Assisto aos mais heréticos fascínios
E adentro sem pudores aos domínios
Em Lúcifer traduzo a santidade,

Resumo neste Inferno o meu caminho
E sigo desdenhando o ser mesquinho
Aonde o mundo aos poucos se degrade




31

Angústia recendendo à solidão
Os tantos dissabores que enfrentara
Abrindo no meu peito a imensa escara
Negando o que pudesse em direção
Ausente dos meus olhos; não virão
As horas onde a sorte se escancara
A queda a cada instante já prepara
E sei desta dureza imensa, o chão.
Jamais eu pude crer noutro caminho
E sinto o teu olhar longe e mesquinho
Daninhas destroçando o meu canteiro,
Apenas uma morte me redime
Do quanto quis e nunca foi sublime
Marcando com seu passo traiçoeiro.


32


Surgiste deste abismo em precipício
E trazes o sabor deste abandono,
Na vida a solidão aonde abono
Errático delírio, mais que vício
Errado desde o mero e vago início,
Simplório este primata, tolo mono
E quando da esperança ora me adono,
Apenas olhar míope, um resquício
De um tempo feito em luz que na verdade
Somente perfilara a falsidade
Gerando este vazio que acompanha
O passo rumo ao nada aonde eu tento
Talvez inda aplacar o sentimento
Amenizando um pouco a dura sanha.

33


Olhando de soslaio vejo o acaso
E nele me entranhando sem defesa
Ainda que tivesse uma surpresa
A vida não respeita qualquer prazo,
E quando em ilusões, eu tento e aprazo
Os dias se envolvendo em incerteza
Deixando tão vazia a minha mesa
Gerando dentro em mim o mero ocaso.
E resolutamente bebo o nada
E nesta face exposta e desdenhada
O que inda me restara? Nada além
Desta inconstante senda; aonde errático
Qual fora algum demente, um ser lunático
Somente o non sense me contém.


34


Beleza ao mesmo tempo divinal
Tomada em senda amarga e demoníaca
A face desdenhosa e até maníaca
Desenha a cada dia o funeral,
E teima noutro farto ritual
Enquanto um dia a quis; paradisíaca
Ou mesmo numa luz afrodisíaca
Prepara o bote e trama o meu final,
A face desenhada desta fera
Sorrindo em ironia já me espera
Tocaia aonde eu tento e não consigo,
Na espreita o bote e o corte em vã sangria
Assim no olhar em luzes se teria
Dos sonhos tão somente ermo castigo.


35


Compartilhando o vinho em sangue e luto
Brindemos ao final desta esperança
E o corpo decomposto a vida lança
Além do que pensara e não reluto,
O sonho pela vida se eu permuto
Sentindo este clamor da fina lança
A morte sem sentido, esta fiança
Cobrada com terror em ato bruto,
Mas vejo sorridente em tons de orgia
Enquanto a mera vida se esvaia
Exangue e sem defesas, mera presa,
Orgástica loucura em sacrifício
Apenas o rondar no precipício
Num ato mais atroz, rara nobreza.


36


O crime sem castigo cessa o medo,
E a vida continua dia a dia,
No quanto cada fato já se urdia
Ao gozo sem limites me concedo,
E sei deste constante e vago enredo
Aonde possa haver a hipocrisia,
Porém sempre reinando a mais valia,
O corpo decomposto, agora ledo,
Mortalhas não lhe cabem, somente isto
No furioso embate enfim persisto
E vejo em ar agônico que tanto
Um dia se mostrara bem mais forte,
Sem ter uma esperança que suporte,
No olhar em ironia vejo o espanto.

37


Perfumas nesta noite mais brumosa,
E sei do quanto bebes do crepúsculo,
Enrijecendo em fúria cada músculo
A face mais atroz e desdenhosa,
O olhar de quem deveras gosta e goza
No sofrimento atroz, em tom maiúsculo
Desfaz em podridão cada corpúsculo
E assim reinando agora majestosa,
Em vampiresca cena a criatura
Dos antros de minha alma se assegura
Nos trâmites sutis do assassinato,
E bebe cada gota deste sangue,
Depois ao retornar ao ledo mangue
Num toque magistral, sorriso grato.

38


Teus beijos traduzindo a sede e a fúria
Preparam a mortalha mansamente,
O corpo desejado se apresente
Gerando tão somente a farta incúria,
Uma alma em petição, rara penúria
O olhar tempestuoso da demente
Sorrindo com sarcasmo se contente
Somente ao perceber medo e lamúria.
Satânica figura se aproxima
Ronrona qual pantera e neste clima
A noite em névoas feitas, acompanha
A truculência marca este carinho,
E o beijo furioso e mais daninho
Sorvendo o sangue qual fosse champanha.

39

Aos cães enquanto a fome saciava
Jogados os meus olhos, nada resta
Senão a tempestade onde se atesta
Lascívia enlanguescendo o corpo em lava,
A morte a cada instante me entranhava
Da vida não se vê sequer mais fresta,
O olhar deste verdugo agora em festa,
Enquanto em puro sangue se esbaldava,
Esvanecendo em noite nevoenta
Ainda uma ilusão já se alimenta,
Porém ao gargalhares tudo negas
Meu passo que talvez fosse mais firme
Sem nada nem caminho onde confirme
Em plena escuridão, seguindo às cegas.


40

O olhar que transformando o fraco em forte
Resulta desta face mais mordaz,
E quando a noite adentra e o nada traz
Sequer a fantasia nos conforte,
Apenas adivinho a minha morte
E deixo cada cena para trás,
Uma esperança tola e vã. Tenaz.
No estio de minha alma perde o aporte.
E ris em demoníaca feição
Na morte uma iguaria em refeição
Sacia plenamente cada instinto
Da fera que deveras fora outrora
A mansa criatura e desde agora
Satânica e venal, ora pressinto.

41

A morte como Sísifo na espreita
Atocaiada aguarda o fino bote,
Ausência a cada passo mais denote
Enquanto traiçoeira ali se deita
À noite uma alma insana e insatisfeita
Fazendo do seu sonho, um vão chicote
Delira como fosse algum Quixote
E ao fundo este coiote em plena espreita.
Assim ao perceber esta verdade
O quanto do meu mundo se degrade
E sabe muito bem do quanto o espera,
Olhando de soslaio, mansamente
Aos poucos a sarcástica apresente
A face embrutecida de uma fera.


42

O tempo se perdendo em rapidez
Não deixa que se veja atrás da porta
E quando a morte chega e já se aporta
O todo no vazio se desfez.
Ausente dos meus olhos, lucidez
Já quase nada sinto nem importa,
O sonho – ser feliz- a vida aborta
Tomado por total insensatez.
O risco de sonhar já não se vendo
Apenas resta em mim roto remendo
Do tanto que esta vida inda pudesse,
Ao menos ao sentir o olhar em prece
Quem sabe adie um pouco este final,
Mas cada vez mais perto o funeral.

43


À sepultura adentro em noite vaga
E o quanto desta vida se transforma
E toma esta temível, dura forma
Ainda que um sorriso âmago traga.
O medo se esboçando, a dor afaga
E o tempo a todo instante me deforma
Meu fim a derradeira e sacra norma
E o tempo com terror o sonho afaga.
Ascendo aos meus herméticos caminhos
E visto estes olhares tão mesquinhos
Sedento do que fora algum alento,
E quando alguma luz ronda o horizonte
Apenas mera sombra que se aponte
Fantástica ilusão em vão invento.


44


Ao menos esta terra é meu legado
E neste chão a carne apodrecida
Gerando com certeza nova vida
Algum destino em paz anunciado,
O quanto nada fora no passado
Em forma mais diversa enaltecida
A história renovada e presumida
Num derradeiro enlace, sem enfado.
Da turva persistência sobre o chão
À frágil decadência sob o solo,
O mundo subterrâneo; outrora vão,
Em nova dimensão se agigantara,
Assim ao perceber o fim sem dolo,
Alimentando em paz esta seara.


45

Um enlutado mundo; em tom sombrio
O quanto resta agora do que outrora
Talvez na insensatez e sem demora
Em ser inusitado eu me recrio,
O pária vagabundo, este vadio
A quem a própria ausência já devora
Ao fim apodrecido comemora
A foz aproveitável deste rio,
E um renovável mundo em tez diversa
Na qual a realidade agora versa
E gesta esta inconstante e vã figura.
Após o nada ser, decerto resta
A sorte que talvez fosse funesta,
Porém em serventia se assegura.


46


Amortalhado sonho em tons sutis
E nele cada passo dita o rumo
Aonde no final se em paz me esfumo
Ao menos neste instante sou feliz,
O quanto inda pudera e já desfiz,
Estrume garantido enfim aprumo
O passo neste vasto onde resumo
Além do que pensara ou mesmo quis.
Cenário degradante? Paz eterna,
No subsolo transformo em tal lanterna
Quem fora sombra apenas, nada além,
E o corpo decomposto em tons inermes,
Satisfazendo a fúria destes vermes
Enfim uma valia, ao menos tem.


47


Nas fúnebres paisagens onde sigo
Depois dos vendavais tão costumeiros
Os olhos procurando os derradeiros
Caminhos neste lodo, meu abrigo.
O pouco de esperança inda consigo
E tento na aridez destes canteiros
Momentos prazerosos em ribeiros,
Porém nas turvas águas eu prossigo.
A morte se prepara em bote certo
E aos poucos este mundo já deserto
Deixando para trás o mesmo nada
Do qual eu me fizera e me destroça,
Somente preparando a cova e a fossa
Na terra por escórias adubada.

48


Das trevas e do vasto esquecimento
Não tenho mais respostas, nem as quero,
O mundo se aproxima e sinto fero
Enquanto busco ao menos um alento,
O quanto fora em vida um excremento
Somente o fim; agora, ainda espero
Restando na verdade um ledo mero
Caminho aonde um sonho aguardo e tento.
Restolho de um passado enfastioso
Agora num cenário tenebroso
Arcando com a herança mais venal,
Do nada ressurgido após o vago,
Encontro o meu caminho e nele trago
Mergulho neste tétrico abissal.


49


Distante de sonares e radares,
O corpo se esvaindo em face escusa
A morte, meu caminho agora cruza
E nela se percebem vãos altares
Porquanto além do todo navegares
História se confirma mais confusa
A dor sem mais defesas já se acusa
Meu ermo se perdera em lupanares,
Nas hordas de onde vim, um mero pária
A vida esta diversa e má corsária
Levara em saques medo e desavença
O prazo terminando e apenas creio
Num derradeiro passo em devaneio,
Adubo que refeito, recompensa.

50


Sob os mais complexos ritos sigo
E tento discernir a sorte quando
O olhar para o vazio se levando
E apenas o não ser trago comigo.
O vento desairoso em desabrigo
O teto da esperança desabando
As alegrias mortas, frágil bando
A cada passo vejo outro perigo.
Amante solidão, único porto
De um vago caminheiro semimorto
Noctívago fantoche em tal penumbra
Apenas o revés por companheiro
Renova-se em daninha num canteiro
Que após a morte o olhar turvo vislumbra.


51


Os céus tempestuosos entre as brumas
Adentram a minha alma e na verdade
O quanto do que resta e ainda brade
Deveras noutro passo vago, rumas

E vês a sombra amarga nas escumas
E sendo tão comum a tempestade
No corpo que decerto se degrade
As auras muito aquém, quase nenhumas

O prazo se esgotando e deambula
Por sobre o solo um verme, a morte em gula
Não deixa mais destroços sob a terra.

Quem nesta vida fora subterrâneo
Agora se perfila e do cutâneo
Somente a podridão já se descerra.


52

Olhar voluptuoso da pantera
Aguarda e neste salto me domina,
A morte transbordando em fonte e mina
Da vida que deveras regenera

No cíclico caminho onde se espera
O fim que novo início determina,
A pútrida verdade me fascina
Carcaça noutra face em primavera.

Demônios entre deuses, totens meros
E os olhos tão mortiços quanto feros
Espreitam com sarcasmo este momento

E o quanto poderia sofrimento
Em festa e num banquete se percebe
Ao adubar em glória a tosca sebe.


