quarta-feira, 8 de agosto de 2012

MAIS UMA NOITE BRANCA

MAIS UMA NOITE BRANCA


Mais uma noite branca! Agora não tem jeito.
No cabaré vazio um cheiro de masmorra.
Não surge um que explique e ao menos me socorra.
É greve de mulher? Alguém fez um mal feito?

Nem mesmo essa aguardente, aquela batizada,
Me esquenta nessa noite. O frio é de lascar!
Vontade de gritar, vontade de dançar!
Vontade de xingar em plena madrugada.

Nem ao menos Maria, a das coxas roliças,
A da boca pequena, a mordida gostosa,
A lambida sofrida, a mão maravilhosa...
A dos restos mortais, Maria das carniças...

Nem ela. Ao menos ela! Eu vou voltar p’ra casa.
Prá casa não! Me lembro, aqui tem um pé sujo.
Depois daquela esquina, depois do Caramujo,
Eu acho que é ali. Eu boto fogo na brasa...

“Refúgio da Moleca”, o nome do boteco.
Será que aceita cheque? Estou meio lesado.
Prá quê eu vou ficar assim tão preocupado?
Mas se o lugar for bom, depois tem repeteco!

Eu soube que Joana, antiga cafetina
Andou em confusão com Chica Quero Quero.
Nessa panela velha, eu acho que tempero.
Pois Joana é danada, acha cada menina!

Depois disso eu garanto eu não vou mais ligar.
É disse que me disse, eu falo mas eu nego.
Martelo pede cabo o cabo pede prego.
O prego quer martelo... E como vou ficar?

É melhor me calar. Assunto que encomprida
Depois de muito papo aumenta como o quê;
De pequeno, gigante, aí é que você vê.
Amanhã pego o trem, ‘stá na hora da partida...

Mais uma noite branca, e daí o que fazer?

Minas é tão distante acho que não vou não.
Depois o que fazer? Voltar para a mesmice?
É tanta da fofoca, um disse que me disse.
Depois tem problema. A Paula Caminhão.

Eu prometi casar! Cachaça vagabunda!
Foi só tomar um trago, a noite estava fria...
A cama bem quentinha, a coceira subia.
É num buraco desses que um caboclo se afunda.

A mãe dela é comadre e meio aparentada.
A cabeça não pensa, a gente é que se lasca.
No fim valeu a pena, a boa da borrasca.
Eu soube, assim por alto, ela caiu na estrada.

Mas, de qualquer maneira a volta é complicada.
Minha mãe está velha e a noite é muito nova...
Eu sei que ela não gosta e sei que não aprova
O fato d’eu chegar em plena madrugada.

Meu pai era peão, e bom de montaria,
Morreu numa tocaia, a mando de um ricaço.
Que depois foi prefeito e que já foi pr’espaço.
Fez aqui, aqui paga a minha avó dizia.

Já tava me esquecendo o meu nome é Gilberto,
Me chamam de Mineiro, eu gosto mais assim...
Eu trabalho no cais, já mexi com jardim,
Faço qualquer serviço, até que sou esperto.

No Rio de Janeiro estou já faz um tempo,
Morei lá no Turano, agora, no Salgueiro.
Sim, eu já fui casado, agora estou solteiro.
Tanta coisa já fiz... Já tive contratempo.

Eu sempre defendi o pão do dia a dia
Trabalhando, vendendo ervas medicinais,
Outras ervas vendi, outras coisinhas mais.
Não venha recriminar, noite sem rango é fria...

Minha mãe? Sabe não! Mas com quatro crianças,
Fazer o quê? Se dane. A vida é muito dura,
Eu preciso de grana, a barra tá escura.
O que você me disse? Esqueça as esperanças!

Isso é papo furado, a luta é complicada.
Jacaré fica quieto? A cobra dá o bote.
Vendia sim senhor! De porção até lote.
Pelo menos assim, a barriga pesada!

Mas voltar para trás? Deixar a molecada?
Nem pensar seu doutor! Favela é um perigo!
Aqui posso falar, mas lá? Eu nem te digo.
A boca e a formiga. Eu não falo mais nada!

Voltando a vaca fria, eu não volto pra Minas.
Minha vida é aqui, com todos os problemas.
Com toda confusão. Tenho lá meus dilemas,
Tem a Praça Mauá e tem essas meninas...


MARCOS LOURES

Nenhum comentário: