sábado, 11 de outubro de 2014

OLHOS AZUIS

OLHOS AZUIS.

Acordara cedo, como sempre fazia desde há muito tempo, criado sozinho; desde os tempos mais pueris da vida fora obrigado a trabalhar; primeiro com os tios na roça, depois com o mesmo patrão que tinha sido do pai, falecido no início dos primeiros passos, lembranças esquecidas dentro de uma gaveta qualquer, há muito fechada.
Olhou para o corpo estendido na cama, corpo de belas formas, da morena bonita que conhecera e logo se apaixonara; casamento de 10 anos, quatro filhos e poucas alegrias.
Reparou bem no despertador, 5 horas, como sempre, mesmo nas férias não conseguia acordar mais tarde, escravo de uma rotina cruel...
Naquele momento pensou na noite anterior, noite longa e estranha, cheia de fantasmas e pesadelos, o que ultimamente se tornara costumeiro, quase diário, gritos e tumulto de gente correndo, coisa estranha...
Pacato desde menino, “incapaz de fazer mal a uma mosca”, segundo comentava o tio; tio que fora pai, num ato de amor sem cobranças, amor verdadeiro.
A tia nem tanto, não gostava daquele menino melequento correndo pela casa, bastava-lhe os três que a vida deu e ainda tinha que aturar esse pestinha.
Ainda mais filho de quem, daquele mesmo que fora o primeiro, grande e único amor de sua vida; mas a irmã era mais bonita...
A peste do menino, a cada dia mais se parecia com o pai, tão diferente do seu marido, irmão do safado...
Aqueles olhos azuis do cunhado ficaram atormentando sua vida por longos anos, agora aquele moleque solto pela casa.
É provação divina, provação e provocação, como podia agüentar?
E a vida foi passando entre quintais e escola, brincar era difícil, só se a tia não estivesse em casa, a megera era terrível.
Proibindo tudo, e trancando o menino dentro de casa como se fosse uma donzelinha vigiada. Tia muito estranha, vez em quando observava os olhos dela sobre os seus, descansados e desavisados.
Quando fez quinze anos, sexo explodindo nas noites solitárias, no calor queimando tudo, em pleno inverno, acordando numa febre, febre incontida, desesperada...
E o prazer culpado, pecado, segundo a tia e o padre...
Um dia, esquecera a porta aberta e, surpreendentemente quando olhou para o lado viu uma sombra correndo pela casa afora, estranha sombra, que adivinhava ser da tia, mas não podia garantir.
Aos dezessete conhecera Marta, morena maravilhosa, corpo perfeito, coxas duras e dentes alvos, radiantes.
O tio ficou muito contente, sobrinho trabalhador, morena bonita, casal perfeito.
A tia calada, cada dia mais se trancafiava no quarto, menopausa falou o doutor, o tio aceitou e, com paciência foi agüentando as crises cada vez mais freqüentes da mulher; boa mulher, mas muito temperamental, “problemas de nervo...”
O primeiro filho chegara com o outono, casamento às pressas, Marta grávida, barriga grande, estrias muitas, Marta estava diferente e os dentes começaram a cair, pouco a pouco até não restar mais nenhum.
Menina bonita que a gravidez modificara e trouxera um menino diferente, doentio, fraco dos peitos, menino estranho que quase não chorava e, se chorava era fraquinho, quase um gatinho miando.
Dois anos depois, o segundo menino, forte, robusto, parecido com ele, dono dos mesmos olhos azuis, quem sai aos seus não degenera...
Depois as duas meninas, gêmeas, bonitas e dengosas, Marta reeditada, mas com os olhos azuis, os mesmos olhos do avô e do pai.
A esse tempo já se mudara para a cidade e trabalhando como pedreiro, fizera certo sucesso e tinha sempre emprego, e Marta conseguira um emprego como faxineira na escolinha perto de casa.
Vida simples de gente simples na cidade simples, mas os sonhos estavam deixando-o preocupados; sonhos repetidos e cada vez mais estranhos.
Aquele dia, então, os sonhos pareciam tão reais que era como se tivessem sidos verdadeiros.
O estranho é que, reparara a algum tempo, quando se olhava nos sonhos estava mais envelhecido, enrugado mesmo, como se tivesse passado muitos anos, e havia uma sombra de uma mulher com o rosto esfumaçado e, reparara num detalhe, uma coisa que chamara a atenção foi um anel que a mulher usava na mão direita, algo assim como um anel, um anel sim... De prata, com um desenho estranho, parecido com aquele que vira numa foto, sobre o Egito, com o rosto de uma mulher...
Aquela manhã; ao ver Marta deitada, com as coxas fortes e grossas exposta, resíduo de um passado glorioso, mostrando que onde havia estrias e flacidez, houvera uma cabocla desejável, pensou na vida passada e agradeceu a Deus pelo que a vida lhe dera; uma mulher boa e companheira.
Achara que o sonho era com Marta, mas ao reparar bem viu que Marta era mais alta, mais cheia de corpo que a mulher do sonho.
Ao se preparar para tomar o café, foi interrompido por uma gritaria que vinha da porta.
Um moleque gritava a toda, arfando e chamando-o pelo nome.
Ao abrir a porta, percebera que tinha se arranhado e fundo, não se lembrara, mas o trabalho estava muito árduo e poderia ter se machucado, sem perceber, isso vez em quando acontecia. No começo estranhara, mas agora já estava acostumado.
O menino então disse ao que veio.
Sua tia tinha morrido, amanhecera morta, e parece que seu tio é que tinha matado a velha. Ela estava toda machucada, estropiada, mesmo.
Saiu correndo e fora ver o que tinha acontecido.
Ao chegar à casa do tio se deparou um espetáculo dantesco; a porta arrombada, a casa toda revirada com sangue para todos os lados.
Na sala, o corpo da tia todo cortado, cheio de equimoses, os olhos esbugalhados, saltando da órbita, uma cena terrível.
O tio, preso algemado, gritando desesperado, negando tudo, porém as marcas no seu rosto denunciavam que havia tido luta, uma luta gigantesca.
- Não fui eu!! Não fui eu!!! Gritava o tio.
Falava confuso sobre um assaltante ou coisa que o valha que tinha entrado na casa, agredido a mulher e ele, ao defendê-la teria sido atingido pelo homem que, encapuzado não deixava ver nada, a não ser os olhos,, estranhos olhos azuis...
Um detalhe passara despercebido de todos, inclusive do nosso herói; num canto da sala, jogado no chão um anel, com a esfinge esculpida...
A partir daquela noite, coisa estranha, nunca mais teve aqueles pesadelos...


MARCOS LOURES

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