53


Ardentes ilusões a vida traz
E nelas eu me entranho meramente,
E o medo a cada engodo se apresente
Na face tão temível quão mordaz,

Um abjeto demônio, este incapaz
No quanto do vazio já freqüente
Olhando para além não se pressente
Senão esta mortalha e assim se afaz.

Percebo quão perfeita esta existência
Da vida pela vida e nada mais,
Enquanto tu lamentas funerais

Benesse se mostrando em evidência,
Num renovável pacto a eternidade
Em tons diversos doma e nos invade.


54

A liberdade expressa num momento
Que tanto possa ser mais doloroso
E neste caminhar um andrajoso
Mortiço ser adentra o vário vento

E quando algum desfecho além invento
Percebo o meu caráter vaporoso
E tanto quanto posso; torporoso
Singrar este oceano onde alimento

Submundo com a carne destroçada
E trago redenção aonde o nada
Expressa a realidade mais fiel,

Do inferno desta vida à mansidão
Os dias em tais fatos mostrarão
A história deste ledo carrossel.


55


Abismo com meu passo esta verdade
Na qual já se constata fielmente
A morte aonde o novo se apresente
E trace outro caminho onde degrade

Embora com certeza desagrade
O verso em tom brumoso, veramente
Traduz o mundo quando plenamente
A liberdade rompe a viva grade.

Carcaça em alimento se presume
Em alimento vejo outra carcaça,
E assim a realidade se trespassa

Do quanto sou provento e mesmo estrume
Também de outro cadáver me fizera
Momento aonde a caça doma a fera.


56


Discreta esta presença sobre a terra
Deste insignificante ser que um dia
Pensara muito além do quanto havia
E aos poucos noutra face se descerra;

O barco em tempestade quando se erra
A direção e logo em tez sombria
À deriva bem sei naufragaria
Transcende à própria vida que ele encerra.

Do quanto nada valho e sei bem disso
Um ser tão andrajoso quão mortiço
Apenas resumido em alimento.

Morte em transformação renova a vida
Quando se vê chegada é na partida
Que existe em ciclo eterno este fomento.


57


Ninguém conhece mesmo algum segredo
Da vida senão a renovação,
À busca da sutil religião
Em passo tão errático eu procedo

E sei o descaminho duro e ledo
Traçando em paz ou guerra a dimensão
Dos dias que em verdade mostrarão
O quanto inalcançável tal enredo.

O carrossel eterno me permite
Dizer que não existe algum limite,
Mas sei do meu papel e não reclamo.

Por ser tão vulnerável e ser forte,
A morte na verdade um claro aporte
A poda faz nascer um novo ramo.


58


Inúmeros desenhos num mosaico,
O quadro se renova a cada instante
E o quanto deste nada me adiante
Num ato tão dorido quanto arcaico,

O mundo se pudesse ser mais laico
Talvez já não mostrasse em tom constante
O quanto na verdade se garante
Embora possa ser mesmo prosaico.

Noções de vis castigos e de prêmios
Discernem com certeza vários grêmios
E neles se criando, deus, demônio.

A Terra sempre vã, maniqueísta
À realidade plena não resista,
Senão só se veria um pandemônio.


59


Porquanto sou deveras mais sombrio
No verso onde persigo uma resposta,
Minha alma, se ela existe, segue exposta
E o quanto não resisto, teimo e crio.

A própria realidade é um desafio
E nela se traduz o que desgosta
Além de meramente uma proposta
Labiríntico mundo exige um fio.

A morte é necessária e até sublime,
Pois nisto a própria vida se redime
E traça outro caminho, convergente.

Jamais são paralelas as histórias
Importa muito pouco se as memórias
Resistem à mortalha que se sente.

60


A liberdade nasce em podridão,
O sangue que a alimenta diz do quando
Resíduo desta morte nos tomando
E o corpo destroçado é sempre vão.

Marchando sem limites se verão
Cenários onde o tom duro e nefando
Esboça alguma força libertando
E aprisionando o sonho em turvo grão.

