sexta-feira, 1 de julho de 2011

31

O quanto se fizera mais bizarro
O amor que na verdade nunca veio,
Trazendo no final o velho anseio
E nisto mergulhando enquanto esbarro
Nos erros costumeiros, e se escarro
Tentando acreditar no que incendeio,
O tempo se voltando em devaneio,
E o verso se anuncia feito em barro.
Da argila que viemos, noutra senda,
Da tétrica ilusão que o sonho venda
A sorte sem saber de paradeiro,
No temporal desnudo a cada infausto,
O dia se transforma em holocausto
E o mundo neste horrível picadeiro.

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Aperto tuas mãos e sigo em frente,
Ainda que pudesse acreditar
No quanto aprendo mesmo a divagar
Ousando na esperança que se tente,
Persigo com temor o imprevidente
Momento aonde o todo há de brilhar,
Não sei se beberia do luar,
Nem mesmo se do mar siga contente,
Um continente a mais, a minha Atlântida,
Uma palavra atroz, ou mesmo cândida,
Resplandecente sol já não veria,
Somente a velha face do crepúsculo,
Um sonho que pudesse, tão minúsculo,
Gerir dentro do peito a fantasia.

33

Oraculasse o dia em que partiste,
Deixando para trás tudo o que fui,
Enquanto esta verdade agora influi,
O mundo se anuncia bem mais triste,
E sei do que pudera e assim consiste
A queda noutro tom enquanto rui
O medo sem sentido, a sorte pui,
E a morte se empolgando tudo assiste.
Se na verdade fomos o que fomos,
Agora percebemos vários gomos
Da mesma desventura em que se dera
A força sem sentido e sem proveito,
Deitando a eternidade eu não aceito
Sequer o renascer da prima espera.

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Um ato após um ato seja fato
E trague novamente outra versão,
Ainda que pudesse em reversão
Tramar o que deveras mal constato,
O sonho de um poeta, mesmo ingrato,
O canto que repleta o coração,
A vaga e mais distante dimensão,
E o medo que produza o que maltrato.
Repare cada farsa e veja ali
O tanto que pudera e já perdi
Sem mesmo revelar algum nuance
Diverso do que trago no meu peito
E sei que se pudesse ser aceito,
O dia noutro tom a vida alcance.

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A vida transcorrendo e quando mudo
Expresso outro momento e sigo além
Sabendo que em verdade o que inda vem
Traduz esta ilusão e toma tudo,
O mundo me deixara tartamudo,
A queda na verdade me convém,
Prefiro com certeza ser ninguém
E ter o velho sonho, até miúdo.
E canto por cantar tão livremente
Que nada nesta vida se apresente
E tente me calar, pois sou liberto,
Ainda que se veja a curva após,
Ousando na expressão de minha voz,
O medo do passado ora deserto.

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Jamais imaginasse que este sonho
Tramasse algum disfarce ou na verdade,
Mudasse com certeza esta igualdade
Que tento e ora decerto mal componho,
O presumível tombo ou enfadonho
Caminho sem saber da liberdade
E nisto o que pudera e já degrade
Expressaria o ser quase bisonho,
A rota se perdera simplesmente
E o tanto que se quer, não mais consente,
O vértice invertido dita a vida,
O medo não traria solução
Expondo desde agora a sensação
Que tanto realçasse esta ferida,
Ainda que a verdade nos agrida,
Impede a mais temida decepção.

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Marcasse com palavras o que venha,
O manto discernindo esta mortalha,
A vida como um campo de batalha,
A luta neste luto, mais ferrenha,
E sei do que pudera a cada penha
Vencida e desejando o que se espalha
Na sombra que deveras me atrapalha,
Ainda quando sigo o que convenha,
Repare tantos erros e me diga,
Aonde se perdera a sorte amiga,
No ocaso de uma luta sem sentido?
O mundo desabando e já nem ligo,
Usando tal mortalha como abrigo,
O tempo noutro instante resumido.

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Acendo outro cigarro, e mais um maço,
O presumível câncer me rondando,
Apenas perguntasse como e quando,
Pudesse finalmente neste abraço,
O tanto que traduz o quanto embaço,
Vigio meus enredos desabando
E sigo sem sentido, em contrabando,
O tempo se anuncia mais escasso.
Que faço se no fundo não tem jeito?
A morte, de tal forma, agora aceito,
E deito sobre os mansos funerais,
“Fui poeta, e amei demais na vida”,
Agora se prepara a despedida,
Amigos desta vez, p’ra nunca mais...

39

Psicodélico sonho em realidade
No daime mergulhando me alucino,
E bebo do que possa cristalino
Enquanto a própria senda já se evade,
No templo aonde a vida sempre agrade,
O todo que deveras me fascino,
Grassando como fosse este menino
Que agora engole a plena liberdade,
Em ser ou não poder jamais temesse,
O quanto se fizera e se esquecesse
Nas tramas costumeiras, ou tão raras,
Apenas o que vejo ou já pressinta,
Expressaria a face agora extinta
Das dores que deveras escancaras.

40

Tentando em decassílabos falar
Do quanto poderia e nunca tive,
Ainda que em verdade não retive
Sequer algum momento de luar,
A sorte soerguida a se moldar,
O tempo enquanto tempo sobrevive,
E bebe da expressão que não contive,
Na fúria de um segundo a se mostrar.
Reparto com meus olhos o que vês
E brindo com tamanha insensatez
Deixando a lucidez apavorada,
Se fosse mesmo o cálice sagrado,
O todo que traduzes e que evado,
No fim já não seria quase nada.

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