sábado, 19 de março de 2011

MEU AMIGO...

Dos sertões da minha terra
A distância não existe
Onde o sonho se descerra
E decerto além persiste,
Faço minha cada serra
Apontando o canto em riste
A verdade não emperra
Coração não se faz triste.
Mas a bala que cruzando
Na empreitada outra tocaia
Pouco a pouco demonstrando
Quanto a vida mesmo traia,
E se faz em fogo brando
Por qualquer rabo de saia.


2


O meu nome pouco importa,
Apelido? Tanto faz
Vou abrindo cada porta
Mostro o quanto sou capaz.
A saudade não se aborta
A tristeza é Satanás
Outro dia pouco importa
Esperança fica atrás.
No versejo da vontade
Nada impede o que se veja,
Ouso mesmo em liberdade
A cabeça na bandeja
Pouso enquanto a vida invade,
Traz; amigo, outra cerveja.

3

Enfrentei cada armadilha
Do destino mais cruel
E seguindo toda trilha
Esparramo pelo céu
Perseguindo esta matilha
No caminho em carrossel,
Onde a sorte tanto brilha
Imagino o meu corcel,
Nos tormentos desta vida
Muita coisa eu encontrei,
Onde vi bala perdida,
Na tocaia sendo um rei,
Aumentando esta ferida
Que deveras cultivei.

4

Sem boato e sem mentira
O que faço não se vê
É preciso e se retira
Nesta vida o seu por que,
Dependendo de uma mira
Muito mais do que se crê
Amarrei calça co’imbira
Numa casa de sapê.
Mas agora fiz fortuna
E casei com a donzela
No cantar de uma graúna
A beleza se revela,
Tanta coisa que nos una,
Meu destino? A morte ou cela.

5

Das estâncias mais diversas
Dos sertões do Piauí
Das Gerais, entre dispersas
Emoções; estou aqui,
Se as mãos seguem perversas
Coração? Amoleci.
Quanto mais sentindo imersas
Ilusões; não me perdi.
Outro copo, uma cachaça
Que decerto o tempo quer
Caminhando pela praça
Reparando uma mulher
De repente a bala passa
No destino que eu quiser.

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Se eu ferido fui, amigo?
Na verdade eu já morri,
Tantas vezes o perigo
Encontrava ali e aqui,
Respirando, então prossigo,
Mas da sorte ora perdi
Com certeza o meu abrigo,
Tanto faz, também não vi.
Ouço até falar do vento
Que domina este verão
Percorrendo sempre atento,
Sem saber da direção
O meu mundo mesmo invento
Enfrentando o próprio Cão.

7

Nos puteiros desta estrada
A mulher com fartos seios
Outra noite imaginada,
Bebo a sorte em devaneios,
E se sei desta cilada
Noutro dias e rodeios,
Fujo mesmo em madrugada
Sem sequer saber os meios,
Mas a vida me prepara
Armadilha, uma arapuca,
E depois da noite clara,
Eu estou numa sinuca.
Meu amigo se prepara
Que esta vida é tão maluca.

8

Das vontades e exigências
Deste mundo sem cuidado,
Ouço bem as diligências
Noutro passo desejado.
Contra tantas evidências,
Eu mantenho sempre ao lado
E vencendo as penitências
Ando um tanto desolado,
Pouca gente nesta vida
Merecia algum carinho,
Mas a sorte em vão perdida
Noutro passo toma o ninho,
E se faz da despedida,
Com certeza o meu caminho.

9

Meu amigo agora eu falo
Com firmeza, pois sei bem,
Aproveitando este embalo,
Finja que não sou ninguém
Eu não vou cantar de galo,
Mas a vida quando vem,
Muda tudo num estalo
Nada tem quem tudo tem.
O meu nome? Não importa,
Mas você sabe conhece a vida
E sabendo o quanto corta
Alma dura e corroída,
Tanto tempo estando morta,
Num Inferno ora escondida.

10

Sou chamado João Capeta,
Afamado noutra terra,
Cada crime que cometa,
Uma cova rasa enterra,
Olho a vida pela greta,
Nos grotões de cada serra
A minha alma anda cambeta,
Porém meu revólver berra.
E sabendo a direção
Eu não erro a pontaria,
Outros tempos me verão,
Tendo a lua em montaria,
Caminheiro do sertão,
Só da lenda se sabia.

11

Aproveito cada instante
E no bar esta aguardente
Que deveras nos garante
Muito mais do que evidente
Num anseio galopante
Outro traço se apresente
E se possa doravante,
Nem a dor mais se apresente.
Pois eu vou já te avisando,
Sou amigo e nisto até,
O caminho demonstrando
Com brandura e sigo à pé
Pelo mundo galopando
No Capeta, a minha fé.

12

Acontece que este fato
Já não posso mais calar,
Quando vi o teu retrato,
Num momento a se mostrar,
Seca a fonte do regato,
Vejo nuvem no luar,
Desfazendo algum contrato,
Já nem posso disfarçar,
Esta vida é traiçoeira
E; portanto, não sossega
Onde a sorte não se queira
A verdade se faz cega,
A saudade marinheira
Noutro mar quer e navega.

13

Nesta vila, com certeza
Tem mulher a dar com pau
Uma tem tanta beleza
Remelexo sem igual,
São coisas da natureza,
Num momento sensual,
Quem caçava virou presa,
Sei que sou este animal.
Sem ter medo de vingança
Sem ter pena de doutor,
No que tanto a gente avança
Neste mundo sem valor,
Já matei até criança,
Tenho nada a te propor.

14

Mas eu devo confessar
Não sossego se não faço
É preciso te falar
Deste mundo sem espaço,
Antes mesmo de notar
Ninguém faço de palhaço,
Ouso mesmo acreditar,
No punhal e até no laço.
Dos meus rumos já perdido,
Sem saber o que fazer,
Outro tempo percebido,
Nos molejos do prazer,
Fui por ela recebido
Como é bom este querer.

15

Armadilhas desta sorte,
Que jamais eu conheci,
O caminho que conforte
Nele tanto eu percebi,
O que possa além do corte
No desejo que senti,
Tem que ser, amigo, um forte,
Isso é lá ou mesmo aqui.
A verdade não retira
O caminho que se quer,
Preparando a minha mira
Nova morte? Outra qualquer,
Quanto a vida sempre gira...
Trouxe a mim tua mulher!

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