É simples caminhar em meio às feras?
Enquanto a vida em morte tu temperas
E singras com a angústia mais latente

Tu queres que algum deus isto alimente?
A vida por si só diz penitência
A morte se desenha em vil clemência?


61


Teólogos, videntes, alquimistas
Buscando uma resposta, a panacéia
Que possa dominar em mesma idéia
O quanto na verdade não avistas,

Oráculos diversos sem as pistas
Dos vários vãos mistérios, assembléia
Vencendo a realidade quando atéia
E tentam presumir as nunca vistas.

Cenários onde a vida noutra forma
Pudesse enquanto a humana se reforma
E gera tão somente em vermes, vida.

A dúvida persiste e determina
O variável tom da mesma sina
Afirmação alguma é admitida.

62


Profundidades tantas; adentrara
Quem tenta perceber alguma luz
E nada além da morte, sorte em pus
Domina com certeza esta seara.

Uma esperança vaga se prepara
Além do que em verdade mais propus
É necessário então inferno e cruz,
Para conter tal fera dura e amara

A sórdida figura, raça humana
Enquanto na verdade a vida dana,
Procura a redenção? Não a merece.

Inútil predador somente traz
Na morte o seu papel e sendo audaz
Ainda exige além qualquer benesse.


63

Das névoas em crepúsculo pressinto
A amarga realidade que se expõe
E quando esta verdade decompõe
O olhar além do mero e vago instinto,

A própria redenção de algum absinto
No quanto em face nova se propõe
A vida após a morte já repõe
Ausente serventia onde eu me sinto…

Não quero e nem preciso de algum deus
Meu prêmio já foi dado quando vim
Se nada mais desejo após o fim,

Nem mesmo algum cenário em ledo adeus,
Amar e perdoar? Mesmo instintivo
Só não serei do nada um vão cativo.


64


As glórias prometidas, as celestes
Ou mesmo as tenebrosas de algum Hades
Gerado em mais diversas tempestades
Nas quais em mil temores te revestes.

No quanto muitas vezes te completes
Ou néscia criatura tu degrades
O passo e necessites de tais grades
Em áridos caminhos tão agrestes.

A redenção se faz no dia a dia,
E a morte dita então a serventia
Na pútrida carcaça o meu destino.

As bênçãos e os castigos? São, pois teus.
Criaste para tanto demo e deus
Cenário às vezes turvo ou cristalino.


65

Caminhos singulares; necessitas
E teimas em tentar algum perdão
Aos erros que cometes desde então,
Gerando cenas sórdidas, aflitas

Noutra faceta tomas as pepitas
E delas em sutil lapidação
Procuras um destino em solo e grão
E nestas fantasias acreditas.

Um pária perambula e destroçando
O quanto se apresenta e desde quando
Enfrenta as tempestades com seu ódio.

Depois de amortalhar a vida e a messe
Enquanto aos seus instintos obedece
Espera no final laurel e pódio.


66


Sou nada e tenho disto esta certeza
Já não me confortando uma promessa
À qual este vazio se endereça
E na verdade sirvo em lauta mesa

A quem na minha vida fora presa
E neste carrossel, pois recomeça
A vida e tanto faz se inda tropeça
Ou mesmo me prepare uma surpresa.

Um deus humano em turvo sentimento,
Não quero e não preciso nem fomento
Numa esperança tosca e sendo assim

Resumo o meu caminho em nada além
Do quanto em realidade me contém,
Início pressupõe decerto um fim.

67

Ao se fazer humano um ente que
Gerara a natureza e neste fato
O quanto neste ser eu me retrato
Não tendo nem razões, já não se crê.

O mundo quando alheio só se vê
No especular desenho em tal regato
Narcísico demônio gera o prato
E nele se alimenta e se revê.

A morte não existe. Noutra forma
A vida perpetua e se reforma
Em átomos, matéria tão somente.

Assim na ordem real e universal,
Bendigo cada novo funeral,
Pois dele a própria vida se alimente.


68


Já não mais consistindo em um alento
Presença que presume nova senda,
Deveras ao vazio ora se estenda
Morrendo sem além o pensamento.

E quando um lenitivo em vão fomento
Ousando para tanto ter a venda
Enquanto a realidade se desvenda
E vejo o meu caminho em excremento.

Se eu precisasse até da divindade
Ou de um castigo em vão e demoníaco.
Criando algum jardim paradisíaco

Jamais conheceria a liberdade.
Errático e talvez errôneo passo,
Eu faço tão somente porque faço.

69


Um feto apodrecido nalgum ventre
Demonstra a realidade de quem tenta
Seguir além da vida, a alma sedenta
E nesta fantasia se concentre

Herético, portanto, sendo humano
Não posso nem desejo mais perdão,
Somente tendo enfim a previsão
Consigo ou não deter um erro ou dano.

Mas sei da tão falível e fugaz
Verdade pela qual eu sigo a vida
Do imenso labirinto sem saída
A morte tão somente se refaz,

A cova este berçário do futuro
Gerando o que de eterno eu asseguro.


70

Daninho ser que tenta algum consolo
Após a degradante realidade,
E gera sem pudor a divindade
Qual fosse um mais estúpido vil tolo,

Enquanto à Terra dita a imolação
Um holocausto duro e até diário
Num ente tão venal quão temerário
Apenas os demônios mostrarão

A face verdadeira deste que
Além da própria vida, rara messe
Ao mais sublime espaço se oferece
Especular imagem, pois não vê.

Da imensa sordidez algum laurel?
Merece tal escória mesmo um Céu?



71

Em opulências tantas
Cenários mais diversos
Aonde em tons perversos
Deveras te agigantas
E assim tu logo espantas
Os sensos onde imersos
Traduzo em poucos versos
As turvas, toscas mantas.
Resumo em morte e vida
Palavra presumida
Seara onde inconteste
O mundo não transcende
Ao quanto já se atende
E em sonhos se reveste.

72

A pútrida visão
Embora verdadeira
Da face onde se esgueira
O sórdido leão,
Amplia a dimensão
Da frágil corredeira
E nisto esta ribeira
Transforma imensidão.
Do quanto em sua herança
Apenas morto avança
Em face mais diversa,
Gerando uma promessa
E nela se endereça
Enquanto ao nada versa.

73

Mesquinho caricato
O tempo não responde
Nem mesmo diz aonde
Aflui mero regato,
Se em sonhos eu resgato
E gero nova fronde
A morte não esconde
O tétrico retrato,
Porquanto é necessário
Um ar mais temerário
Ou mesmo algum alento.
Se nada se fizesse
Demônio já sem prece
Destroça o próprio vento.


74


Percurso variado
E um fim igual eu vejo
E sinto a cada ensejo
As sendas do pecado
Devera delicado
Caminho onde o negrejo
Traduz novo desejo
De um templo abençoado.
Herético fantoche
No quanto já deboche
Da vida e se amortalha
A morte esta sublime
Enquanto enfim redime
Traduz vaga batalha.

75


Semente de outra vida
Um excremento apenas,
Revivo e sei apenas
O quanto é desprovida
A história resumida
Em duras, frágeis cenas
E quando me serenas
No fundo dita ermida.
Carcaça e tão somente
Um alimento, a caça,
Enquanto a vida passa
Da morte me alimente
Depois ao mesmo fim
Demonstra ao que ora vim.


76


Ocaso e nada mais,
Ourives do vazio
O quanto sigo estio
E aguardo os funerais,
Meus passos animais
E neles eu desfio
A invalidez de um rio
Em dias terminais,
Semeio com a morte
A vida onde se aporte
Eternidade e sei
O quanto num subsolo
Remanso e eterno colo
Em nova face e lei.


77


Extraio do meu eu
Os ermos mais profundos
E neles os meus mundos
No quanto se perdeu
A história já teceu
Os dias vagabundos
E sórdidos e imundos
No eterno e vago breu.
Não passo disto e sinto
O quanto agora extinto
Já não comporto além
Da pútrida faceta
Aonde este cometa,
A vida vai e vem.


78


Esgoto entre os esgotos
Não tendo mais sequer
O quanto me aprouver
Em dias semi-rotos
Os braços amputados
Os olhos em crateras,
Os vermes, ledas feras
Banquetes desolados,
Nos ermos deste chão
O trágico diz festa
E o quanto e se me resta
Transforma-se no grão.
Reciclo-me e mergulho
Aquém do pedregulho.

79

Se resumidamente
Não sou além do verme
Que segue quase inerme
Por mais que inda alimente
Um sonho diferente
Ao ver a podre derme
Aonde a vida quer-me
E nisto um vago crente,
A tua divindade
Não tem necessidade
Senão deste holocausto,
A terra movediça
Precisa da carniça
E nela um raro fausto.

80


Portais diversos; crês
E pensas no futuro
Aonde claro/escuro
Trariam seus porquês
No fundo nada vês
Nem mesmo algum seguro
Caminho onde procuro
Mantendo uma altivez;
Nefasto? Nada disto
Na morte eu me consisto
E vivo deste fato,
Depois em refeição
Servido em podridão,
O meu papel; resgato.



81

A frágil criatura
Adona-se de tudo
E nisto não me iludo
A vida me assegura
Da farsa onde procura
Um mar e me transmudo,
Porém além vou mudo
Na senda mais escura.
Tropéis de fantasias
E nela tu recrias
Imagens discordantes,
O prêmio e a punição
Onde a putrefação
É tudo o que garantes.


82


Um sórdido vivente
Em noites ermas vaga
E tenta em plena chaga
O vento que apascente.
O quanto este demente
No fundo sempre traga
No olhar a fria adaga
Da morte se alimente,
Transcende à majestade
E gera a divindade
Qual fosse um ser superno,
Depois da hipocrisia
O que mais quereria,
Ainda ser eterno?


83

Não necessito mais
Das tolas excrescências
Sequer das penitências
Ou ritos tão banais,
Os dias são iguais
E neles tais essências
Resumem transparências
E trama em seus cristais
A morte nos sacia
E traz além da fria
Verdade outra promessa
Mortalha para que?
O mundo se revê
No quanto recomeça.


84


Cenário discrepante
Altares que constróis
E nisto já destróis
Verdade noutro instante
Em tantos vários sóis
O universo adiante
Por onde se garante
Diversos caracóis.
Nos subterrâneos da alma
A morte nos acalma
Sacia esta incerteza
Enquanto na verdade
Até saciedade
A fera vira presa.

85

Não quero o luto, apenas
A comemoração
Da morte desde então
Enquanto me serenas,
Não sabes das amenas
Verdades que virão,
Da etérea escuridão
Repito arcaicas cenas,
Se o nada me redime
E nele este sublime
Momento em que o vazio
Transcende ao sofrimento,
Apenas alimento
A vida que recrio.

86


Bactérias ou insetos
Os meus parceiros são
Do fim na escuridão
Caminhos já completos,
E neles os diletos
Desejos mostrarão
O quanto em precisão
Os mundos são repletos.
Esboço de outro tempo
Em glória ou contratempo,
Apenas um alento,
Gerado em altivez
Enquanto tu não vês
Do quanto é alimento.


87

Seguro passo tenho
Enquanto me resumo
Além do vago fumo
No ser duro e ferrenho
E nisto não desdenho
Deveras eu assumo
O pálido consumo
Do mundo em vago empenho.
Vagante criatura
Que o fim, ledo amargura,
Mas traz a realidade
Herético primata
A morte me resgata
Do quanto eu já degrade.

88


Um subalterno ser
Perante este universo
E nele se inda verso
Buscando algum prazer,
Ainda ter poder?
Não posso e desconverso
E quando me disperso
Aprendo enfim viver.
A morte, a sorte, o Fado,
O fato desenhado
Há tanto e sem promessas
Senão estas falácias
Quiçá toscas audácias
Por onde tu tropeças.

89

Escracho ser que um dia
Quisera muito além
Do que deveras tem
Em tez dura e sombria,
O quanto merecia
Senão mero desdém?
O vasto não convém
A tanta hipocrisia.
Satânico ou mordaz
Edênico ou sagaz,
No fundo pouco importa
Deveras o subsolo
E nele me consolo
Em derradeira porta.

90

Presumo alguma messe?
Já não mais ouso tanto,
O nada que garanto
Ao nada ele obedece.
A teia onde se tece
O resto em desencanto
E quando ali me espanto
Não resta nem a prece.
O manto que me cobres
No fundo em atos nobres
Ou mesmo em heresia,
Não tendo mais valia
Somente esconderia
Os meus escombros, pobres.

91

Meus ossos no final
Retrato mais fiel
Do corpo em sem papel
Ato coloquial,
Do imenso e sideral
Caminho deste céu,
Apático e cruel
Sem bem, também sem mal.
Esgarce que se vendo
Num tétrico remendo
Frangalhos de uma sorte
Da morte outro cenário
Por vezes temerário,
Porém santo suporte.

92

Deste execrável mundo
Disforme e sem sentido,
O quanto resumido
Em tom disperso e imundo
No quanto me aprofundo
E vejo resolvido
Além do tolo olvido
Um ente vagabundo,
O pária entre os mais párias
As mortes necessárias
Ditam sobrevivência
E nesta realidade
O corpo que degrade
Da vida plena essência.

93

Jazigo; aonde eu vejo
O renascer da vida
E tendo a prometida
História noutro ensejo,
O manto benfazejo
Presume a repartida
Faceta apodrecida
Sem medo ou mesmo pejo,
Assim se transcendendo
Ao quanto fui remendo
E sigo após fortuna
Na farsa que me tramas
Acendo em fátuas chamas
Verdade coaduna.

94

Num éden desenhado
Por quem deseja além
Do todo que já tem
E quer um novo fado,
O manto destroçado
E nele sem desdém
Da morte sou refém
E nisto sem enfado,
Percorro unicamente
No quanto se apresente
Em dura realidade.
Assaz freqüentemente
A vida diz semente
Enquanto se degrade.


95

Opaco ser que vaga
Por sobre o solo enquanto
Tentando um novo manto
E nisto já se afaga,
O corpo sempre traga
O nada e te garanto
O preço sem espanto
É fria e tosca chaga.
Não quero outra verdade
Senão a que me invade
E digo sem pudor,
A morte me aproxima
Da vida que redima
Em nova e turva cor.


96

Certezas que carrego
Do nada e do futuro
No solo tão escuro
Caminho turvo e cego,
Alimentar meu ego?
Não quero e te asseguro
No quanto em alto muro
Além não mais navego.
Presumo o que não tenho
Porquanto o meu empenho
Em ser feliz agora.
Se o tétrico carinho
Do verme onde adivinho
Cenário desarvora.

97


A par do que inda resta
Depois de tantos anos
Em erros, desenganos,
A morte fecha a fresta
Somente então a festa
Dos seres mais profanos
E nisto em novos planos
À vida já se empresta
O corpo ora desfeito
E neste eterno leito
Descanso finalmente.
O quanto eu fora vão
Agora em torpe chão
Na morte eu alimente.

98


Edênico ou hedônico
Já não me satisfaço
Com cada ledo espaço
Por onde em desarmônico
Caminho em tom agônico
Ditando cada traço
E quando me desfaço
Na morte viro um tônico.
Aos vermes e bactérias
Assim novas matérias
Refeitas de um só ser,
Sedentas criaturas
Aonde me asseguras
O manso apodrecer.


99


Religiões e crenças,
Apenas meramente
O todo que apresente
Em ledas recompensas,
Não tendo como pensas
Um ar impertinente
Nem mesmo me apascente
Em cenas duras, densas,
Somente me esvazio
E nisto em vão rocio
O tempo me transforma,
E decomposto sigo
Eterno e calmo abrigo
Novel e tosca forma.

100

Quando nos subterrâneos caminhares
Retrato em consistência variável
Sabendo ser somente degradável
E ter nestes vazios meus altares
Porquanto noutro espaço te exaltares
E ser somente assim um execrável
Cadáver noutro tanto renovável
Diverso que outrora desejares,
Não tendo esta esperança quase lúdica
Nem mesmo uma figura torva e lúbrica
Ascendo ao meu espectro sem temor.
Não quero e necessito de um alento,
No adubo que serei eu me apascento
E nisto o meu caminho. Redentor.

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